Maurício Rosa escreveu Na
proa do trovão porque queria se conectar com a memória do avô
materno que nunca teve a oportunidade de conhecer. Homem preto e pobre, o
familiar poderia ter tido sua trajetória invisibilizada devido a violências
raciais e preconceitos de classe, mas o neto decidiu utilizar a poesia para
preservar a própria ancestralidade – que é também a de muitos brasileiros.
“Toda história é uma grande
história e contá-las, sejam elas ilustres ou apagadas, também é um resgate da
nossa identidade coletiva”, explica o autor, que conectou a vida do avô com
momentos socioculturais importantes do Brasil. Com textos escritos em ordem
cronológica, ele atravessa o início do samba e a jovem-guarda enquanto aborda
os relacionamentos amorosos do patriarca e os acontecimentos da vizinhança.
“As nossas raízes e heranças
estão repletas de brechas por onde a poesia pode nos espantar ou maravilhar.
Em Na proa do trovão, há belezas surpreendentes, mas também
exumei emoções que toda a família prefere esconder. Por isso a literatura é
necessária: ela é um lugar de encantamento a partir da palavra, mas é também, e
talvez principalmente, um lugar de expurgo e libertação”, afirma o escritor.
Confira a entrevista completa
abaixo:
“Na proa do trovão” tem seu avô
materno, Armando, como ponto de partida e chegada. Qual foi o impacto
pessoal ao construir uma biografia poética sobre ele? Como foi o processo de
entrelaçar memória familiar e criação literária?
Maurício Rosa: A
experiência de escrever o livro foi profunda. Eu tinha apenas o esboço do
retrato de um homem e o desejo de abandonar as rédeas da minha imaginação.
Esses dois fatores criaram um terreno impreciso para uma biografia tradicional,
mas uma aventura para o fazer poético. A etapa de pesquisa (que caracterizava
os meus projetos anteriores) foi abandonada. Parti direto para a criação, tendo
apenas a sensibilidade como guia. Pessoalmente, foi tenso e emocionante, porque
eu precisava respeitar tanto a memória familiar quanto o meu compromisso
estético como escritor.
A obra explora temas como
raízes familiares e herança cultural. Na sua visão, qual é a importância da
poesia como um meio de preservação e ressignificação da ancestralidade?
Maurício Rosa: Quanto a
preservação da ancestralidade, eu espero que muitos poetas continuem a escrever
sobre os seus antepassados (principalmente aqueles cujas histórias que não
puderam ser contadas devido às violências raciais, sociais e de gênero). Em
relação à ressignificação, esse é justamente o lugar da poesia. E não é apenas
uma questão de perspectiva: no poema, toda experiência deve ser transformada,
recalibrada, iluminada. As nossas raízes e heranças estão repletas de brechas
por onde a poesia pode nos espantar ou maravilhar. Em Na proa do
trovão, há belezas surpreendentes, mas também exumei emoções que toda a
família prefere esconder. Por isso a literatura é necessária: ela é um lugar de
encantamento a partir da palavra, mas é também, e talvez principalmente, um
lugar de expurgo e libertação.
O livro transita entre
diferentes gerações e épocas. Como você trabalhou a estrutura temporal dos
poemas para entrelaçar essas histórias?
Maurício Rosa: O livro
começa nos anos 1920 e termina nos anos 1980. Por adotar a ordem cronológica, a
estrutura temporal se armou naturalmente, ficando à cargo das personagens
indicarem, discretamente, o momento que determinado poema retrata. Para isso,
por exemplo, utilizei alguns referenciais musicais para que, de primeira, o
leitor conseguisse se situar. Menciono o Rio de Janeiro do início do samba na
figura de Tia Ciata (por volta dos anos 1920), a jovem-guarda (final dos anos
1960) e a cantora Fafá de Belém na juventude (metade da década de 1970).
Elementos da cultura e da
história brasileiras aparecem de forma marcante, como a referência à Pequena
África. Qual é a importância dessas citações para a narrativa poética do livro?
De que forma contribuem para o resgate da identidade cultural?
Maurício Rosa: Há dois
eixos de importância: um é estético e o outro é em nome da memória que não pode
ser apagada. Poeticamente, as referências enriquecem o texto, ambientam o
leitor e propõem uma ligação de afetividade com o poema. Por sorte, a história
do meu avô pôde andar em paralelo com grandes momentos socioculturais e eu
tentei utilizá-los no livro para provar que, enquanto a chamada “história
oficial” acontecia, uma vida pequena e silenciosa mobilizava e movimentava uma
família, a minha. Toda história é uma grande história e contá-las, sejam elas
ilustres ou apagadas, também é um resgate da nossa identidade coletiva.
Os textos tratam de aspectos
íntimos da vida familiar, como no poema Fascinação. Como foi
equilibrar a exposição pessoal com a universalidade da poesia?
Maurício Rosa: Não foi uma
tarefa simples, mas poesia é risco. É realmente imprevisto o que pode acontecer
quando começamos um poema e acredito que a universalidade se alcança somente
com uma alta voltagem de honestidade. Dizer o que precisa ser dito não é fácil,
mas é só assim que se pode escrever.
Sobre o autor:
Maurício Rosa vive em São Paulo.
Aos 17 anos, ganhou um prêmio de literatura em sua cidade, e isso o impulsionou
a pensar a escrita como uma possibilidade de carreira. Desde então, participou
de diversas oficinas com escritores renomados como Marcelino Freire, Bruna
Mitrano, Luiza Romão, entre outros. Tem textos publicados nas antologias Contos
e causos do Pinheirão, organizada por Nelson de Oliveira, e Retratos
pandêmicos, fruto do curso é Dia De Escrever. Atualmente, dedica-se
inteiramente à poesia e escreveu textos para revistas especializadas como Ruído
Manifesto, Leituras.Org, Revista Quiasmo, Littera 7, Revista Variações e
Revista Sucuru. É autor dos livros Vamos orar pela vingança, O
longo cochilo da ursa e Na proa do trovão, e
finalista do Prêmio Caio Fernando Abreu 2024 com o livro ainda inédito Meu
corpo é testemunha.
Redes sociais do autor:
Instagram: @mauricio._.rosa
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