Entrevista: Carolina Panta - Tomo Literário

Entrevista: Carolina Panta

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A escritora gaúcha Carolina Panta, autora de “Falso Lago” (Zouk, 2023), mergulha em uma Porto Alegre marcada pelas enchentes e pela desigualdade social. O romance acompanha a vida de duas mulheres, uma assistente social e uma mulher em situação de rua, que têm suas histórias entrelaçadas no bairro Arquipélago, uma região onde a força das águas do Guaíba expõe as tensões sociais da cidade. A obra toca em questões profundas sobre crise climática, marginalização e o papel da natureza em um cenário urbano.

Nascida em Porto Alegre, Carolina Panta é professora de Língua Portuguesa e Literatura, formada em Letras pela UFRGS, além de editora da revista literária “La Loba”. Desde cedo, ela demonstra uma ligação íntima com a cidade e sua geografia. Com influências de autores como Ruth Guimarães, Lygia Fagundes Telles e Gabriel García Márquez, sua escrita mistura a análise social com uma visão poética e crítica da vida urbana. Panta já publicou os romances “Dois Nós” (2019) e “Olivetti Lettera 32” (2021), sempre abordando temas ligados à condição humana, memória e identidade.

Em “Falso Lago”, a escritora explora as relações entre as classes sociais e a vulnerabilidade diante da natureza. Leia a entrevista completa com Carolina Panta, onde a autora aprofunda as reflexões sobre sua obra, sua trajetória e suas inspirações literárias.


Se você pudesse resumir os temas centrais do livro, quais seriam?

Carolina Panta: Identidade e Memória: O livro explora como a memória e as experiências passadas moldam a identidade dos personagens. A busca por entender quem somos em meio a memórias fragmentadas é um tema central.

Relações Familiares: As dinâmicas familiares, incluindo os conflitos, segredos e laços afetivos, são elementos fundamentais na narrativa. O impacto das ações e decisões dos membros da família sobre o coletivo é frequentemente explorado.

Pertencimento e Deslocamento: A sensação de não pertencer a um lugar específico e a busca por um senso de pertencimento são temas recorrentes. Os personagens muitas vezes se sentem deslocados, tanto física quanto emocionalmente.

Amor e Perda: O amor em suas várias formas - romântico, familiar, fraternal - e a dor da perda permeiam a história. Como os personagens lidam com o luto e a ausência de entes queridos é um ponto focal da narrativa.

Resiliência e Transformação: A capacidade de superar adversidades e se transformar ao longo do tempo é um tema importante. Os personagens frequentemente enfrentam desafios que exigem força e adaptabilidade.

Natureza e Ambiente: O cenário do Falso Lago e a interação dos personagens com o ambiente, das margens do Guaíba ao asfalto da cidade, refletem estados emocionais e temas de renovação e destruição.


Por que escolher esses temas?

Carolina Panta: Em suma, esses temas são importantes porque refletem aspectos fundamentais da experiência humana, promovendo a introspecção, a empatia, a compreensão cultural e a consciência social e ambiental. Ao explorar esses tópicos, a literatura pode proporcionar insights valiosos e fomentar discussões significativas. Falso Lago é a narrativa de uma geografia feminina feita a partir do que não tem nome ou dos nomes que necessitam ser desfeitos. Quem precisa saber se rio, lago ou estuário na inundação das ruas? Depressão e loucura se dissolvem nas águas, ilhas, tripas, sulcos da cidade. E o que resta é profundamente humano.

Carolina Panta / Foto: Marília Dias


O que motivou a escrita do livro e como foi o processo ?

Carolina Panta: A minha relação com o Guaíba vem da infância. Moradora da Zona Sul de Porto Alegre, o rio-lago-lagoa é mais que paisagem. É presença. Não há dia sem que apareça pela janela de casa ou no caminho ida e volta de carro do trabalho costeando suas margens. Se aproveitam tardes ensolaradas em finais de semana em sua orla. Se registram bonitos retratos em suas águas lambidas pelo pôr-do-sol. Mas o Guaíba é natureza, não é pintura. É massa de água corpulenta a mobiliar memórias e, quando bate alto a cota de inundação, a destruir tudo de quem pouco tem. 

E se para alguns o falso lago é paisagem, a outros é casa e sustento. É o caso das ilhas de Porto Alegre, o bairro conhecido como Arquipélago. Essas são pessoas esquecidas pelo poder público e marginalizadas pela cidade que esquece que “lá” também é Porto Alegre. 
A ideia do livro nasce do encantamento pelo corpo de água e, também, pela necessidade de dar visibilidade ao povo das ilhas, descolado de seus direitos vindos do continente. 

O livro começa a nascer junto à construção da nova ponte sobre o Guaíba que acabou por realocar milhares de famílias. Uma ponte desenhada sobre as pessoas sem que nenhuma engenharia se importasse para onde essas pessoas seriam deslocadas.


