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12 agosto 2024

Entrevista: Rodrigo Goldacker

 


Finalista do Prêmio Amazon de Literatura Jovem com a obra Eu Só Existo às Terças-Feiras”Rodrigo Goldacker (@rodrigoldacker) transformou suas próprias experiências pessoais e as  teorias de individuação de Carl Jung em uma história envolvente e emocionalmente rica, explorando a dualidade da identidade e os desafios da adolescência. No romance psicológico, ele mergulha na mente de Viktor, um adolescente que enfrenta uma divisão de personalidades, cada uma habitando seu corpo em um dia específico da semana. É Terça, a voz narrativa principal, que guia os leitores por uma trama repleta de suspense e revelações sobre os outros fragmentos de Viktor. 

Rodrigo é filho de mãe bipolar e desde cedo precisou lidar com conflitos familiares e algumas responsabilidades afetivas impostas pelas circunstâncias. Assim, o interesse do autor pela psicologia para além da curiosidade dá sinais perceptíveis em sua escrita. Ele carrega nas costas uma bagagem não compatível com sua pouca idade. Assim, “Eu Só Existo às Terças-Feiras” apresenta temas como a condição humana, crises existenciais, famílias disfuncionais e a finitude da vida. Graduado em Publicidade e Propaganda e com um mestrado em Comunicação, o autor traz uma bagagem acadêmica que enriquece suas obras, permeadas por influências que vão de Albert Camus a Haruki Murakami. 

Confira abaixo uma entrevista com o escritor e conheça os bastidores da escrita de "Eu Só Existo às Terças-feiras".


Se você pudesse resumir os temas centrais de seus escritos, quais seriam?

Rodrigo Goldacker: Eu escrevo muita coisa e em muitos formatos diferentes, mas acho que posso tentar resumir meus interesses principais em algumas questões que acabam inclusive se misturando muito: questões de tecnologia, comunicação, política e religião; questões filosóficas e de psicologia, principalmente num viés existencialista; e questões da condição humana, principalmente sobre crises existenciais, famílias disfuncionais, questões de luto e mortalidade, etc.


Quais as principais mensagens que podem ser transmitidas pela sua literatura de ficção?

Rodrigo Goldacker: Eu quero falar sobre sentimentos e experiências, mesmo quando forem ruins, do jeito mais honesto e vulnerável possível. Honestidade emocional é algo que eu acho importante e que eu tento trazer pra minha escrita, não só na poesia e na ficção, mas até nos ensaios. 

Também gosto de falar sobre psicologia especificamente nos processos de luto, de crises existenciais, de maneiras de lidar com o sofrimento e com o trauma. Acho que honestidade e abertura são importantes para, ao invés de negar os problemas, aceitar que eles existem e tentar encontrar os melhores caminhos para lidar com eles. Para mim, é importante mostrar o esforço emocional e psíquico envolvido em lidar de uma forma responsável e madura com essas questões emocionais, principalmente frente aos caminhos fáceis mais tentadores (dos coaches aos marketeiros, dos influencers irresponsáveis aos discursos populistas, etc.).

Eu quero que as pessoas repensem suas identificações a certas narrativas, como constroem suas percepções sobre quem são, o que influencia essas percepções, e como podem se transformar para ganhar mais autonomia mental e mais agência sobre suas próprias identidades. Se eu puder aprender o “trabalho sujo” da persuasão na publicidade para denunciar como os mecanismos e processos disso funcionam e ajudar pessoas a se protegerem melhor dessas estratégias, sinto que estou fazendo algo bom para o mundo.

Também escrevo para tentar me entender e entender o mundo. Compartilho o que acho que entendo, porque pode ajudar os outros a se entenderem também ou, se discordarem de mim, pode ser que me ajudem também a mudar e aprimorar minhas perspectivas. E finalmente, quero falar sobre a própria escrita, sobre o que acredito que ela pode ser de melhor e sobre quais são seus limites. Dediquei minha vida a isso e acho que a escrita em si é um objeto fascinante, inclusive para se debruçar sobre ela mesma.



O que motivou a escrita de “Eu Só Existo às Terças-feiras” e como foi o processo de escrita?

