Bethânia Pires Amaro
concedeu uma entrevista ao Tomo Literário.
Vencedora do Prêmio
Sesc de Literatura 2023 e Prêmio APCA com o livro de contos “O ninho” e
vencedora do Prêmio Mário Quintana 2022 na categoria contos, Bethânia nasceu em
Pernambuco e foi criada na Bahia.
Escreve e pesquisa
sobre protagonismo e empoderamento feminino. Bethânia é graduada e pós-graduada
em Direito pela Universidade Federal da Bahia e mestre em Direito do Estado
pela Universidade de São Paulo. Atualmente mora na capital paulista, onde atua
como advogada pública.
Na entrevista Bethânia
Pires Amaro falou sobre seu livro “O ninho”, sobre sua trajetória até a escrita
do primeiro livro, o mercado literário para as escritoras brasileiras, indicação
de livros, sua formação como leitora/escritora, o papel das redes sociais e
muito mais
Tomo
Literário: Para iniciarmos, gostaria que você nos contasse um pouco da sua
trajetória até começar a escrever o seu primeiro livro..
Bethânia Pires
Amaro: Sou advogada de formação, mas sempre escrevi,
desde pequena. Durante a universidade, já participava de concursos literários
de contos, época em que passei a integrar várias antologias e tive um conto
traduzido para o alemão pela Arara Verlag. No entanto, foi somente após a
pandemia que resolvi me dedicar mais à escrita de ficção para trabalhar no meu
primeiro livro. Fui aluna do Curso Livre de Preparação de Escritores da Casa
das Rosas de São Paulo e da Oficina de Criação Literária da Pontifícia Universidade
Católica do Rio Grande do Sul, com o Prof. Dr. Luiz Antonio de Assis Brasil,
anos nos quais desenvolvi o projeto de meu livro de contos, publicado no ano
passado pela Editora Record, após vencer o Prêmio SESC de Literatura.
Quem foram as
pessoas que mais te influenciaram na sua formação como leitora? Que livros e/ou
escritores fizeram parte de sua formação como escritora? E quais você indicaria
aos leitores?
Bethânia Pires
Amaro: Sempre tenho dificuldades em responder a estas
duas perguntas, porque leio muito desde criança e tive inúmeras referências ao
longo dos anos. Penso que a leitura é um dar as mãos que chega até nós de
inúmeras formas: em casa sempre fui incentivada a ler e na escola costumava
passar boa parte dos recreios na biblioteca, atrás de livros de ficção, e
depois tentava criar minhas próprias histórias. Comecei pelos livros escolares
infantis e por autores que encontrava na biblioteca da escola, como Pedro Bandeira,
Lygia Bojunga, lia muitos livros da coleção Vaga-Lume, e aos poucos fui
transicionando para os clássicos brasileiros e estrangeiros. Frequentava também
os sebos da cidade, para conseguir livros por preços mais acessíveis, e cheguei
a fazer cartões na biblioteca municipal em nome da minha família inteira para
poder pegar mais livros, exatamente como no livro de Elena Ferrante (esta
tática funciona muito bem, recomendo!).
Aos leitores, eu
indicaria a obra de diversos autores nacionais contemporâneos, que falam sobre
a nossa cultura, nossas vivências e nosso povo. “Um defeito de cor”, de Ana
Maria Gonçalves, é o primeiro título que me vem à mente como uma das melhores
leituras que já fiz e que, apesar dos anos, continua reverberando dentro de
mim, que é o maior presente que um livro pode nos dar.
Tomo Literário:
“O ninho” é um livro que apresenta um mosaico de personagens femininas que
enfrentam adversidades. Como surgiu a ideia desse livro?
Bethânia Pires
Amaro: O livro começou a ser escrito em 2021, com um
formato totalmente diferente: de início (acreditem se quiser), seria uma
coletânea de contos curtos, mais voltados para o humor. No entanto, à medida
que ia escrevendo, passei a notar que os mesmos temas voltavam repetidamente a
assombrar as minhas histórias – temas relacionados à maternidade, em especial,
e a conflitos familiares. Fui aprofundando meus estudos sobre a narrativa,
deixando que o projeto amadurecesse e ele foi naturalmente se convertendo em outra
coisa, num projeto mais denso e focado no protagonismo feminino, alimentando-se
de nossa rica literatura latino-americana contemporânea feita por mulheres. A
primeira versão do livro foi submetida à leitura crítica de Anita Deak, que me
ajudou a identificar com mais clareza os caminhos possíveis para o livro, e a
partir daí passei a trabalhar na segunda versão do manuscrito, até chegar a
esta versão final de O ninho.
Tomo
Literário: A obra foi ganhadora do Prêmio Sesc de Literatura de 2023 na
categoria contos. Como foi ser ganhadora de um prêmio bastante significativo no
cenário literário?
