Entre mais de mil obras
inscritas, “Se essa morte fosse minha” foi um dos selecionados em uma Chamada
de Originais da Editora Urutau. O livro é o primeiro trabalho de ficção
publicado por Júlia Palhardi, que além de jornalista e professora de
redação, pesquisa sobre escritas de si em diários de mulheres, no programa de
Mestrado em Divulgação Científica e Cultural da Unicamp.
Júlia Palhardi Ataide
nasceu em 1997, em Salto, no interior de São Paulo. É jornalista formada pela
Universidade do Estado de Minas Gerais (UEMG) e mestranda em Divulgação
Científica e Cultural, pelo Laboratório de Estudos Avançados em Jornalismo da
Universidade Estadual de Campinas (Labjor/Unicamp). Como pesquisadora, trabalha
com escritas de si em diários de mulheres.
Seu primeiro livro tem uma
narrativa metafórica e embebida de sensibilidade, “Se essa morte fosse minha”
flagra um retrato tão poético quanto carnal sobre amizade, abandono, solidão e
resgate da criança interior: a mulher segura a mão da menina, a menina segura a
mão da mulher. Este livro é um romance e ao mesmo tempo uma canção de ninar,
mas, sobretudo, é um intenso exercício de ficção de uma escritora que se revela
na ânsia de canalizar a dor do luto em palavra escrita.
Júlia concedeu uma entrevista ao Tomo Literário. Confira:
Como foi o seu primeiro contato com a literatura, ainda como leitora?
Teve alguém que a incentivou?
Júlia Palhardi: Não fui
daquelas crianças ou adolescentes que devoram muitos livros, me relacionava
mais com outras artes, como o balé e o teatro. A paixão pela literatura me
arrebatou mesmo foi na época do vestibular, quando passava horas na biblioteca
municipal da minha cidade, em Salto, obstinada a realizar o sonho da aprovação.
Era um enorme desafio me manter focada em aprender as fórmulas de física ou as
cadeias carbônicas de química orgânica quando estava rodeada de livros:
biografias, dramas, tragédias, romances… Não podia me deixar distrair, me
deixar seduzir. Foi nesse período que, nas brechas, li muito Clarice Lispector
e descobri o As meninas, da Lygia
Fagundes Telles, que se tornou um dos meus livros preferidos. Sobre o
incentivo, acho que tenho a sorte de poder contar com uma rede coletiva. Apesar
de a escrita ser uma atividade na maior parte do tempo solitária, quando leio
meus textos ouço não só a minha voz, mas um coro. Eles têm as minhas digitais,
as de todos os meus professores que um dia me lapidaram, têm as das mulheres da
minha família que me ensinaram a escrever diários, as dos meus amigos que já me
chamavam de escritora antes mesmo de eu pensar em ser…
Quando e como você começou a escrever e a pensar na carreira de
escritora?
Júlia Palhardi: Ganhei o
meu primeiro diário com 10 anos, em 2007. A partir de então comecei a aprender
o que significa estar sozinha, em meu quarto, confabulando o dia em um caderno
com um cadeado na capa. Foi durante a graduação em Jornalismo, no entanto, que
comecei a escrever profissionalmente. Trabalhei em jornais, revistas,
assessorias de imprensa, agências de publicidade… Brinco que já escrevi de
(quase) tudo: desde artigos científicos até slogans de outdoors, horóscopos e
obituários. No início, sempre na área da não-ficção. Comecei a flertar com uma
carreira literária, como escritora de ficção, quando na pandemia participei de
uma oficina de escrita criativa atrás da outra. Fiquei obcecada com a
possibilidade de inventar histórias, já que no jornalismo aprendemos que é
preciso ter muita cautela. Se antes eu era uma menina que escrevia como quem
brinca, hoje sou uma mulher que escreve como quem se deleita. A carreira e as
conquistas são consequências desse prazer.
Você está lançando seu primeiro livro "Se essa morte fosse
minha", pela Urutau. Como surgiu a ideia desse livro?