Em sua análise, quais as principais mensagens que podem ser transmitidas pelo livro?

Carolina Panta: A ideia de que nos movimentamos pela vida independentemente das adversidades a nós impostas. A necessidade de se enxergar aqueles que são marginalizados em grandes centros urbanos, os personagens invisíveis. A percepção de que o Guaíba não é somente moldura para o pôr-do-sol da cidade, mas sim lugar de preservação importante e de grande relevância histórica e social para o desenvolvimento de Porto Alegre. A importância do funcionalismo público, que é ponte para muitas pessoas até seus direitos. O valor da família para a redescoberta constante de nossos papéis no mundo.


O que esse livro representa para você? Você acredita que a escrita do livro te transformou de alguma forma? Por quê?

Carolina Panta: Eu acredito que é impossível sair ilesa da escrita de um romance. Principalmente após muito do que foi dito neste livro sobre tragédias climáticas e enchentes se realizar desde o lançamento. Para mim, é quase como se eu fosse personagem da história que acontece a cada dia nessa cidade. Nesse exato momento, o Guaíba está avançando sobre as ilhas mais uma vez sem que o poder público tome medidas estruturais que mudem a vida dessas pessoas.



Como a bagagem dos livros anteriores que você escreveu (caso tenha) ajudou na construção da obra?

Carolina Panta: A escrita de "Dois Nós" e "Olivetti Lettera 32" influencia profundamente a escrita de "Falso Lago". A profundidade emocional e a complexidade das personagens desenvolvidas nas obras anteriores permitem criar figuras ainda mais multifacetadas e realistas em "Falso Lago". A habilidade de explorar relações intrincadas e emoções complexas, refinada nas narrativas anteriores, se reflete na dinâmica rica e nos conflitos internos dos personagens da nova obra. Além disso, a fluidez característica da água, tema recorrente em minhas narrativas, encontra uma expressão madura e polida em "Falso Lago", resultando em uma narrativa que é ao mesmo tempo lírica e suja, como uma São Petersburgo de Dostoiévski.. Essa experiência prévia também aprimora a minha capacidade de construir atmosferas e cenários vívidos, enriquecendo o ambiente do Guaíba e suas ilhas com detalhes sensoriais e simbólicos que dialogam com os temas centrais da obra.


Por que escolher o gênero adotado? Desde quando escreve dentro do gênero?

Carolina Panta: São três romances escritos e alguns contos. A narrativa longa faz parte de mim e é a minha preferência literária desde sempre, ainda que, hoje, eu esteja me aventurando na escrita de contos.


Quais são as suas principais influências artísticas e literárias? Quais influenciaram diretamente a obra?

Carolina Panta: Minha escrita é profundamente influenciada por Ruth Guimarães, Lygia Fagundes Telles e Gabriel García Márquez, refletindo um rico entrelaçamento de estilos e temas. De Ruth Guimarães, herdo a sensibilidade para retratar a cultura e as tradições brasileiras, imbuindo minhas histórias com um profundo sentido de identidade e pertencimento. A influência de Lygia Fagundes Telles se manifesta na exploração da psicologia dos personagens e os conflitos internos, criando narrativas densas e emocionalmente complexas. De Gabriel García Márquez, vem o realismo mágico, a mescla entre o cotidiano e o fantástico, trazendo uma dimensão mágica e onírica para as histórias. 

Foto: Marília Dias


Como você definiria seu estilo de escrita? Que tipo de estrutura você adotou ao escrever a obra?

Carolina Panta: Eu gosto de frases bonitas, de mesclar história, lugar, e boas doses de emoção. Narro com vigor e quero embelezar o que é feio, tornar líricas as ruas sujas de uma cidade. Minha matéria é o presente, a atualidade, embora ecos do passado se tornem evidentes na trajetória das personagens.


Você escreve desde quando? Como começou a escrever?

Carolina Panta: Escrevo desde 2017. Escrevo porque essa foi a forma que tive de, inicialmente, lidar com a morte do meu pai.


Você tem algum ritual de preparação para a escrita? Tem alguma meta diária de escrita?

Carolina Panta: Como professora e mãe de uma criança de cinco anos, seria um privilégio ter uma meta diária. Contudo, meu ritual envolve um caderno de capa preta com folhas sem pauta e de boa gramatura. É na página em branco que primeiro nascem meus personagens e lugares. E no papel que brotam as frases iniciais. 


Quais são os seus projetos atuais de escrita? O que vem por aí?

Carolina Panta: Nas próximas semanas, concluirei um livro com 20 contos. Chama-se Terra-Chã. Os contos são entrecortados por personagens, crianças sobrevivendo em um mundo selvagem e hostil a eles. Terra-chã é a infância, sem morros ou grandes depressões. E a infância é uma terra que se carrega debaixo das unhas uma vida inteira.


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