Bethânia Pires
Amaro: Ganhar o prêmio foi uma surpresa maravilhosa.
Sabemos a quantidade de excelentes obras que concorrem, e considero uma honra
que o meu manuscrito tenha sido escolhido pela Giovana Madalosso e pelo Sérgio
Rodrigues como vencedor da edição de 2023, na categoria contos. Tenho um
contato muito próximo com o Prêmio SESC porque já há muitos anos acompanhava as
obras vencedoras, enquanto leitora, e desde então minha admiração e gratidão ao
prêmio só aumentaram, ao ver de perto a seriedade e competência de todos os profissionais
envolvidos na sua organização, e na consequente promoção da literatura
brasileira e dos autores estreantes.
Tomo Literário:
Quais são as suas expectativas a partir de agora que o livro ganha visibilidade
com a premiação e que já está materializado?
Bethânia Pires
Amaro: Meu principal objetivo é que a obra chegue ao
máximo de leitores possível, porque um livro se escreve para que seja lido e
enriquecido pelo debate coletivo. Quando estava escrevendo O ninho, eu foquei
especialmente em criar experiências particulares para os leitores, que demandam
uma postura ativa para construção dos sentidos do texto e para compreensão dos
conflitos das personagens. Ou seja, é um livro que espera muito do leitor, que
conta com essa participação e engajamento para se desenvolver e idealmente
permanecer na memória de quem lê. Por isso, o melhor retorno tem sido o de leitores
que compartilham a experiência de leitura que tiveram, que iniciam discussões
sobre estas histórias e apresentam novas perspectivas sobre o texto.
Tomo
Literário: Qual das personagens do livro você diria para o leitor prestar
bastante atenção? Por qual motivo?
Bethânia Pires
Amaro: A narradora do conto “A causa” deve observada com
muito cuidado pelo leitor, pois ela esconde alguns aspectos de sua
personalidade e poderá surpreender os leitores mais atentos ao longo do conto.
Na construção de personagem em primeira pessoa, muitas vezes, temos acesso
somente àquilo que o narrador nos conta, por isso é gratificante ir descobrindo
o que se oculta nas entrelinhas e formando nossas próprias conjecturas.
Tomo
Literário: Em “O ninho” nós temos a presença marcante de personagens femininas.
Como você vê a mulher no cenário atual da literatura brasileira? Estão ocupando
o devido espaço?
Bethânia Pires
Amaro: As mulheres brasileiras não apenas escrevem muito,
como são a maioria dos leitores também, segundo pesquisas recentes. Felizmente,
tem havido um movimento de maior interesse pela obra de autoras nacionais e,
hoje em dia, ao entrar numa livraria, tem sido cada vez mais comum encontrar em
destaque livros de autoras contemporâneas como Carla Madeira, Giovana Madalosso
e Aline Bei, o que não acontecia quando eu era adolescente. É muito importante
que as mulheres ocupem esses espaços porque a produção feminina é rica e vasta,
apesar de ter sido historicamente marginalizada. Por muito tempo, houve um
grande silenciamento de vozes literárias femininas, seja pelo excesso de trabalho
doméstico, pelo cuidado com os filhos ou pela própria falta de oportunidades no
mercado literário. Embora muitas destas dificuldades não tenham desaparecido, a
literatura produzida por mulheres tem alcançado maior evidência e mostrado que
veio para ficar – não à toa, a autora mais vendida do país é uma mulher.
Tomo
Literário: Seu conto O adeus da eletricidade foi premiado no Concurso de Contos
Maximiano Campos e traduzido para o alemão pela Arara Verlag. Ter suas
histórias publicadas em outros países é um desejo?
Bethânia Pires
Amaro: Com certeza, quanto maior o alcance, quanto mais
leitores, mais a obra se engrandece pelas múltiplas impressões e pelos debates
que proporciona. Apesar das conhecidas dificuldades de internacionalização da
literatura brasileira, penso que nossas obras têm muito a acrescentar a
leitores de outros países.
Tomo
Literário: O que é preciso para escrever uma boa história?
Bethânia Pires
Amaro: A própria definição do que é uma boa história, ao
meu ver, não é unânime, mas para mim uma boa história é aquela que nos força a
reagir, que nos tira de nossa zona de conforto e é sentida com potência. Para
escrevê-la, é preciso em primeiro lugar um olhar específico sobre fragmentos de
nossas humanidades, algo de particular e curioso que não seja uma simples
repetição do lugar-comum. Em segundo lugar, é preciso dominar a técnica
necessária para transmitir ao leitor a experiência desejada, considerando-se que
existem múltiplos caminhos para consolidar a escrita de um livro. Passar
adiante o que sentimos, enquanto autores, é uma das tarefas mais difíceis da
escrita criativa. Penso que não há fórmulas prontas nem chaves universais para
esse objetivo, cada autor terá que desbravar sua própria trajetória, vendo o
que funciona melhor para si e para seu leitor. Ainda assim, na minha
experiência, ajuda muito ter uma ampla bagagem de leitura e, principalmente,
uma crítica honesta do manuscrito, que nos ajude a identificar falhas e pontos
cegos antes da publicação.
