José Lins do Rego, autor do
romance Pureza, nasceu no dia 03 de junho de 1901 na Paraíba. Foi romancista,
jornalista e cronista.
Quando tinha dezessete anos teve contato as obras de Raul Pompéia, mais especificamente com o livro O Ateneu, que o marcaria profundamente e teve contato também com a obra Dom Casmurro, de Machado de Assis, escritor por quem devotou grande admiração. Se formou em Direito no ano de 1924 e, nesse período de estudos na faculdade, ampliou os seus contatos com pessoas do universo literário.
Seu primeiro livro publicado foi Menino de Engenho, lançado em 1932 e que tem resenha aqui no site (https://www.tomoliterario.com/2024/05/resenha-menino-de-engenho-jose-lins-do.html).
A obra também teve publicação pela Global Editora – a casa da Literatura
Brasileira.
Depois de concluir as publicações de livros que ficaram conhecidos como o Ciclo da Cana-de-Açucar, encerrando a jornada com o livro que é considerado a sua obra-prima, Fogo Morto, José Lins ou Zélins como era chamado, tinha um mundo de possibilidades que poderiam ser tratadas em suas próximas obras.
Foi assim que se afastou da vida dos personagens que viviam em engenhos para uma ambientação que se revela mais bucólica, melancólica e que tem ligação profunda com o personagem Lourenço de Melo, o protagonista do livro Pureza (217 páginas), objeto dessa resenha. O livro foi publicado em 2023 pela Global Editora e conta com apresentação de José Vilian Mangueira.
A narrativa começa em Recife e é contada pelo personagem-narrador chamado Lourenço de Melo, um jovem bacharel de Direito, que tem uma preocupação obsessiva com sua saúde. Ele começa a nos contar a sua história depois que sai de um consultório médico.
Pureza se refere ao nome do vilarejo em que Lourenço (conhecido como Lola) vai morar, depois de seguir as recomendações de seu médico para que vá para um lugar mais afastado.
Ele perdeu a mãe muito cedo, que morreu de tuberculose e, logo depois, perdeu também a irmã. Com isso foi muito cuidado pelo pai, protegido demais e mantido longe da vida real e dos percalços que surgem com ela. No entanto, mais um trágico episódio acontece na vida do menino, que perde o pai, esse protetor.
Para ele não resta opção a não ser esperar pela morte, já que todos ao seu redor partiram, e com isso ele se isola numa cidade do interior para esperar pelo seu destino sem incômodos, vivendo um dia após o outro e se mantendo longe dos perigos que a vida poderia trazer. Ali ele tenta se afastar das memórias de seus mortos e da tísica, como aconteceu com sua mãe e sua irmã.
“Nos meus dias de menino eu me lembrava de Deus. Aos 24 anos sentia Deus muito distante, uma sombra, um conto esquecido. Só a morte permanecia, era uma certeza, uma preocupação que sempre me chegava nos momentos de isolamento.”
Todavia, o personagem central não viaja sozinho, leva consigo a sua fiel escudeira, uma senhora chamada Felismina. Na obra, ela ocupa a representação dos resquícios de escravidão que existe no Brasil. Apesar de ser uma mulher livre e com mais de sessenta anos de idade, ela ainda demonstra que está intimamente ligada com a servidão e a submissão.
Como Felismina sempre trabalhou para a família de Lola, ela se sente fortemente ligada a esse personagem, que é o último representante da família. Em certo momento da passagem, o próprio Lola reconhece o papel de Felismina na sua vida: “[...] Felismina não era mais que uma escrava.”
Apesar de ser uma personagem coadjuvante, Felismina cumpre papel importante na trama de José Lins do Rego, pois ela é responsável pela criação das ligações que os outros personagens tem com Lourenço – o protagonista. É ela que possibilita com que ele, taciturno como é, faça alguma sociabilização com os demais moradores de Pureza.
