Contos que recolhem a alma das
ruas e gravuras que dão som às histórias contadas. As Palavras
Andantes abre janelas para a obra literária de Eduardo
Galeano e a veia artística única de J.Borges. Publicado
pela primeira vez em 1994, a obra ganha nova edição pela L&PM Editores. No
livro, Eduardo Galeano, reconhecido por violar as fronteiras entre gêneros
literários, explora histórias contadas por meio das vozes que cercam sua
realidade e memória. As “janelas” são temas recorrentes que versam sobre a
palavra, o medo, as paredes, o tempo, ditaduras invisíveis e os temas mais
diversificados.
J. Borges, nome artístico de José
Francisco Borges, destacou-se como um dos mais expressivos xilógrafos
brasileiros. Sua maestria na técnica da xilogravura, aliada a uma profunda
imersão na cultura popular nordestina, resultou em obras que transcendem a mera
representação visual. Através de linhas incisivas e contrastes marcantes,
Borges retratou o cotidiano, os mitos e as lendas do sertão, conferindo à
xilogravura brasileira um caráter singular e inconfundível.
Em As palavras Andantes,
a voz de Galeano, ora apaixonada, ora indignada, acompanhada da arte de J.
Borges, tece um painel da vida e da luta, celebrando a beleza e denunciando a
injustiça. Seus contos, breves e contundentes, são janelas para a alma humana.
Um trecho:
JANELA SOBRE ESTE LIVRO
Uma mesa, remendada, velhas letrinhas móveis de chumbo ou madeira, uma prensa
que talvez de Gutenberg tenha usado: a oficina de José Francisco Borges na
cidadezinha de Bezerros, no interior do nordeste do Brasil.
O ar cheira a tinta, cheira a madeira. As pranchas de madeira, em pilhas altas,
esperam que Borges as talhe, enquanto as gravuras frescas, recém-impressas,
secam dependuradas no arame de um varal. Com sua cara talhada em madeira,
Borges me olha sem dizer nada.
Em plena era da televisão, Borges continua sendo um artista da antiga tradição
do cordel. Em minúsculos folhetos, conta causos e lendas: ele escreve os
versos, talha as pranchas, imprime as gravuras, carrega os folhetos nos ombros
e os oferece nas feiras, de povoado em povoado, cantando em ladainhas as
façanhas das pessoas e dos fantasmas.
Eu vim à sua oficina para convidá-lo a trabalhar comigo. Explico meu projeto:
imagens dele, suas artes da gravura e palavras minhas. Ele se cala. Eu falo e
falo, explicando. Ele, nada.
E assim continuamos, até que de repente percebo: minhas palavras não têm
música. Estou soprando em flauta rachada. O não nascido se explica, não se
entende: se sente, se apalpa quando se move. E então deixo de explicar; e
conto.
Conto para ele as histórias de espantos e encantos que quero escrever, vozes
que recolhi nos caminhos e sonhos meus, de tanto andar acordado, realidades
deliradas, delírios realizados, palavras andantes que encontrei - ou fui por
elas encontrado.
Conto a eles os contos; e este livro nasce
Sobre o autor:
Eduardo Galeano (1940-2015)
nasceu em Montevidéu, no Uruguai. Viveu exilado na Argentina e na Catalunha, na
Espanha, desde 1973. No início de 1985, com o fim da ditadura, voltou a
Montevidéu. Galeano comete, sem remorsos, a violação de fronteiras que separam
os gêneros literários. Ao longo de uma obra na qual confluem narração e ensaio,
poesia e crônica, seus livros recolhem as vozes da alma e da rua e oferecem uma
síntese da realidade e sua memória. Recebeu o prêmio José María Arguedas,
outorgado pela Casa de las Américas de Cuba, a medalha mexicana do Bicentenário
da Independência, o American Book Award da Universidade de Washington, os
prêmios italianos Mare Nostrum, Pellegrino Artusi e Grinzane Cavour, o prêmio
Dagerman da Suécia, a medalha de ouro do Círculo de Bellas Artes de Madri e o
Vázquez Montalbán do Fútbol Club Barcelona. Foi eleito o primeiro Cidadão
Ilustre dos países do Mercosul e foi o primeiro escritor agraciado com o prêmio
Aloa, criado por editores dinamarqueses, e também o primeiro a receber o
Cultural Freedom Prize, outorgado pela Lannan Foundation dos Estados Unidos.
Seus livros foram traduzidos para muitas línguas.
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