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09 agosto 2024

[Resenha] Vidas secas - Graciliano Ramos

 


Vidas secas, do escritor alagoano Graciliano Ramos, foi publicado originalmente em 1938. A edição objeto da presente resenha foi publicada pela Global Editora em 2024.


O livro faz parte da segunda fase do modernismo brasileiro e se caracteriza pelo caráter regionalista e realista. Esses são dois traços bem marcantes no livro, pois estamos falando de uma história que se passa no nordeste brasileiro e que apresenta características próprias daquela região e é bastante realista, pois trata de situação similar a vivida por muitos habitantes do sertão nordestino.


A obra conta a história de uma família de retirantes no sertão. A família é composta por Fabiano, Sinha Vitória, o menino mais novo, o menino mais velho e a emblemática cachorra Baleia.


O Nordeste é atingido pela seca e a família está em deslocamento procurando um lugar com sombra para se protegerem da seca e onde possam obter alimentação e água, elementos necessários para a sobrevivência.


Eles chegam a uma fazenda abonada. Sem condições de continuar a caminhada o grupo se instala no local. Eis que a chuva chega ao nordeste. Depois da chuva, a fazenda renasce, o dono das terras reaparece e contrata Fabiano, o pai da família, como vaqueiro. A família passa a viver naquele local, com um tom de esperança que se renova.


Fabiano é um homem que não se vê como um homem, mas como um bicho.  Graciliano demonstra por meio desse personagem que ante a miséria retratada na obra, a situação de precariedade faz com que o homem não se sinta humano.


Essa condição para a qual o personagem é levado o torna também alvo de maior exploração. Mesmo que a miséria venha pelas condições impostas pela natureza, como é o caso da seca que provoca a escassez de produção de alimentos e mantém a água ausente, ainda há quem se aproveite dessa situação calamitosa e tire proveito de quem mais sofre.


Fabiano, por exemplo, quer se insurgir contra as injustiças que sofre por parte do patrão e de um tal soldado amarelo, mas como um animal, aceita os maus-tratos, subjugado por sua condição de homem fragilizado (que não se vê como humano).


Percebe que seus filhos são perguntadores, crianças curiosas, como é de se esperar de qualquer criança que, aos poucos, vai descobrindo o mundo. No entanto, o pai não vê isso como algo positivo: “Se aprendesse qualquer coisa, necessitaria aprender mais, e nunca ficaria satisfeito”. Fabiano ainda lembra de Tomás da bolandeira, um homem que muito lia, e por isso não conseguiu suportar a realidade.


O casal divide as tarefas. Enquanto Fabiano cuida da terra e dos bichos que a família tem, a mulher cuida da casa e dos meninos. O filho mais novo quer ser como o pai. O menino mais velho, com sua curiosidade, quer saber da mãe o que é o inferno.


Sinhá Vitória é uma mulher que nutre o sonho de ter uma cama de couro, pois dorme numa casa feita de varas. Esse sonho singelo da mulher nos leva a pensar que não há sonho pequeno ou grande ou imenso, mas que há sonho. O sonho é o desejo de se libertar de algo que não faz bem, ou almejar algo que nos permita melhorar.



A família segue a vida no lugar e vai à festa de Natal da cidade. Baleia fica adoentada e Fabiano toma a decisão de matá-la. Essa é, com certeza, uma das cenas mais impactantes do livro e da literatura brasileira. Todos aqueles que já leram o livro Vidas Secas sabem o que se passa com Baleia e se solidarizam com a pequena cadela que acompanha o casal e os meninos.  A cena foi retratada em filme de Nelson Pereira dos Santos, em 1963, com autêntica sensibilidade.


Interessa-nos observar também que Baleia é uma cadela, mas que, de certo modo, recebe um ar de humanização. Principalmente quando, diante da presença de pessoas que não sonham, ela vê a si mesma num campo repleto de preás.


A família, nessa fazenda, está vivendo melhor tempo do que no período de seca, mas não tem muito dinheiro e Fabiano é sempre enganado pelo patrão. Quando tenta reclamar acaba se resignando, diante da situação que tem vivido. Ele é um homem que enfrenta alguns embates, mas que costuma se resignar diante dos combates. Abaixa a cabeça e aceita a sua condição atual.