Uma vez que Lola está estabelecido na cidade de Pureza, em que revela que “a vida era bem outra”, ele tem contato com a família de Seu Antônio, que é um chefe da ferrovia que está sendo construída na região. Numa ânsia de desejo de amor e contatos físicos ele se relaciona com as filhas desse homem, as jovens Margarida e Maria Paula. Primeiro se relaciona com Margarida, que acorda o seu desejo sexual; depois com Maria Paula, que o faz acreditar que é possível amar.
A história contada por José Lins do Rego nos leva a explorar a vivência desse personagem com o sexo, com as dificuldades que ele tem para se abrir nos relacionamentos, tanto no que tange ao aspecto físico como emocional. Veja-se que ele carrega “traumas” em relação às mortes que aconteceram com seus entes mais próximos.
Lola é um personagem constituído de timidez e introspecção. O homem não consegue se livrar da doença que dizimou sua mãe e sua irmã, tanto que é para fugir dessas lembranças que vai para Pureza. O seu relacionamento romântico com as irmãs, filhas do ferroviário, acaba sendo um impulsionador para que esse homem faça uma jornada de redescoberta, ou melhor dizendo, de autodescoberta.
Pureza é um livro que traz uma visão intimista e sentimental da existência humana. Lola é um personagem que se pauta pela melancolia que permeia a sua vida e pelo complexo de inferioridade que o domina. Sua estadia em Pureza é uma possibilidade de uma nova perspectiva de vida.
Interessante observar a complexidade desse personagem escrito por José Lins do Rego. Mas, ao mesmo tempo que ele carrega as complexidades humanas que não fazem dele um personagem raso, ele se apresenta de forma clara ao leitor. Ou seja, quero dizer que é possível compreender o que com ele acontece e de onde surgem os seus entraves na vida. A narração em primeira pessoa possibilita ainda mais esse mergulho no personagem.
A temática da decadência é fortemente presente na obra de José Lins do Rego e aqui, em Pureza, também aparece. Primeiro quando notamos o que acontece com a família do chefe da estação de trens, posto que quatro membros dessa família passam por um processo de esfacelamento.
De outro modo, também verificamos a decadência no próprio protagonista, que não tem impulso de força de vontade, se mostra incapaz de tomar decisões por si e tem a vida repleta de perdas.
“_ O senhor é um espectador. É o seu mal. Intervenha, seja alguma coisa, mesmo um comparsa. Entre na vida.” Eis aqui a fala de um médico revelada pelo protagonista em determinada passagem da obra, o que corrobora a inércia dele diante das possibilidades. Lola acaba por representar o fracasso de uma família, já que ele é o último integrante da sua.
Acerca da ambientação, podemos notar que os cenários presentes no livro são os mesmos de outras obras de Zélins, que figuram nas publicações que são do “ciclo da cança-de-açúcar”. A narrativa fica ambientada em Pureza, região situada entre os estados da Paraíba e Pernambuco. Ainda que possa haver alguma similaridade com ambientações de outros livros, José Lins consegue nos surpreender.
Pureza é um livro que nos mostra, mais uma vez, a grandeza do escritor José Lins do Rego.
Sobre o autor:
José Lins do Rego Cavalcanti, Zélins, como era chamado, nasceu em 1901 no estado da Paraíba. Do seu crescimento no mundo rural nordestino, retira muitas experiências que servirão para suas histórias nos seus 13 romances publicados. Em 1926 muda-se para Maceió, onde publica seu primeiro romance, Menino do Engenho. O romancista recebe elogios da crítica e daí em diante suas publicações tornam-se constantes. Em 1935, muda-se para o Rio de Janeiro e em 1955 é eleito para a Academia Brasileira de Letras. Falece em 1957.
Ficha Técnica:
Título: Pureza
Escritor: José Lins do Rego
Editora: Global
Ano: 2023
Páginas: 217
Assunto: Literatura brasileira
ISBN: 978-65-561-2423-0
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