Escrever é disparar flechas com
as palavras. Essa parece ser a premissa do jornalista, escritor e crítico
literário Bruno Inácio (@bruno.s.inacio) na obra
recém-lançada “De repente nenhum som” (Sabiá Livros,
112 págs.), seu terceiro livro, em que comprova sua potência como
narrador. Composto de 12 contos breves, nos quais as palavras parecem jorrar da
ponta de sua caneta com brutal delicadeza, Bruno vai tecendo uma teia que, aos
poucos, se une por um fio invisível, que atinge o leitor como um tiro ao alvo.
Em “De repente nenhum
som”, o autor passa por narrativas que abordam relações familiares e
discutem temas como o luto, a velhice, a solidão, o desconforto e,
principalmente, o silêncio. O livro conta com texto de orelha assinado
pela escritora Marcela Dantés, prefácio de Monique Malcher e posfácio de Lilia
Guerra. Os blurbs da quarta capa são de Carlos Eduardo Pereira
e Jacques Fux. Já as ilustrações, do quadrinista Orlandeli.
Nascido em Ituverava, interior de
São Paulo, mas radicado em Uberlândia, Minas Gerais, Bruno Inácio é jornalista,
crítico literário e também autor de “Desprazeres existenciais em colapso”
(Editora Patuá) e “Desemprego e outras heresias” (Sabiá Livros). É colaborador
do Jornal Rascunho e da São Paulo Review e tem textos publicados em veículos
como Le Monde Diplomatique, Rolling Stone Brasil e Estado de Minas. Entrevistou
grandes nomes da literatura brasileira contemporânea, entre eles: João
Anzanello Carrascoza, Eliana Alves Cruz, João Silvério Trevisan, Raimundo
Carrero e Cidinha da Silva.
Confira abaixo uma
entrevista completa com o autor:
O que motivou a escrita do “De repente nenhum som” e como foi o processo? Quanto tempo você levou para escrever o livro?
Bruno Inácio: O silêncio é abrangente e cheio de nuances. No ambiente familiar, ele aparece de muitas formas, desde as mais confortáveis às mais violentas. Além disso, o tema me pareceu ainda pouco explorado na literatura brasileira contemporânea, o que tornou o processo de escrita ainda mais interessante.
Além de buscar trabalhar esses
assuntos com sensibilidade e originalidade, procurei me dedicar bastante à
linguagem, para entender como cada personagem fala e pensa. Esse,
provavelmente, foi o aspecto em que mais investi meu tempo, pois acredito que a
linguagem é tão importante quanto a história em si. Por conta disso, embora
seja um livro bastante curto, levei cerca de três anos para escrevê-lo.
Por que escolheu trabalhar temas como relações familiares, luto, velhice, solidão, desconforto e, principalmente, o silêncio e as relações familiares?
Bruno Inácio: A escolha
aconteceu de forma inusitada. Em 2018, a minha avó materna caiu sozinha em seu
quintal e não teve forças para se levantar. Esse acontecimento me impactou
muito. Fiquei pensando sobre essa fragilidade, esse corpo que já não consegue
se reerguer. Minha avó faleceu naquele mesmo ano e deixou um grande vazio em
toda a família. Algum tempo depois, em 2019, senti a necessidade de revisitar
essa história e escrever um conto em que a protagonista passa pela mesma
situação (“Céu de ninguém”). Dois anos depois, fiz uma oficina com o escritor
Carlos Eduardo Pereira e escrevi mais dois contos: um autobiográfico, que fala
sobre um adolescente tímido que passa a vender pamonha junto com seu pai (“Alô,
alô, freguesia”), e outro em que um homem adulto fala sobre o luto durante uma
sessão de análise (“Seis minutos de análise no novo divã”). Ao fim dessa
oficina, percebi que esses dois contos dialogavam com o que escrevi
anteriormente, a partir da queda da minha avó. Notei que os três abordavam as
relações familiares e o silêncio, então decidi escrever um livro em que os
contos falassem sobre essas temáticas, cada um à sua maneira.
