No
Brasil, estima-se que 2,9 milhões de indivíduos a partir de 18 anos se declaram
lésbicas, gays ou bissexuais, segundo pesquisa de 2022 do Instituto Brasileiro
de Geografia e Estatística (IBGE). Mas onde estão as histórias dessas pessoas
na literatura, no cinema, na televisão? Embora as pautas queer agora
sejam mais discutidas nos meios culturais, as escritoras Bruna e Gisele
Baldassari sentiam que faltava representatividade sáfica no mercado
literário, principalmente em histórias leves, repletas de comédia e romance.
G.B.
Baldassari: Buenos Aires é uma cidade incrível e, desde que começamos a
escrever, tínhamos vontade de ambientar uma história nela. Achávamos que a
atmosfera do lugar, cheio de livrarias charmosas, boa gastronomia e arquitetura
ímpar daria um cenário maravilhoso para uma comédia romântica. Além do mais, as
histórias nacionais tendem a escolher quase sempre a Europa ou os Estados
Unidos quando a ideia é ambientar fora do Brasil. Achamos que a América Latina
merecia representação.
G.B.
Baldassari: No mundo real, a vida do chef de cozinha é difícil e cheia de
desafios. Mas, na ficção e no imaginário popular, é uma profissão bem mais
glamourizada. Tentamos unir esses dois lados, retratando o universo de um
restaurante renomado versus a dificuldade de chegar até ali. É claro que
conhecer os processos, as funções de cada chef, os utensílios, os ingredientes,
os pratos clássicos, tudo isso foi de grande ajuda, mas a escolha por alocar a
história numa cozinha de alta gastronomia teve mais a ver com a cidade, com a
sua grande vocação gastronômica, do que com a formação em gastronomia.
G.B.
Baldassari: Nossas histórias, em geral, falam sobre mulheres no início da
vida adulta. Nosso interesse não está em tratar temas como autodescoberta ou
saída do armário. Queremos falar sobre pessoas que já passaram dessa fase e
agora lidam com os conflitos de sair de casa, entrar no mercado de trabalho e,
no caso dessa história, se firmar num universo que historicamente sempre foi
dominado pelos homens, que é a alta gastronomia. A personagem está numa cruzada
para entender seu papel num mundo que muda todos os dias, assim como todas nós.
G.B.
Baldassari: Como mulheres lésbicas, nos deparamos todos os dias com dois
universos, um que há muito tempo já normalizou nossas vivências e nos acolhe
como iguais. E um outro que ainda resiste, que se apoia em conceitos religiosos
e que não reconhece a nossa existência. Isso fica explícito quando vemos a
quantidade de séries sáficas que são canceladas depois da primeira temporada
todos os anos. Lutar contra isso é desgastante, mas é a nossa realidade, e a
nossa forma de combater isso com leveza é contar as histórias que nós sempre
amamos assistir na nossa infância e adolescência, mas onde nós nunca
aparecíamos.
G.B.
Baldassari: Esse é o primeiro projeto de assinatura de contos exclusivamente
sáfico já feito. Temos muito orgulho dele e de como foi amplamente abraçado por
essa comunidade de leitoras que sempre foi tão carente de representação.
Chegamos a ter mais de 600 assinantes simultâneos e já passaram mais de 1.200
pessoas pelo clube. É uma prova de que as pessoas estão dispostas a apoiar a
literatura sáfica e aprovam esse tipo de iniciativa. Em “Uma pitada de sorte”,
temos duas mulheres lutando por espaço na alta gastronomia. É um reflexo da
vida aqui fora, onde nós lutamos diariamente para ocupar espaços onde nunca
estivemos, como as livrarias.
G.B.
Baldassari: Começamos como um hobby, algo que gostávamos de fazer juntas
nas horas vagas e acabamos tornando isso nossa profissão. Atualmente somos
escritoras, já conseguimos viver de escrita, e isso é muito recompensador
porque não é algo fácil de ser alcançado. Então, sob o ponto de vista
profissional, a escrita nos aproximou mais. Como casal, nos damos muito bem
trabalhando juntas, achamos que a força das nossas histórias reside justamente
na união das nossas escritas.
G.B.
Baldassari: Sim, começamos na autopublicação em 2021 e temos outras quatro
histórias na plataforma da Amazon, todas com mais de mil avaliações cada. “De
Repente, Namoradas” tem quase três mil. Temos um romance previsto para abril
que também sairá pela Amazon, resultado de uma das metas do nosso projeto de
assinatura que elegeu um dos contos para virar um livro. E para o segundo
semestre teremos mais um lançamento pela editora, que, assim como “Uma pitada
de sorte”, estará nas livrarias.
Site das
autoras: https://gbbaldassari.com.br/
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