Rodrigo Goldacker: Em dezembro de 2014,  tive um processo bastante complicado de crise motivado por várias coisas: uma crise existencial de para onde minha vida estava caminhando, o luto ainda profundo pela morte recente do meu avô, uma falta de propósito, um incômodo com a pessoa que estava me tornando, minha primeira paixão que acabou não terminando bem e, ainda, a falta de alguma estrutura de apoio. O que me faltava era algum sistema de crenças que pudesse me confortar. Sem isso, também não tinha vínculos autênticos com amigos, já que até então eu vivia basicamente com máscaras para me relacionar e não tinha amizades muito honestas. E, finalmente, também me faltava esse apoio na família, visto que eu tinha relações muito complicadas com todos meus familiares ainda vivos – o único com quem tinha uma boa relação, que sentia que realmente me compreendia, era meu avô que infelizmente tinha falecido.

Tudo isso vinha se desenvolvendo e piorando já há meses (no mínimo desde que meu avô tinha morrido em fevereiro daquele ano) e em dezembro isso estourou num grande processo que basicamente me desfez enquanto pessoa até minhas bases para me reconstruir do zero. O processo foi muito sofrido, mas culminou numa epifania que não foi só muito gostosa de se atingir, mas que se tornou talvez o momento mais marcante da minha vida e a pedra de fundamento para toda a vida que eu construí dali pra frente, seja em como passei a me portar nas minhas relações, seja nos meus interesses acadêmicos, seja nas minhas visões sobre o mundo e meus projetos de futuro.

Sabendo que aquilo tudo era tão importante pra mim, logo depois desse processo escrevi, durante janeiro de 2015, um livro autobiográfico gigantesco. Esse livro se chamava “Dezembro” e era literalmente um relato com cerca de cento e cinquenta mil palavras sobre o mês anterior e tudo que tinha acontecido comigo durante aquele período.

No que terminei esse livro, comecei a estudar com mais profundidade do que nunca, especialmente questões de psicologia. Com esses estudos, descobri que muito da experiência que tinha vivido parecia conversar muito bem com a ideia de um processo de individuação como descrito por Jung, autor que descobri nessa época de 2015 e por quem fiquei fascinado. Ainda em 2015, comecei a frequentar um psicólogo para me aprofundar mais em todo esse meu processo, também em parte pelo receio que tinha de estar ficando um pouco maluco depois de uma experiência tão intensa e de um livro tão alucinado como Dezembro me parecia.


E como o livro passou de uma autobiografia para uma obra de ficção?

Rodrigo Goldacker : No começo de 2016, eu já estava bem aprofundado nos meus estudos de psicologia e no meu processo com meu psicólogo. Sabia que meu livro Dezembro era basicamente impublicável devido ao seu formato e natureza, então queria tentar abordar a mesma história, falando sobre processo de individuação especialmente, a partir de uma metáfora e com um enredo mais acessível. Foi assim que eu tive a ideia para o “Eu Só Existo às Terças-feiras”. Escrevi os dois primeiros atos do livro ali em 2016, numa época muito tranquila e gostosa da minha vida em que estava no penúltimo ano da faculdade, reconquistando alguma qualidade de vida e saúde mental depois de todo os desafios dos anos anteriores, e conhecendo e me apaixonando pela moça com quem hoje em dia sou casado. Nesse intervalo de alguns meses durante o primeiro semestre de 2016, eu costumava fazer dois a três capítulos do livro por mês.

No final do capítulo 14, entrei num grande bloqueio criativo. Eu sabia como o livro precisava terminar, mas a cronologia dos acontecimentos e alguns detalhes em particular estavam me dando trabalho pela complexidade envolvida. Em 2017, mais ou menos no começo do segundo semestre e já morando no cortiço para onde tinha mudado com minha companheira Jaque, tive um estalo e descobri como resolver todos esses imbróglios do enredo do Terça. O momento não era nada propício porque além do estágio era minha época de entregar o TCC da graduação, mas fiz todas as coisas ao mesmo tempo. Entre mais ou menos quatro meses, fui escrevendo um capítulo do Terça por semana até finalizar o livro, coisa que aconteceu em outubro daquele ano.


Por que você decidiu publicar o livro pela Amazon e inscrevê-lo no Prêmio Amazon de Literatura Jovem?

Rodrigo Goldacker: O Terça ficou parado por anos, com somente alguns ocasionais leitores que gostavam muito dele quando me encontravam no Medium, onde eu tinha lançado os capítulos inicialmente. Em 2023, resolvi me inscrever no Prêmio Kindle, tirei o Terça de onde estava antes na Internet, revisei o texto com ajuda de uma amiga do trabalho, outra amiga de trabalho fez a capa e finalmente publiquei o livro.

