Vencedor do Prêmio Caio Fernando
Abreu de 2023, premiação literária ligada ao Festival MIX Brasil, o livro "Dois
Preto Apaixonado na Cama” do poeta, slammer, dramaturgo e compositor
baiano JORDAN, traz nos versos a premissa da reivindicação
de narrativas afrocentradas no contexto das relações homoafetivas entre homens.
Os poemas do livro não se fixam
na definição normativa de "erotismo", mas também investigam temáticas
como a insalubridade das oportunidades de trabalho, o genocídio da juventude
negra e a objetificação do homem negro.
JORDAN nasceu em Camaçari, na
região metropolitana de Salvador, na Bahia, e atualmente vive em São Paulo. Ele
é também é acadêmico, tendo sido mestrando em Língua Portuguesa na FFLCH-USP; e
publicou duas peças de teatro.
O poeta que concedeu a
entrevista, escreve desde que foi alfabetizado, primeiramente escrevendo
histórias ficcionais em seus cadernos e ao longo do tempo ampliando horizontes
para a produção de poesias mais contemporâneas, cordéis, receitas culinárias,
poemas parnasianos entre outros formatos. Sua principal referência literária é
João Ubaldo Ribeiro, mas o autor também se inspira em nomes como Marcelino
Freire, Elisa Lucinda, Roberto Piva, Oliveira Silveira, Jefferson Tenório e
Jericho Brown.
Confira a conversa com o poeta JORDAN, vencedor do
Prêmio Caio Fernando Abreu, sobre a construção de uma poesia afrocentrada e
homoerótica
Quais os principais temas da
obra “Dois Preto Apaixonado na Cama”? Por que os escolheu?
JORDAN: Os principais temas da
obra são as relações afetivas e eróticas entre homens pretos. Que eu chamo
de HomoAfroErótica. E é uma perspectiva importante porque, como costumo dizer,
quando dois homens pretos se amam, o argumento que nos mata morre no susto.
Esse tipo de amor que existe nas quebradas, do curuzu ao vidigal, existia nas
senzalas mais constrangidas e nos quilombos mais corajosos. E, no entanto, não
é representado nas exposições do MASP, nem na literatura clássica, nem na lista
das mais ouvidas da Billboard. Este livro vem prestar contas desta profunda
unidade.
Em sua análise, quais as
principais mensagens que podem ser transmitidas pelo livro?
JORDAN: A mensagem de que nós
homens pretos precisamos investigar o que é erótico pra gente. Para além de
adotar as performances que estão pré-estabelecidas e nos acomodar delas. E
quando estou falando de erótico não estou falando somente do ato sexual, de
acordo com o filosofo Georges Bataille, o erótico é tudo aquilo que nos coloca
em uma situação limite. Então, o erótico aqui é a insatisfação com os encaixes
no mercado de trabalho, onde homens pretos frequentemente estão em atividades
de risco, o genocídio da juventude negra e sim, por fim, em relação à
objetificação do homem preto.
O que te motivou a escrever o
livro?
JORDAN: Quando comecei a
participar dos slams, me perguntei como eu poderia colaborar com aquela cena. O
que eu poderia acrescentar? E logo percebi que minhas relações, minhas
experiências homoafetivas com outros homens pretos poderiam ser algo novo. Daí
comecei a escrever essas poesias. O período de aproximadamente um ano.
Por que você escolheu a poesia
como gênero?
JORDAN: Escolhi o gênero poesia
porque é o tipo de texto que é mais comum nos slams. Que por sua vez foi o
único lugar a me dar espaço para desenvolver sobre esse tema.
Você tem algum ritual de
preparação para a escrita? Tem alguma meta diária de escrita?
JORDAN: Não tenho uma meta
cronológica. Escrevo quando tenho uma ideia. E, em geral, é uma palavra, uma
frase que eu li ou ouvi que vai me inspirar à ideia e por fim à poesia. Por
exemplo, estava na Bahia, recentemente, e ouvi uma pessoa falar “diga a fulano
que ele volte aqui e volte pianinho”. Eu amei essa frase e quero escrever
alguma coisa, só pra usar essa palavra “volte pianinho”, “fique pianinho” que
na Bahia quer dizer “volte com o rabo entre as pernas”, “volte calado”, sem
querer reclamar, reivindicar, etc.
Jordan / Foto: Marco Santo |
O que a obra representa para
você? Você acredita que a escrita do livro te transformou de alguma forma?
JORDAN: Representa uma prestação
de contas. Costumo dizer que não escrevi esse livro sozinho, fui
arbitrariamente visitado por homens pretos gays que viveram nos séculos XIX,
XVIII, durante o período da ditadura, durante o período da disseminação do
vírus HIV, e todos eles me cobravam: você é poeta, escreva minha história! Por
isso no livro você irá encontrar diversas poesias que se passam em todos esses
períodos. Todas elas sobre as expectativas afetivas desses homens e as
realidades que eles encontravam.
Isso nos serve de recado, hoje
nós homens pretos temos a possibilidade de vivenciar nossa afetividade, nosso
erotismo, inclusive com os nossos iguais. E aí? Vamos continuar subjetivamente
colaborando com as teias articuladas pelas pessoas que nos castraram todos
esses séculos? Ou vamos finalmente aproveitar e exercer essa nossa ‘liberdade’?
Quais são os seus projetos
atuais de escrita? O que vem por aí?
JORDAN: Quero inventar uma
poesia afroexistencialista. Uma poesia que descongestione as nossas nóias.
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