Como narrar a trajetória de Ariano Suassuna, um dos maiores nomes da cultura brasileira? Pela vida? Pela obra? Pelo passado? Pelo presente? E quem é capaz de abarcar a totalidade de um sujeito que mudou a história da arte brasileira? Pensando nestas questões, o pesquisador Anderson da Silva Almeida (@andersondasilvalmeida), doutor e mestre em história pela Universidade Federal Fluminense (UFF), organizou a obra “Ariano Suassuna no teatro da vida”, publicada pela editora CRV. Com extenso trabalho no campo de pesquisa, Anderson já foi finalista do Prêmio Jabuti de Literatura, em 2018, na categoria Biografias e vencedor do Prêmio Memórias Reveladas, do Arquivo Nacional, em 2010.
No decorrer das 354 páginas, a obra é lançada no ano em que se completa 10 anos da morte de Ariano no contexto dos 60 anos do Golpe de 1964. Além disso, “Ariano Suassuna: no teatro da vida” também chega ao mundo na ocasião do lançamento do filme O Auto da Compadecida 2, esperada continuação de um dos maiores clássicos do cinema nacional.
Segundo o organizador, o livro representa a realização de um desejo de conhecer mais profundamente a atuação de um grande intelectual no período da ditadura e o movimento cultural por ele criado, o Movimento Armorial, que reverberou principalmente no Nordeste uma tentativa de se construir o que ele chamou de “cultura erudita brasileira”, com inspiração na chamada “cultura popular” e o que seriam suas raízes ibéricas e árabes, principalmente.
“Como pesquisador da ditadura, percebi a ausência de estudos no meio historiográfico sobre a atuação de Ariano naquele período. Temos obras que abordam o Movimento Armorial, mas sem conectar com o contexto político. Ariano esteve muito presente nos debates políticos dos anos 1960-1970, principalmente em Recife, e já era muito conhecido pelo prêmio conquistado pelo Auto da Compadecida, em 1956”, ressalta Anderson.
Um Ariano Suassuna das letras, do teatro, da política, das inspirações no cordel e na xilogravura
“Ariano Suassuna no teatro da vida” se volta para a vida e a obra do grande nome do teatro popular brasileiro, Ariano Suassuna, através de 13 artigos que se debruçam sobre os mais diversos temas, incluindo o seu maior sucesso, a peça Auto da Compadecida. A obra mergulha nos primórdios do dramaturgo, ressaltando eventos que foram primordiais para a formação do futuro escritor. De um lado, a família aristocrática e a convivência com as camadas mais populares na pequena cidade de Taperoá, na Paraíba, que inspira grande parte das peças de Suassuna, e o assassinato de seu pai, João Suassuna, ao se envolver em questões políticas locais ao enfrentar o grupo político do antigo aliado, João Pessoa, cujo assassinato marcou a política nacional.
Organizado ao longo dos últimos três anos, o livro opta por trabalhar com autores que já tinham alguma ligação com o personagem Ariano Suassuna, seja com pesquisas maduras, seja com alguma experiência não ocasional. Alguns dos temas que você vai encontrar no livro são: conflitos políticos nos anos 1930; teatro brasileiro dos anos 1940-1950; a atuação de Ariano durante a ditadura; conflitos com a Tropicália e o Manguebeat; sua obra literária e sua dramaturgia (Movimento Armorial; Auto da Compadecida, Cordel, Xilogravura).
Anderson da Silva Almeida / Foto Oficial do Prêmio Jabuti |
O livro está dividido em duas partes. Na primeira, o leitor encontrará um perfil mais biográfico e de atuação política, em diálogo com a chamada história social (o contexto) e questões que envolviam o universo da cultura e sua relação com o Estado. Na segunda parte, os textos dialogam mais com análises sobre influências na obra de Ariano e a construção de sua dramaturgia. “Nesse sentido, há um caráter híbrido que tenta dialogar com leitores e leitoras para além do público universitário. Esse é o nosso grande desejo: sair da bolha acadêmica”, frisa o organizador.
Além de incluir dois capítulos do próprio Anderson da Silva Almeida, o livro reúne textos de pesquisadores/as de todo o Brasil, do Norte ao Sul, destacando inclusive movimentos controversos de Suassuna, como sua participação no Conselho Federal de Cultura, após o Golpe de 1964. Sem buscar sacralizar a figura do escritor, a coletânea mostra as contradições e ambivalências que formam Ariano: uma mistura entre o popular e o erudito, o sagrado e o profano, o clássico e o moderno, a poesia e o romance, incluindo sua inicial visão monarquista e sua conversão para uma visão de esquerda do mundo. Quanto a isso, a título de exemplo, o pesquisador Dimas Brasileiro Veras tensiona a trajetória política de Suassuna a partir da provocação se Ariano seria melhor identificado como “um extremista de centro” ou “um monarquista de esquerda”.
Sem ignorar os mais diversos lados do escritor paraibano, a obra inclui também episódios pouco conhecidos do autor, tais como a “briga” de Ariano com os tropicalistas pernambucanos em um episódio no qual houve até socos desferidos; a sua relação complexa com as culturas de massa e sua implicância com símbolos incorporados da cultura norte-americana. Em geral, a proposta apresentada pelo organizador indica que mesmo sendo visto por alguns críticos como conservador e teimoso, Ariano Suassuna reviu posições políticas ao longo de sua vida e não se furtou a mudar, reorientando seu destino, reconhecendo erros, equívocos e fracassos, com a beleza dos contrastes de sua trajetória, “numa narração na qual caibam as coisas mais diferentes e opostas - o brilhante e o monstruoso, o grotesco e o terrível, o trágico e o ridículo, a emoção e a bufonaria”, como sugeriu o mais famoso escritor de Taperoá, cidade paraibana onde Ariano cresceu e influenciou sua literatura.
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