Escritora
manauara Myriam Scotti investiga o feminino e a família numa tentativa de se
reconectar com a própria ancestralidade
"A autora planta a ‘Terra Úmida’ amazônica em cada personagem, e
ela se infiltra lentamente em suas expectativas e dores, pressionando suas
paisagens internas."
Trecho da orelha assinado por Anita Deak
Vencedor do Prêmio
Literário de Manaus 2020, o romance "Terra Úmida" (Editora
Penalux, 156 pág.), da escritora manauara Myriam Scotti, traz à tona
um momento pouco comentado da história brasileira: a imigração de judeus para a
Amazônia durante o ciclo da borracha (entre os séculos 19 e 20). Partindo deste
cenário inusitado, se desenrola uma trama complexa, que perpassa temas como imigração,
relações familiares e o feminino. A obra contou com a orelha assinada pela
escritora, podcaster e professora Anita Deak.
A partir da
perspectiva de Abner, um dos filhos de uma família marroquina que, para fugir
da perseguição aos judeus, instala-se na Amazônia, o leitor é apresentado a
personagens que, apegados à tradição, são intimamente atravessados pela vida e
pela cultura novas. A mãe, Syme, porém, decide sacrificar os próprios desejos
em prol dos filhos e da fé, o que se torna um conflito complexo entre ela e
Abner, em que são colocadas questões como afeto, autonomia e o fardo da
maternidade.
Myriam conta que a
ideia de "Terra Úmida" era homenagear seus
ancestrais, sendo ela mesma descendente de judeus sefarditas. O romance foi
escrito durante um longo processo, que durou três anos, e envolveu uma viagem
para o Marrocos como parte da pesquisa. Além da temática histórica, ela também
buscou trabalhar questões relacionadas à mulher. "Não à toa, escrevi uma
personagem que pudesse representar um pouco das dificuldades de ser mulher em
qualquer época", diz.
Ela também reflete
sobre a literatura enquanto espaço de alteridade, em que leitores possam não só
se identificar, mas também ouvir e compreender outras vivências. "Desde
que lancei o romance tenho recebido muitas devolutivas, inclusive de homens, do
quanto refletiram sobre as questões femininas, assim como sobre relações
familiares", afirma.
Segundo Myriam, "Terra
Úmida" surgiu como um desafio pessoal. Acostumada a escrever
textos mais breves, como contos e poesia, ela se propôs a produzir uma
narrativa de maior fôlego. A ideia original de "Terra Úmida" partiu,
inclusive, de um conto inédito.
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Myriam Scotti / Foto: Divulgação |
Escritora e mãe: conheça Myriam Scotti
Myriam Scotti nasceu
em 1981, em Manaus (AM). É escritora, crítica literária e mestre em Literatura
pela PUC-SP. Seu romance "Terra Úmida" foi vencedor do
Prêmio Literário de Manaus 2020. Em 2021, seu romance juvenil “Quem chamarei de
lar?” (editora Pantograf) foi aprovado no PNLD literário e escolhido pelo
edital Biblioteca de São Paulo.
Em 2023, lançou o
livro de poemas “Receita para explodir bolos” (editora Patuá). Foi finalista do
prêmio Pena de Ouro 2021 na categoria Conto. No ano passado, ficou em segundo
lugar na categoria conto do prêmio Off Flip
A autora conta que
começou a escrever na infância, mas que, ao tornar-se mãe, resolveu publicar
crônicas sobre este novo momento de sua vida em um blog. A escrita passou a ser
uma atividade profissional em 2014.
Ela frisa que
frequentou inúmeras oficinas e cursos de escrita criativa desde então,
lapidando e fortalecendo a própria voz. Neste contexto, também encontrou
autores de renome, caso da mineira Anita Deak, que assina a orelha de "Terra
Úmida".
Atualmente, Myriam
está escrevendo dois projetos de romance, um deles contemporâneo e, o outro,
com temática histórica.
Leia o
primeiro parágrafo do romance "Terra Úmida" (pág. 6):
"Um
ontem não tão distante, apesar das tantas décadas transcorridas e de meus
cabelos já serem brancos como a neve que nunca conheci, os fatos retornam à
minha mente com detalhes: o céu demasiado azul e o calor forte, abafado, não
deixavam dúvidas de que o mês de agosto havia chegado com toda sua pujança.
À nossa volta, a beleza comovente da floresta me fazia viajar para o interior
da alma, uma grande aventura que começava de dentro para fora do corpo. Talvez
por isso eu jamais me cansasse de navegar por aqueles rios que me provocavam
imersões tão profundas quanto suas águas. A cada curso percorrido, a
natureza se descortinava em um espetáculo quase secreto para os olhos de quem
escolhia gastar os dias navegando e se embrenhando pelos interiores misteriosos
da Amazônia, embora naquela tarde de esplendor, o que nos parecia impossível,
aconteceu: nuvens negras se formaram de repente, trazendo a tempestade
apressada em desabar sobre as águas negras e até pouco tempo espelhadas que
havia diante de nós, deixando-nos na angústia de saber se passaríamos
ilesos."
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