Esther Greenwold é a narradora do
livro e protagonista da história contada por Sylvia Plath. A redoma de
vidro é o único romance publicado pela poetisa americana, que tem uma
vasta produção de poemas, além de contos produzidos. A publicação da obra,
originalmente, aconteceu semanas antes da morte de Sylvia, que tirou a própria
vida aos trinta anos. A edição objeto da resenha foi publicada pela Biblioteca
Azul em 2019 (280 páginas).
Narrado em primeira pessoa, o
livro tem um tom autobiográfico, embora seja enquadrado como uma obra
ficcional. Fato é que o tom melancólico nos leva a fatores que aconteceram na
década de 1950, o que aproxima do ano de 1952, quando a autora tentou tirar a
própria vida. Antes de consumar a sua morte, Sylvia já havia atentado contra a
própria vida algumas vezes e foi internada numa clínica psicológica, inclusive
passando por tratamento com eletrochoques.
Durante o verão, a protagonista
narradora, que mora num bairro pobre dos Estados Unidos, consegue estágio em
uma importante revista feminina e escreve colunas “ainda que várias delas só
tratassem de saúde e beleza”.
A jovem simples, que cursa uma
universidade reconhecida, passa a vivenciar experiências com o glamour que é
proporcionado pela cidade de Nova Iorque. Embora isso exponha o quão agradável
pode ser e talvez seja o sonho de muitas pessoas, é naquele lugar que ela passa
a se questionar sobre o sentido de tudo que tem experienciado e a questionar o
próprio sentido da vida.
Ao se possibilitar questionar o
sentido de tudo, partindo da questão particular para um universo maior, ela
percebe que já não tem interesse por aquilo que a interessava antes, inclusive
como gosta de escrever, passa a se questionar se conseguirá seguir com a
escrita. Inquietação esta que também esteve presente na vida da autora do
livro.
Tudo para Esther perdeu o
encantamento: o trabalho, o rapaz por quem foi apaixonada, as amigas. Passa a
perceber que há uma porção de coisas nas quais se imaginava boa e, passa a
assumir a visão de que não é tão boa assim.
“Me vi
sentada embaixo da árvore, morrendo de fome, simplesmente porque não conseguia
decidir com qual figo eu ficaria. Eu queria todos eles, mas escolher um
significava perder todo o resto, e enquanto eu ficava ali sentada, incapaz de
tomar uma decisão, os figos começaram a encolher e ficar pretos e, um por um,
desabaram no chão aos meus pés.”
Em Nova Iorque fica hospedada num
hotel próprio para mulheres, acompanhada de outras onze. Certa feita ela foi
encontrada passando mal e ouve da enfermeira do hotel que todas elas tinham “botado
as tripas para fora”, após jantarem num restaurante chamado Ladies’ Day.
O leitor percebe pela narração da
personagem a sua complexidade psicológica. Ela adora estudar, tem amigos, se
encontra com rapazes, está num momento profissional interessante e almejado por
muitas meninas da sua idade. A protagonista-narradora tem dezenove anos. No
entanto, nada disso parece apetecê-la. Nada proporciona a ela felicidade. É
como se Esther fosse o tempo todo sufocada por uma redoma, que vai colocando-a em
sintonia com a depressão. Assim sendo, percebemos uma melancolia que a vai
tomando ao longo da narração.
Isso pode ser reforçado, quando
em dado trecho da obra, ela passa uma das noites estudando e revela que todos “a
tratavam com gentiliza, porque pensavam que (...) era muito esforçada”.
Mas, na verdade, ela estava estudando daquele jeito para esconder a tristeza
que tomava conta dela.
O comportamento de Esther a leva
a tentativas de suicídio. O livro, portanto, traz um tema bastante sensível e contém gatilhos.
Numa dada passagem a protagonista
revela: “Eu tinha a lâmina, mas não a banheira com água quente”. Um
claro pensamento, entre outros tantos que ela nos revela, em que é tomada pelo
desejo de tirar a própria vida. Ela tenta enforcamento, afogamento, corte dos
pulsos.
A autora consegue expressar de
forma profunda as angústias da narradora. Ter escolhido a narração em primeira
pessoa, portanto colocando os fatos e sentimentos da narradora naquilo que ela
conta ao leitor, foi uma escolha acertada. Possivelmente, essa decisão de
Sylvia Plath tenha partido do fato de querer expressar na obra ficcional todos
os sentimentos que a tomaram nos momentos em que ela própria tentou o suicídio.
“Eu sentia a escuridão, e nada além dela (...)”
Os pensamentos, as angústias, a
forma de visualizar a vida pelo olhar da narradora não seria possível ou seria
afetada se outra tivesse sido a escolha da voz narrativa.
O ponto de atenção para a
protagonista gira em torno da ausência de sentido para a vida. Ela não consegue
ver felicidade, alegria, em nada daquilo que a cerca. Nem nas coisas, nem nas
pessoas, nem nos acontecimentos. Percebemos que isso vai aumentando na medida
em que a história avança. E parte do individual para o coletivo, pois
percebe-se que ela faz uma comparação com outras garotas que também viveram em
redomas de vidro.
Ao fazer tal associação, ou seja,
comparar a sua redoma com a de outras garotas da mesma idade, Esther nos faz
pensar que há um caráter de coletividade no seu problema. Não seriam outras
tantas jovens tomadas por essa pressão invisível que vai fragmentando-as?
O livro nos coloca num ponto de
reflexão bastante importante sobre o sentido da vida. Aborda a temática da
depressão, a falta de perspectiva, o suicídio, a busca por ajuda médica, a
necessidade do acolhimento familiar e afetivo.