Tomo Literário:
Como você descreveria o seu processo de escrita criativa? Tem algum hábito?
Bethânia Pires
Amaro: Não tenho rituais específicos, nem sou muito
disciplinada na hora de escrever. Gosto de respeitar meu tempo interno e o
tempo da história, mas ainda assim costumo elaborar um planejamento geral do
projeto e estabelecer algumas metas, para evitar que eu me torne muito
dispersa. Não escrevo todos os dias, mas procuro diariamente estar em contato
com formas de expressão artística que conversem com o meu texto: outros livros,
filmes, músicas ou exposições e peças teatrais.
Tomo
Literário: Cada vez mais o uso de redes sociais e da tecnologia de modo geral
tem feito parte da vida dos leitores. Tais recursos influenciam a sua forma de
construir histórias ou te ajudam na promoção do seu trabalho com a escrita?
Bethânia Pires
Amaro: Escrevo sempre no computador, nunca à mão, então já
nesse aspecto a tecnologia é parte essencial do meu trabalho criativo. Para
anotar ideias também prefiro os blocos de notas digitais que carrego no celular
e para leitura costumo usar dispositivos eletrônicos como o Kindle, pela
praticidade de poder carregar comigo múltiplos volumes. Após a publicação de O
ninho, tenho também dedicado mais tempo às redes sociais, especialmente à minha
página no Instagram, porque penso que é um meio de me aproximar dos leitores e
de promover a divulgação do livro – ainda assim, reconheço que a atualização
das redes é um trabalho que consome mais tempo do que eu desejaria. De todo
modo, é muito gratificante estabelecer este contato, ainda que virtual, com os
leitores, ler seus comentários e ter uma forma acessível de trocar ideias sobre
o livro com pessoas por todas as partes do país. Mesmo a realização de cursos e
oficinas tem sido facilitada pelo acesso remoto e, apesar das limitações
inerentes a este tipo de convívio, e dos alertas que devemos ter quanto à
ficcionalização da vida que se opera muitas vezes nas redes sociais, de forma
geral penso que podemos utilizar a tecnologia para nos aproximarmos uns dos
outros e para promover a literatura brasileira.
Tomo
Literário: De que maneira a sua formação em Direito e sua atuação como advogada
pública influenciam nas suas histórias?
Bethânia Pires
Amaro: Em termos de conteúdo, ao menos conscientemente,
muito pouco. Penso que a formação jurídica influencia especialmente na
linguagem do livro, que tive que desconstruir, de certo modo, para que não se
tornasse muito formal. O mundo jurídico é regido por leis diferentes daquelas
que guiam o meu processo criativo, embora seja justo dizer que todas as minhas
experiências, inclusive profissionais, contribuem em alguma medida para o
conjunto de vivências que inspiram minhas histórias.
Tomo Literário:
Tem projetos novos vindo por aí? Pode nos contar sobre eles?
Bethânia Pires
Amaro: Pretendo continuar publicando livros sobre
mulheres brasileiras em todas as suas singularidades, mas, por enquanto, estou
focada na divulgação de O ninho. Espero ter novidades em breve!
Tomo Literário: Vamos fazer um “isto ou aquilo” e você complementa com o que achar necessário:
Tomo
Literário: Texto longos ou textos curtos?
Bethânia Pires
Amaro: Gosto dos dois, desde que sejam bem executados.
Tomo Literário: Escrever no silêncio ou se inspirar com ruídos?
Bethânia Pires
Amaro: Em silêncio, com certeza, não consigo me
concentrar com muito barulho.
Tomo Literário: Planejar a história ou deixar a história acontecer?
Bethânia Pires
Amaro: Penso que alguma medida de planejamento é
necessária, mas não gosto de fixar muitas amarras, então vou ficar no meio do
caminho entre as duas opções!
Tomo Literário: Direito de escrever ou escrever sobre Direito?
Bethânia Pires
Amaro: O direito de escrever com certeza, que inclusive é
pressuposto para que se escreva sobre qualquer outra coisa.
Tomo Literário: Carnaval de Pernambuco ou carnaval da Bahia?
Bethânia Pires
Amaro: Como me sinto pernambucana e baiana ao mesmo
tempo, é uma escolha impossível! Mas ainda não conheço o carnaval de Olinda,
tenho muita vontade de ir. O de Salvador, é claro, é maravilhoso.
Tomo Literário: Quer comentar algo que tenhamos abordado ou deixar algum recado para os leitores?
Bethânia Pires
Amaro: Agradeço muito o convite para a entrevista e o
interesse no meu trabalho! Espero que gostem de O ninho!
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