Não ganhei, mas o livro ficou lá disponível. Quando o Prêmio Amazon de Literatura Jovem saiu no final de 2023, vi que eles deixavam inscrever livros de 2022 e por isso decidi inscrever o Terça. Era o único concurso que ainda o aceitaria porque, estando publicado na Amazon, não era mais um livro inédito. Foi só nesse momento também que percebi direito como o Terça era, de certa forma, um livro jovem-adulto que se encaixava no gênero do concurso.

Eu me inscrevi e em março de 2024 recebi a notícia de que tinha sido um dos finalistas. Por conta disso, o Terça vai virar um audiobook pela Audible (isso é garantido por ser finalista, mesmo sem ter ganhado) e tive reuniões com a Harper Collins, o Prime e a Amazon para considerar futuros projetos possíveis para o livro. 



Quais são as suas principais influências artísticas e literárias?

Rodrigo Goldacker: Cada livro é influenciado por autores em específico e cada gênero que escrevo também. Num sentido mais geral de autores de ficção, eu sinto que o Bolaño tem se tornado uma referência importante pra mim nos anos mais recentes e que o Hermann Hesse é um dos meus principais fundamentos pela escrita com metáforas para individuação e psicologia. Eu gosto muito do estilo de escrita da Mariana Artigas, da Thaís Campolina  e do Danilo Crespo que acompanho por lá. Também existe um autor meio obscuro no Medium, mas que gosto demais, chamado Täkwila. Gosto bastante do jeito de escrever da Lispector, ela tem uma crueza profunda que tento alcançar do meu próprio jeito.

Albert Camus, Carl Jung e Judith Butler são três bases importantes pra mim em pensamento e que acabam aparecendo muito em tudo que escrevo, principalmente nos ensaios, mas isso também “vaza” para as poesias e romances. A discussão que faço sobre identificação e desidentificação, precariedade e construção de personas, acontece muito pela Butler e pelo Jung, só pra dar um exemplo, e isso é tanto a base do meu ensaio mais recente quanto do Eu Só Existo às Terças-feiras lá de trás. E fico um pouco envergonhado de dizer isso, mas acho que também gosto mais do que deveria e sou mais influenciado do que parece pelas peças do Shakespeare.


Como você definiria seu estilo de escrita?

Rodrigo Goldacker: Nos livros de ficção, depende do livro. Alguns são mais rebuscados e líricos, tipo o Verde Verdade que é em terceira pessoa e é bem descritivo dos cenários e situações. A escrita do Eu Só Existo às Terças-feiras é completamente diferente, uma coisa mais de momento porque o livro acontece todo no presente e na primeira pessoa, e com um fundo maior de introspecção.


Que tipo de estrutura você adotou ao escrever as obras?

Rodrigo Goldacker: Sobre a estrutura, também varia muito. Normalmente estruturo a ideia toda no primeiro dia de um projeto e sigo mais ou menos fielmente a estrutura que tinha pensado do começo até o final. Nos livros de ficção, eu normalmente estabeleço o argumento e um desenho dos atos e vou tentando a partir disso encaixar os capítulos. É por isso que no Terça, por exemplo, eu já sabia como ia terminar e quais acontecimentos eu precisava encaixar, mas travei pra conseguir desenvolver alguns capítulos na transição do segundo pro terceiro ato.


Quais são os seus projetos atuais de escrita? O que vem por aí?

Rodrigo Goldacker : Ano passado escrevi três livros e agora em 2024 já escrevi mais dois. Nesses últimos dois meses finalizei dois projetos de livro: um deles é uma ficção científica que tinha começado a escrever lá atrás também e resolvi finalmente finalizar. Chama-se Éramos Deuses e é o meu próximo lançamento, a sair agora em julho ou agosto na Amazon para ser minha obra inscrita na edição deste ano do Prêmio Kindle. O outro livro que terminei recentemente é uma saga familiar. Além desses dois tenho novos projetos de ensaios no forno, um livro de poemas com o NADA∴Studio Criativo a sair em breve. Pro ano que vem, acho que vou lançar o livro de realismo mágico que mencionei sobre um prisioneiro (que escrevi em dezembro de 2023) e talvez esse livro de temas familiares que terminei recentemente. 

E isso é só dos livros que já estão com seu primeiro esboço finalizado. Tenho vários outros projetos inacabados que gostaria de retomar. O próximo projeto que pretendo atacar é uma narrativa de terror que é provavelmente a coisa mais ambiciosa que já tentei fazer. Dessa história, já tenho o primeiro ato feito e ele sozinho é maior do que alguns dos meus outros livros completos. No melhor dos casos, quero prosseguir pro segundo ato dessa história e tentar terminar esse pedaço até meu aniversário de 30 anos, em fevereiro do ano que vem.
 


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