Tempos depois a família se vê novamente obrigada a iniciar o processo de migração que a seca lhes impõe no início da jornada contada no livro.


Interessante observamos que entre o primeiro e o último capítulo acompanhamos questões cotidianas da vida dos personagens e a angústias vividas por eles, que são aparentemente sem relevância, mas que nos levam até a grandeza humana de seus conflitos. O que foi magistralmente desenhado por Graciliano Ramos.


Pelas considerações que há na obra, entende-se que a história se passa no início do século XX, o quer nos permite classificar o tempo utilizado no livro como tempo psicológico, posto que não há um ordenamento cronológico dos acontecimentos. Eles não são baseados na linha temporal, mas na linha dos conflitos humanos vivenciados pelos personagens criados por Graciliano.


O contexto histórico seria o da República Velha (período compreendido entre 1889 e 1930). Trata-se de um panorama histórico em que vigorou a política do café com leite, na qual representantes dos estados de Minas Gerais e de São Paulo se revezavam no poder do país. Há também, nesse período, uma forte presença do coronelismo, o que notamos representado no livro pela forma como atua o patrão de Fabiano.


Há uma demonstração de exploração do trabalhador, pois Fabiano é enganado pelo dono da fazenda, que o rouba nas contas, cobra preços abusivos pelos mantimentos, além de juros altíssimos. Situação de exploração que foi representada naquela época e que ainda é possível encontrar no Brasil real, no país que está fora dos livros ficcionais.


No Brasil, em todas as regiões, haviam fazendeiros autoritários, com poder financeiro e político, que interferiam também nas decisões das eleições. Em 1930 houve um golpe de estado que colocou Getúlio Vargas na presidência do país. Em 1937 ele decretou o Estado Novo e implantou uma ditadura no Brasil.


O autor utiliza de um narrador onisciente que conta a história por meio da perspectiva dos personagens do romance.


O livro é dividido em treze capítulos. De acordo com Rubem Braga, Vidas secas, é um livro que permite ao leitor ler os capítulos de modo independente, posto ser um “romance desmontável”. Todavia, a escolha da ordem dos capítulos por Graciliano Ramos tem razão de ser, pois confere uma unicidade ao texto, ainda mais se considerarmos que na narrativa há uma forma de representação da vida das personagens que seguem um clico, ou uma espiral. Veja-se, por exemplo, o fato de que a família foge da seca no início e no final do livro.


As características de Vidas secas são muito marcantes da segunda fase do modernismo, posto que há realismo social, tem um caráter regionalista, há ausência de idealizações, tem uma narrativa parcial, na construção da história há valorização do espaço e o texto apresenta uma linguagem simples.


As vidas se tornam secas pela aridez provocada pela natureza, mas também pelo sistema que massacra os retirantes. E não somente isso, há no trabalho de Graciliano Ramos uma representação do silêncio, da ausência de linguagem e da incapacidade que os personagens tem de verbalização. Note-se que Baleia chega a ser mais expressiva do que a própria família representada. Há uma desumanização que acontece pela fala e pela condição em que os personagens vivem.


É essa brutalidade da vida que seca diante da seca, diante, portanto, da comiseração e da miséria, que leva o leitor a abraçar a família de retirantes e se emocionar com sua história.



Sobre o autor:


Graciliano Ramos (1892-1953) foi um dos maiores romancistas brasileiros. Foi considerado o mais importante ficcionista da Segunda Fase do Modernismo, ou Modernismo dos anos 30. Seus romances atingiram a maioridade literária da Geração Regionalista. Embora tratem de problemas sociais do Nordeste brasileiro, apresentam uma visão crítica das relações humanas, que as tornam de interesse universal. Seus livros foram traduzidos para vários países, e Vidas Secas, São Bernardo e Memórias do Cárcere foram levados para o cinema. Recebeu o Prêmio da Fundação William Faulkner, dos Estados Unidos, pela obra "Vidas Secas".

 

Ficha Técnica:

Título: Vidas secas

Escritor: Graciliano Ramos

Editora: Global

Edição: 1ª

Ano: 2024

Páginas: 140

ISBN: 9.786.556.1254-04

Assunto: Literatura brasileira


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