"Dois Preto Apaixonado na Cama", do
slammer baiano JORDAN, busca investigar uma definição de "erotismo"
que contemple vivências homoafetivas afrocentradas
O poeta, slammer, dramaturgo e compositor baiano JORDAN (@jordandecamacari) é o vencedor do Prêmio Caio Fernando Abreu, premiação literária ligada ao Festival MIX Brasil (que é voltado à cultura e público LGBTQIAPN+) . O livro de poemas "Dois Preto Apaixonado na Cama", contemplado pelo prêmio, tem a premissa da reivindicação de narrativas afrocentradas no contexto das relações homoafetivas entre homens. Os poemas do livro não se fixam na definição normativa de "erotismo", mas também investigam temáticas como a insalubridade das oportunidades de trabalho, o genocídio da juventude negra e a objetificação do homem negro. A obra tem previsão de lançamento pela editora Reformatório no primeiro semestre deste ano.
Nas palavras do próprio
autor, "Dois Preto Apaixonado na
Cama" surge enquanto "prestação de contas". Afinal, segundo
ele, o amor entre homens negros "existe nas quebradas, do Curuzu ao Vidigal, existia nas senzalas mais constrangidas e nos quilombos mais
corajosos” mas não é representado em exposições, nem na literatura clássica,
nem na lista das mais ouvidas da Billboard.
JORDAN conta que o tema
começou a ser trabalhado dentro de sua vivência no Slam, modalidade de poesia
falada que, no Brasil, tornou-se um espaço de articulação e resistência de
comunidades marginalizadas ou dissidentes. Ao longo do período de um ano, escreveu
todo o material que hoje compõe o livro.
Para ele, o processo de
escrita do livro não se deu sozinho, mas também a partir da "visita
arbitrária" de personagens de diferentes épocas da história brasileira,
que vão do século 18 ao período de disseminação do vírus HIV, abrangendo também
a Ditadura Militar. "No livro você irá encontrar diversas poesias que se
passam em todos esses períodos. Todas elas sobre as expectativas afetivas
desses homens e as realidades que eles encontravam", afirma.
Além de retratar e
reivindicar essas narrativas, sua poesia também propõe o questionamento e a
construção de uma subjetividade ampla e complexa, na contramão de estereótipos
e práticas coloniais que reafirmam a castração de corporeidades e afetos
dissidentes. "Nós homens pretos
precisamos investigar o que é erotico pra gente. Para além de adotar as
performances que estão pré-estabelecidas e nos acomodar nelas", conclui.
Dessa forma, o
"erotismo" de "Dois Preto
Apaixonado na Cama" não se restringe à libido e ao prazer, mas se
apropria também da definição que o filósofo Georges Bataille cunhou para o
termo, isto é, tudo aquilo que coloque o indivíduo em situação limite. Logo,
faz parte da obra também o incômodo e a denúncia, abrangendo temas como
violência estrutural, genocídio, objetificação e assédio vivenciado por homens
negros.
Em busca de uma poesia “afroexistencialista”
Nascido em Camaçari,
região metropolitana de Salvador, na Bahia, JORDAN atualmente reside em São
Paulo, capital. É poeta, slammer, dramaturgo e compositor, além de acadêmico na
área de Letras. Além de "Dois Preto
Apaixonado na Cama", que venceu o Prêmio Caio Fernando Abreu de 2023,
possui duas peças de teatro publicadas.
Ele começou a escrever
assim que foi alfabetizado, registrando histórias ficcionais nas páginas finais
de seus cadernos. Hoje, continua tendo preferência pela escrita "a
punho", e seu processo criativo se baseia principalmente em anotar palavras,
frases ou expressões que ouviu ou leu, que servem de inspiração à sua produção
poética.
JORDAN se considera um
escritor eclético, produzindo desde poesias mais contemporâneas até cordéis,
receitas culinárias e poemas parnasianos. Sua maior referência literária é o
escritor João Ubaldo Ribeiro, mas ele também cita autores como Marcelino Freire,
Elisa Lucinda, Roberto Piva, Oliveira Silveira, Jefferson Tenório e Jericho
Brown como influências.
O autor possui relações
diferentes com cada um dos gêneros que publicou, a dramaturgia e a poesia:
"Minhas peças de teatro, além de serem de uma outra linguagem, estavam
dedicadas a temas muito mais burocráticos. Acho que nesse trabalho ("Dois preto
Apaixonado na Cam a") eu entro num campo mais subjetivo".
Em relação à projetos
futuros, JORDAN conta que pretende inventar uma nova linha temática na poesia,
a "poesia afroexistencialista", que ele define como "uma poesia
que descongestione as nossas nóias."
se amando
e pro mundo
isso
era uma grande novidade
nem música
para o nosso amor…
nenhuma obra de arte”
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