“Um
Caminho Particular do Futuro” questiona a dualidade da pureza moral
Uma história de vivência e elaboração do luto que soa original e provocativa ao
leitor. No seu novo livro, “Um Caminho Particular do Futuro” (editora Reformatório, 296 págs.),
o escritor e diplomata Ricardo
Bernhard (@_ricardobernhard) revisita, com inventividade, um
tema clássico da literatura.
No romance, acompanhamos o drama de uma mãe que
decide mudar-se para a sua casa de veraneio na serra fluminense depois da morte
do filho caçula. No vilarejo, frequentado pela família nas férias, Francine
tenta resgatar as memórias felizes da infância e juventude de Cláudio. No
entanto, o dia a dia na serra traz à tona informações desencontradas sobre o
filho, revelando nuances inesperadas da sua personalidade. Abalada,
Francine se vê movida a tentar compreender decisões tomadas pelo caçula ao
longo da vida.
Segundo o autor, uma das motivações do livro é
explorar os desdobramentos dramáticos de certa visão radical a respeito do
cumprimento de deveres morais. “Queria investigar de que maneira o rigor moral,
no contexto de uma vida de classe média comum, pode acabar precipitando ações
ou posturas questionáveis”, comenta Ricardo, acrescentando: “A culpa ou um
senso de insuficiência pode levar alguém com uma índole pura a cometer um ato
inominável”.
Na obra, composta por 27 capítulos, o leitor
acompanha as reflexões de Francine conforme são despertadas pela interação com
as pessoas próximas no vilarejo e pelas memórias da vida em família. Destaque
para a relação entre a narradora e Isabela, uma das vizinhas da casa da serra.
Amiga de infância dos filhos de Francine, Isabela é descrita pela protagonista
com um misto de desdém e curiosidade instigada pela própria personalidade
misteriosa e pouco amistosa. A aproximação entre as duas se mostra fundamental
para o desenlace da trama. A honestidade com que o autor apresenta a
protagonista sem cair no maniqueísmo de taxá-la como boa ou ruim é uma das
virtudes da obra — Ricardo oferece ao leitor o retrato de uma pessoa complexa,
com pensamentos, sentimentos e ações contraditórias.
Isso não quer dizer que o escritor redime a
narradora de suas falhas morais. Ao contrário, a cada página vai se desenhando
e ficando mais claro que esse comportamento enviesado a impediu de, entre
outras coisas, captar as múltiplas facetas e as inquietações de Cláudio.
A forma como o autor detalha esse percurso
emocional da protagonista, que vai do atordoamento do luto a uma espécie de
resignação, é outro mérito de “Um Caminho Particular do Futuro”. Há também
uma riqueza na caracterização de cenários, ambientes, situações e personagens.
O leitor vai, a cada página, descobrindo peças do quebra-cabeça que ao final
formarão o quadro que Francine tenta vislumbrar desde as primeiras revelações
na casa de veraneio.
O fim da trama não mostra somente a resolução
do mistério, mas coloca quem está lendo em frente a dilemas que ultrapassam as
páginas da obra e tendem a acompanhá-lo depois do encerramento da leitura.
“Queria que o leitor experimentasse as mesmas incertezas de Francine e fosse
levado a questionar se a empatia e a compaixão podem entrar em conflito com os
próprios conceitos de certo e errado”, observa o autor do romance.
Ricardo Bernhard / Foto: Divulgação
Reencontro com a escrita e a escolha pelo
romance
Ricardo Bernhard formou-se em Direito pela
Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) em 2009. No mesmo ano, o jovem,
nascido em 1986, ingressou na carreira diplomática. Como diplomata trabalhou em
Brasília (DF), Ottawa (Canadá) e Dublin (Irlanda). Desde 2022 atua na embaixada
do Brasil em Pretória, capital da África do Sul.
A carreira literária é recente. O primeiro
romance do autor, “Litoral noir” (Editora Madrepérola), foi lançado em 2021. No
ano seguinte, ele publicou “Os Vilelas” (Editora 7Letras). Ricardo acredita
que “Um Caminho Particular do Futuro” tenha pontos em comum com seus
dois primeiros livros, em particular no que se refere à centralidade das
questões morais. Por outro lado, o escritor revela que buscou mudar a linguagem
no seu terceiro romance. “Tentei escrever num estilo mais direto, que
viabilizasse camadas distintas de leitura, incluindo a que se prende
estritamente ao desenvolvimento do enredo”, explica.
Ainda que a estreia no universo literário tenha
sido há poucos anos, o fascínio do autor pelo ofício remete à adolescência. Na
época, escreveu contos e chegou a enviá-los para concursos. Durante um período,
deixou a criação de ficção de lado para dedicar-se aos estudos da carreira
diplomática. Retomou a escrita por volta dos 25 anos, quando trocou o gênero
literário ao qual se dedicava. “Entendi que os romances eram um veículo mais
apropriado para o meu estilo narrativo”, esclarece o autor.
Atualmente a criação ficcional faz parte de sua
rotina. “Escrevo uma hora por dia, de segunda a sexta, assim que acordo”,
revela, observando que a meta é cumprir essa hora diária, com disciplina, mas
sem cobranças quanto ao número de palavras. O empenho tem mostrado resultados.
Ricardo trabalha agora no seu quarto romance, ainda sem data para o
lançamento.
Confira um trecho do livro (pág. 49) :
O Cláudio parecia, na verdade, viver fora do
tempo, ou viver como se a passagem do tempo fosse irrelevante para ele. Isso,
em primeiro lugar, é que o cobria com aquele ar remoto, às vezes frio, ausente.
Pois a abertura à banalidade do que está acontecendo agora, a troca
despretensiosa de frases sobre o que acabamos de vivenciar ou de sentir, é que
nos trazem para as circunstâncias presentes, permitem que formemos conexões
afetivas, nos conferem uma impressão de normalidade. O Cláudio parecia não
reconhecer a importância disso. Parecia disposto a se doar apenas ao que era
essencial. E o que era essencial para ele aparentava ser tão transparente! Não
era nada fora do comum, eram os objetivos previsíveis de quem tinha uma
personalidade conservadora — permanecer, continuar, manter, segurar, eram os
verbos moderados das suas prioridades ponderadas.
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“Um Caminho Particular do Futuro” pelo site da editora Reformatório:
https://editorareformatorio.lojavirtuolpro.com/um-caminho-particular-do-futuro/p
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