“(...) eu sempre estava dentro da mesma redoma de vidro (...)”
Nós sentimos com a narração esse
lugar da redoma que a narradora revela. Esse sufocamento que apesar de permitir
ver o lado externo não permite com que a pessoa seja tocada por nada daquilo
que a circunda. Daí dizermos que a história individual de Esther ganha a
proporção de história coletiva.
A partir da internação de Esther
o leitor é levado a acompanhar o processo da personagem numa clínica
psiquiátrica. Assim adentra a experiência da jovem e suas memórias sobre a vida, o que permite ao leitor levantar
hipóteses sobre o estado de saúde mental da personagem criada por Sylvia Plath.
O livro toca em assuntos relacionados, tais como a terapia ocupacional, a
terapia em grupo, o uso de eletrochoque, a medicamentação e o apoio
psiquiátrico.
A personagem vive uma pressão
social que, muitas vezes, é algo invisível. Quando falamos de pressão social,
falamos de algo cuja dimensão não é medida em peso ou tamanho. Ela sente a
pressão social por questões como relacionamento, profissão, casamento, filhos e
até pelo viés religioso, que aparece em algumas menções da personagem. São
fatores para os quais há um pensamento social que força o cidadão que não se
enquadra em tais aspectos a se questionar. Essa pressão aqui mencionada também pode ser
analisada sobre o viés do patriarcado, que espera da mulher um determinado
papel social. Pode ser uma hipótese para a personagem ir, aos poucos,
sucumbindo diante da depressão e passar a cada vez mais pensar na morte, na
própria morte, como solução.
“Para a
pessoa dentro da redoma de vidro, vazia e imóvel como um bebê morto, o mundo
inteiro é um sonho ruim.”
De acordo com o Anuário
Brasileiro de Segurança Pública, do Fórum Brasileiro de Segurança Pública,
publicado em 2023, houve 16.262 (dezesseis mil duzentos e sessenta e dois)
suicídios registrados no Brasil. Isso corresponde a 8 suicídios por 100 mil
habitantes. Vale dizer que o mesmo relatório aponta que há 7,2 homicídios por
100 mil habitantes. Há uma tendência de crescimento de suicídios desde 2010.
Ora, é preocupante pensarmos que
vivemos numa sociedade altamente prejudicial para a saúde mental e há ainda um
longo percurso a ser percorrido para que entendamos sobre a necessidade de
pensar no bem-estar emocional e mental das pessoas.
Para a OMS – Organização Mundial
de Saúde, o Brasil ocupa o 8º lugar entre os países com os maiores índices de
suicídio. Os índices demonstram que a taxa de morte por suicídio é maior entre
homens, mas tanto para os homens, quanto para as mulheres, o número tem
aumentado, segundo apontamentos do Ministério da Saúde. No entanto, outro dado
alarmante, é que no período de 2009 a 2018 houve uma elevação de 45,7% nos
suicídios entre mulheres.
Sylvia Plath escreveu o livro
fora desse contexto, mas a obra não deixa de ser um alerta e uma forma de
possibilitar refletirmos e discutirmos sobre a depressão e o suicídio.
O livro foi publicado
originalmente em 1963 e consegue imprimir de maneira delicada a transformação
da personagem Esther Greenwold. Nós somos tomados pela personagem, não apenas
pelo declínio de sua saúde mental, mas pelo modo como Sylvia narra. Somos chamados
a entrar no emaranhado de pensamentos e sentimentos de sua personagem. Esther é
tomada por um sentimento que a angustia dada a pressão que sofre sobre os
diferentes aspectos que foram mencionados anteriormente. Ela vai então, de uma
aparente vida normal e cheia de perspectivas para um pavor que a leva à apatia.
Ela não come mais, descuida da higiene pessoal, não dorme, tenta o fim da vida.
Sylvia Plath consegue também
abordar o assunto deixando nas entrelinhas uma crítica às convenções sociais,
colocando o leitor para refletir sobre questões como casamento, maternidade,
sexualidade e privilégios masculinos. A personagem de Sylvia é uma mulher que
se vê aprisionada, fragmentada e cortada pelas expectativas da sociedade sobre
o significado de ser mulher.
A redoma de vidro é um livro que
parece um grito de socorro, é um suspiro sufocante e sufocado de uma mulher que
vai sendo tomada pela melancolia, que surge de todos os lugares, em qualquer
situação.
Não é apenas um relato de uma
personagem sobre depressão e transtornos mentais; o livro se revela como um
retrato do papel da mulher na sociedade.
Sobre a escritora:
Sylvia Plath (1932–1963) foi uma
das poetas mais aclamadas do século XX. Sua obra, composta por poemas, contos,
crônicas, correspondência e um vasto diário, chamou a atenção de um grande
número de leitores pelo mundo, que veem em seu verso singular a sublime
expressão do desespero, da emoção violenta e da obsessão com a morte, despida
de um verniz lírico, porque imerso na crueza dos sentimentos mais profundos.
Foi casada com o também poeta Ted Hughes, com quem teve dois filhos. Depois de
diversas tentativas ao longo da vida, Sylvia Plath se matou aos trinta anos, em
Londres.
Ficha Técnica:
Título: A redoma de vidro
Escritora: Sylvia Plath
Tradução: Chico Mattoso
Editora: Biblioteca Azul
Ano: 2019
Edição: 2ª
Páginas: 280
ISBN: 978-8525068460
Assunto: Ficção americana
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