Júlia Palhardi: Eu sabia
que se um dia eu escrevesse um livro de ficção, o grande tema do primeiro seria
a infância. Esse imaginário de fantasia, ludicidade, imaginação me interessa
muito e acredito que possua um imenso valor poético. Mas eu não queria escrever
algo que fosse tão inocente ou cor-de-rosa em demasia. Então tentei trabalhar
temas — como a solidão, a rejeição, a loucura — que mostram o obscuro da
infância e o trágico que mora no crescer, no adultecer. Ser criança não é
fácil, nem sempre é colorido. As menininhas também estão nas narrativas de
horror. Os melhores filmes de terror são com elas, concorda? Se essa morte fosse minha surgiu da
minha vontade de escrever sobre as sombras que pairam sobre nossa infância e
que nos acompanham pelo resto da vida.
Desde o começo da escrita até a finalização do livro, qual foi a etapa
mais complexa? Por que?
Júlia Palhardi: O fim, sem
dúvidas. O livro começou a ser escrito em 2021 e foi publicado em 2024. Nesses
em média três anos de trabalho, vamos amadurecendo e por vezes discordando de
nós mesmos. O mais difícil para mim é abdicar de um perfeccionismo que é
inalcançável e criar coragem para entregá-lo ao mundo assim… imperfeito. Uma
hora o livro precisa ser abandonado e a ideia de ter um projeto na gaveta não
me deixa confortável. Não quero ser uma escritora que escreve e não publica.
Então aceitar que o livro precisa chegar ao fim para ganhar leitores foi o mais
complexo do processo.
O que te motiva a escrever?
Júlia Palhardi: Estar
acordada é estar motivada a escrever. Sinto que eu não sei experienciar a vida
sem colocá-la em palavras ao final do dia: nas páginas do meu diário ou na tela
do word. Mas se você me perguntasse o que me motiva a escrever ficção, eu
responderia que na escrita eu encontro lugar para corporificar as múltiplas
mulheres que habitam em mim. E, talvez, para realizar tudo aquilo que em meu
cotidiano eu não encontro margem — e lei — para ser.
Você tem alguma rotina para escrever? Como é o seu processo de escrita?
Júlia Palhardi: Tenho, sou
bem metódica com meu texto. Gosto de acordar cedo para escrever. Se possível,
perto das 5h. Acho que de manhã ainda estou com um pé no sonho: consigo pescar
fragmentos do meu inconsciente com maior facilidade. Depois disso, sinto que
minha mente vai se povoando e as letras parecem se embaralhar… No melhor dos
cenários, o ritual é este: escrever pela manhã e no decorrer do dia, quando há
tempo, trabalhar nos reparos, na revisão, na lucidez da edição daquilo que,
mais cedo, escrevi meio letárgica.
Como pesquisadora, você trabalha com escritas de si em diários de
mulheres. Na sua visão qual a importância do diário ou do exercício da escrita
no cotidiano tão cheio de desafios?
Júlia Palhardi: Nossa!
Imensurável! Eu recomendo a escrita diária até para quem não escreve. O diário
é um poderoso exercício de elaboração de si, cujo principal destinatário é o
seu eu do futuro. Não consigo dimensionar o quão maravilhoso é poder ler seus
escritos do passado com tamanha riqueza de detalhes. É um espelho, um exercício
terapêutico, uma garrafa lançada ao mar, é objeto de emancipação das mulheres,
é um sussurro, um segredo ou um grito sobre suas verdades… Coleciono metáforas
para tentar definir sua importância mas nenhuma delas alcança tudo o que
aprendi sobre a escrita de si durante meu percurso no mestrado.
Quais são os escritores ou as escritoras que, de alguma forma,
influenciaram o seu trabalho como escritora?
Júlia Palhardi: As já
citadas Clarice Lispector e Lygia Fagundes Telles estão no meu pedestal. Além
delas, gosto muito dos trabalhos da Ana Miranda, Eliane Brum, Conceição Evaristo,
Fernanda Young, Mia Couto… Preciso destacar também a geração de escritoras
contemporâneas, com as quais tenho o privilégio de dividir o mesmo tempo e
poder estabelecer trocas, aprendizados, como Sheyla Smanioto, Aline Bei,
Mariana Salomão Carrara, Liliane Prata, Nina Rizzi e Bethânia Pires Amaro.
Tem projetos novos sendo preparados? Pode nos contar?
Júlia Palhardi: Pretendo,
neste momento, concentrar minhas energias na divulgação do Se essa morte fosse minha e, em breve, planejar a publicação da
minha dissertação.
Você quer comentar sobre algo que não tenhamos falado ou deixar algum
recado para os leitores?
Júlia Palhardi: Não, está
perfeito.
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