Carolina Maria de Jesus,
comemoraria hoje 110 anos. A escritora nasceu em Sacramento, cidade de Minas
Gerais, em 14 de março de 1914. Filha de um casal de negros que migraram para a
região no início das atividades pecuárias, a menina Carolina estudou muito
pouco.
Em 1923 foi matriculada
no colégio Allan Kardec, que foi a primeira escola espírita do Brasil, na qual
crianças pobres eram mantidas por pessoas influentes da sociedade. Na
instituição estudou por dois anos, sendo mantida por Maria Leite Monteiro de
Barros, para quem a mãe de Carolina trabalhava como lavadeira.
Foi em 1937, aos vinte e
três anos, que ela se mudou para São Paulo. A cidade paulista iniciava o
processo de modernização e começavam a surgir as primeiras favelas. Com os
filhos – João José de Jesus, José Carlos de Jesus e Vera Eunice de Jesus Lima –
habitou por um bom tempo a favela do Canindé, que ficava localizada às margens
do Rio Tietê.
Como era responsável pela
garantia do sustento dos filhos, Carolina vivia de catar papéis, ferros, latas
e outros materiais recicláveis nas ruas da capital paulista. Era desse árduo
trabalho que vinha sua fonte de renda.
Sempre fora uma leitora,
daquelas que liam de tudo que caia em suas mãos e logo tomou o hábito de
escrever. Foi assim que teve início sua trajetória de registrar em cadernos o
cotidiano de sua vida na comunidade. Assim ela já estava construindo aquele que
viria a se tornar uma obra importante para entender do Brasil daquele tempo e que
se tornou o seu maior sucesso: “Quarto de despejo: diário de uma favelada”.
Na década de 1950,
Audálio Dantas, jornalista, fazia algumas matérias para a Revista Cruzeiro na
comunidade em que Carolina Maria de Jesus vivia. Numa praça, uma mulher chamou
a atenção do jornalista, pois ela estava confrontando alguns adultos que
estavam danificando brinquedos que foram instalados para uso das crianças. A
mulher os ameaçava de denunciá-los tornando-os personagens de seu livro.
Conversando com Carolina,
ela explicou a Audálio que tinha vários cadernos em que narrava suas histórias.
Ele se interessou pelo material e se comprometeu a divulgar.
O livro Quarto de
Despejo, nascido a partir de tais cadernos, foi publicado em 1960. Logo a obra
virou um fenômeno editorial, alcançando a marca de trinta mil exemplares
vendidos em sua primeira edição e cem mil exemplares, considerando a segunda e
terceira edições. Carolina foi traduzida para treze idiomas e o livro foi
distribuído para mais de quarenta países.
Carolina publicou ainda
mais três livros: Casa de Alvenaria (1961), Pedaços de Fome (1963), Provérbios (1963).
O volume Diário de Bitita (1982) foi uma publicação
póstuma que teve origem também em seus manuscritos. O livro foi editado
primeiro na França, com o título Journal de Bitita, que teria recebido, a
princípio, o título de Um Brasil para
brasileiros.
Em 1997, o pesquisador
José Carlos Sebe Bom Meihy, autor do volume crítico Cinderela negra, em que discute a vida e
a obra da autora, reuniu e trouxe a público um conjunto de poemas inéditos com
o título de Antologia pessoal.
Carolina Maria de Jesus
teria ainda deixado inéditos dois romances: Felizarda e Os escravos (este último lançado recentemente pela Companhia das
Letras).
Em 13 de fevereiro de
1977, a autora faleceu em sítio situado em Parelheiros, na periferia de São
Paulo. A escritora estava quase esquecida pelo público, pela imprensa e pelo
mercado editorial. Mais recentemente, os
escritos de Carolina têm se tornado objeto de artigos, dissertações e teses.
Além das publicações
póstumas das décadas de 1980 e 1990, em 2014 foi editada a coletânea Onde estaes felicidade? e,
em 2018, Meu sonho é
escrever... contos inéditos e outros
escritos.
Em paralelo, sua
trajetória de mulher negra, mãe, marginalizada e oriunda dos estratos mais carentes
da população brasileira já é objeto de três biografias,
assinadas por pesquisadores de peso: a primeira, escrita por Eliana de
Moura Castro em parceria com Marília Novais da Mata Machado; a segunda,
assinada por Joel Rufino dos Santos; e a terceira, de 2018, de autoria de Tom
Farias.
Além de instrumento de denúncia social produzido por alguém que efetivamente viveu em condições de vida devastadoras, as mais de cinco mil páginas manuscritas da escritora, entre romances, crônicas, contos, poemas, peças teatrais, músicas e textos híbridos, dotadas de um estilo próprio, confrontam a tradição literária, aprofundam questões de um Brasil desigual e revelam um confronto da norma padrão culta da língua.
Exaltemos Carolina Maria
de Jesus e sua produção literária que retrata de forma profunda o Brasil e os
brasileiros que vivem na invisibilidade.
“Quando o homem decidir reformar
a sua consciência, o mundo tomará outro roteiro.”
(Carolina Maria de Jesus)
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