O que esse livro representa para você? Você acredita que a escrita do livro te transformou de alguma forma? Por quê?
Bruno Inácio: Ainda que
não seja uma autoficção, esse é meu trabalho mais pessoal até o momento, uma
vez que me possibilitou um mergulho em traumas e em questões da minha própria
vida. A partir disso, passei a entender que não há problema algum em
transformar acontecimentos pessoais em literatura, o que me deixou mais
confortável para escrever e para lidar com questões como o luto, o afeto e o
distanciamento.
Como a bagagem dos livros anteriores que você escreveu (caso tenha) ajudou na construção da obra?
Bruno Inácio: Com esse
terceiro livro, percebo uma linguagem mais madura, mais bem definida. Ainda
assim, temas presentes nos trabalhos anteriores aparecem novamente aqui, dessa
vez com uma nova abordagem e, diria até, com mais profundidade. Ter tido outras
experiências anteriores, não só com a publicação de dois livros, mas também por
meio de participações em antologias, me ajudou bastante a aprimorar a minha
técnica e a compreender melhor os temas que me interessam.
Como você escolheu a editora para a obra?
Bruno Inácio: A Sabiá
Livros existe há pouco tempo, mas tem feito um importante trabalho pela
literatura brasileira contemporânea, ao publicar desde autores iniciantes até
escritores já consagrados, como o poeta Paulo Nunes, autor de “O corpo no
escuro” (Companhia das Letras). A editora uberlandense tem muito cuidado e respeito
com o texto do autor, além de grande preocupação com os aspectos estéticos do
livro, como capa e diagramação. Para além de todos esses motivos, acredito que
as editoras independentes devem ser mais valorizadas por escritores, leitores,
críticos e imprensa.
Quais são as suas principais influências artísticas e literárias? Quais influenciaram diretamente a obra?
Bruno Inácio: Gosto muito
de literatura brasileira contemporânea, mas minhas influências também
contemplam clássicos e até mesmo outras artes, como o cinema e a música. Nesse
livro especificamente, fui bastante influenciado por Cazuza, João Anzanello
Carrascoza, Valeria Luiselli, Jarid Arraes e Livia Garcia-Roza.
Como você definiria seu estilo de escrita? Que tipo de estrutura você adotou ao escrever a obra?
Bruno Inácio: Diria que é
um trabalho muito preocupado com a linguagem. Prefiro utilizar frases curtas e
uma pontuação que deixe espaço para o silêncio, tema tão importante para a
obra, sem deixar de lado o subtexto e o aspecto poético e delicado que esses
contos exigiram de mim.
Você escreve desde quando? Como começou a escrever?
Bruno Inácio: Comecei a
escrever ainda na infância. Lembro que criava minhas próprias revistas com
folhas de caderno e dividia os textos em editorias. Havia espaço para cinema,
música e contos. Na época, eu me interessava muito pelo humor. Mais tarde, na
adolescência, escrevia poesia. Já adulto, passei a escrever contos e a buscar
minha própria voz na escrita, um exercício constante e bastante
desafiador.
Você tem algum ritual de preparação para a escrita? Tem alguma meta diária de escrita?
Bruno Inácio: Para além de
preferir escrever à noite, não tenho nenhum ritual. No dia a dia, me divido
entre os ensaios, resenhas e críticas que escrevo para diversos veículos e a
minha própria literatura, então nem sempre é possível conciliar. Por outro
lado, acredito que escrever sobre literatura também me ajuda muito a escrever
melhor a minha própria ficção.
Quais são os seus projetos atuais de escrita? O que vem por aí?
Bruno Inácio: Prefiro não falar muito sobre isso por enquanto, mas estou trabalhando em um romance já faz algum tempo. É a história de duas irmãs que não se falam há anos e se reencontram quando uma delas está à beira da morte. Esse reencontro ganha novos significados a partir de um acontecimento improvável que beira o surrealismo.
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