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28 abril 2024

Entrevista: Jordan


 

Vencedor do Prêmio Caio Fernando Abreu de 2023, premiação literária ligada ao Festival MIX Brasil, o livro "Dois Preto Apaixonado na Cama” do poeta, slammer, dramaturgo e compositor baiano JORDAN, traz nos versos a premissa da reivindicação de narrativas afrocentradas no contexto das relações homoafetivas entre homens.

 

Os poemas do livro não se fixam na definição normativa de "erotismo", mas também investigam temáticas como a insalubridade das oportunidades de trabalho, o genocídio da juventude negra e a objetificação do homem negro.

 

JORDAN nasceu em Camaçari, na região metropolitana de Salvador, na Bahia, e atualmente vive em São Paulo. Ele é também é acadêmico, tendo sido mestrando em Língua Portuguesa na FFLCH-USP; e publicou duas peças de teatro.

 

O poeta que concedeu a entrevista, escreve desde que foi alfabetizado, primeiramente escrevendo histórias ficcionais em seus cadernos e ao longo do tempo ampliando horizontes para a produção de poesias mais contemporâneas, cordéis, receitas culinárias, poemas parnasianos entre outros formatos. Sua principal referência literária é João Ubaldo Ribeiro, mas o autor também se inspira em nomes como Marcelino Freire, Elisa Lucinda, Roberto Piva, Oliveira Silveira, Jefferson Tenório e Jericho Brown.

 

Confira a conversa com o poeta JORDAN, vencedor do Prêmio Caio Fernando Abreu, sobre a construção de uma poesia afrocentrada e homoerótica 

 

Quais os principais temas da obra “Dois Preto Apaixonado na Cama”? Por que os escolheu?

 

JORDAN: Os principais temas da obra são as relações afetivas e eróticas entre homens pretos. Que eu chamo de HomoAfroErótica. E é uma perspectiva importante porque, como costumo dizer, quando dois homens pretos se amam, o argumento que nos mata morre no susto. Esse tipo de amor que existe nas quebradas, do curuzu ao vidigal, existia nas senzalas mais constrangidas e nos quilombos mais corajosos. E, no entanto, não é representado nas exposições do MASP, nem na literatura clássica, nem na lista das mais ouvidas da Billboard. Este livro vem prestar contas desta profunda unidade.

 

Em sua análise, quais as principais mensagens que podem ser transmitidas pelo livro?

 

JORDAN: A mensagem de que nós homens pretos precisamos investigar o que é erótico pra gente. Para além de adotar as performances que estão pré-estabelecidas e nos acomodar delas. E quando estou falando de erótico não estou falando somente do ato sexual, de acordo com o filosofo Georges Bataille, o erótico é tudo aquilo que nos coloca em uma situação limite. Então, o erótico aqui é a insatisfação com os encaixes no mercado de trabalho, onde homens pretos frequentemente estão em atividades de risco, o genocídio da juventude negra e sim, por fim, em relação à objetificação do homem preto.


 

O que te motivou a escrever o livro?

 

JORDAN: Quando comecei a participar dos slams, me perguntei como eu poderia colaborar com aquela cena. O que eu poderia acrescentar? E logo percebi que minhas relações, minhas experiências homoafetivas com outros homens pretos poderiam ser algo novo. Daí comecei a escrever essas poesias. O período de aproximadamente um ano.

 

Por que você escolheu a poesia como gênero?

 

JORDAN: Escolhi o gênero poesia porque é o tipo de texto que é mais comum nos slams. Que por sua vez foi o único lugar a me dar espaço para  desenvolver sobre esse tema.

 

Você tem algum ritual de preparação para a escrita? Tem alguma meta diária de escrita?

 

JORDAN: Não tenho uma meta cronológica. Escrevo quando tenho uma ideia. E, em geral, é uma palavra, uma frase que eu li ou ouvi que vai me inspirar à ideia e por fim à poesia. Por exemplo, estava na Bahia, recentemente, e ouvi uma pessoa falar “diga a fulano que ele volte aqui e volte pianinho”. Eu amei essa frase e quero escrever alguma coisa, só pra usar essa palavra “volte pianinho”, “fique pianinho” que na Bahia quer dizer “volte com o rabo entre as pernas”, “volte calado”, sem querer reclamar, reivindicar, etc.

 

Jordan / Foto: Marco Santo

O que a obra representa para você? Você acredita que a escrita do livro te transformou de alguma forma?

 

JORDAN: Representa uma prestação de contas. Costumo dizer que não escrevi esse livro sozinho, fui arbitrariamente visitado por homens pretos gays que viveram nos séculos XIX, XVIII, durante o período da ditadura, durante o período da disseminação do vírus HIV, e todos eles me cobravam: você é poeta, escreva minha história! Por isso no livro você irá encontrar diversas poesias que se passam em todos esses períodos. Todas elas sobre as expectativas afetivas desses homens e as realidades que eles encontravam.

 

Isso nos serve de recado, hoje nós homens pretos temos a possibilidade de vivenciar nossa afetividade, nosso erotismo, inclusive com os nossos iguais. E aí? Vamos continuar subjetivamente colaborando com as teias articuladas pelas pessoas que nos castraram todos esses séculos? Ou vamos finalmente aproveitar e exercer essa nossa ‘liberdade’?

 

Quais são os seus projetos atuais de escrita? O que vem por aí?

 

JORDAN: Quero inventar uma poesia afroexistencialista. Uma poesia que descongestione as nossas nóias.


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