[Resenha] A casa no mar cerúleo – T. J. Klune - Tomo Literário

[Resenha] A casa no mar cerúleo – T. J. Klune

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A casa no mar cerúleo, do escritor T. J. Klune foi publicado no Brasil pela Morro Branco Editora em 2022. A obra de 376 páginas foi traduzida por Lígia Azevedo.

Linus Baker é um homem que vive solitário. A sua companhia é uma gata chamada Calliope. Apesar de morar sozinho, Linus parece ser um homem que tem preocupações com terceiros, já que exerce como profissão a supervisão de orfanatos que são mantidos pelo governo. Aos quarenta anos, vivendo numa minúscula casa e cercado de velhos discos, enquanto seguia sua rotina sobrecarregada, uma convocação muda completamente a vida desse homem.

O Alto Escalão o convoca para uma missão de grande importância, mas que requer alta confidencialidade. Linus será o responsável por visitar o Orfanato de Marsyas, que fica localizado numa ilha e mantém distante dos olhos dos moradores locais, seis crianças que tem características para lá de extraordinárias. Não são crianças que, a priori, possam ser chamadas de crianças comuns. O orfanato é capitaneado por Arthur Parnassus, um homem enigmático, mas disposto a proteger as crianças das coisas horríveis que podem acontecer com elas, já que os moradores da ilha, não desejam conviver com aquelas criaturas diferenciadas.

“[...] Há uma diferença entre se apegar e ter empatia. Essas crianças... não têm mais ninguém. É por isso que estão em orfanatos. Não deveriam ter que dormir à noite com a barriga vazia, ou ser obrigadas a trabalhar à exaustão. O fato de precisarem ser separadas das crianças normais não significa que deveriam ser tratadas de maneira diferente. Todas as crianças, independentemente de sua... disposição, ou do que são capazes de fazer, devem ser protegidas a qualquer custo.”

Como Linus sempre foi um profissional minucioso na elaboração de seus relatórios sobre as instituições que teve que acompanhar, a sua convocação visa que ele relate acontecimentos e faça uma análise apurada sobre essas intrigantes crianças. Caberá a ele especificar para o Alto Escalação se essas crianças são capazes de acabar com o mundo ou se o Orfanato deve ser mantido aberto.

Linus, ao conviver no local com as crianças e o enigmático homem responsável pelas crianças, acaba por mexer com segredos que, até então, não haviam sido revelados. Arthur é um homem capaz de tudo para manter os seis órfãos que cuida em segurança e distante do preconceito que é inflado por muitos dos moradores do vilarejo. Na medida em que a história avança o leitor vai tomando conhecimento, com Linus, sobre cada uma das crianças que moram no lar.

A narrativa do autor é fluída e o texto tem bastante sinergia com o público infantojuvenil. A história decerto há de agradar o público, mas não só isso, pelos temas que trata se estende a leitores de qualquer idade.

Vale observamos que a obra coloca em cena a forma como o ser humano trata aqueles que são tidos como diferentes, ao mesmo tempo em que o autor demonstra como é possível que um grupo de pessoas classificadas como tão diferentes e tão singulares, possam conviver em harmonia. Ou seja, é possível que pessoas diferentes e sem laços sanguíneos se tornem uma família.



Notadamente percebemos que também se trata de uma história de coisas improváveis, tendo em vista que nos deparamos com personagens fantásticos que vivem nessa ilha cerca de mistério e magia. (i) Talia é uma gnoma impetuosa e divertida que ama jardinagem. (ii) Phee é uma sprite da floresta. É durona, tem um ar distante e sofreu no passado. (iii) Theodore é uma serpe. É uma criança carregada de pensamentos complexos e que adora botões. (iv) Chauncey não é identificável e é assim definido no livro:  “[...} ninguém sabe o que ele é.” Sempre foi chamado e tratado como monstro e tem um sonho de vida bastante simples: ser mensageiro de hotel. (v) Sal é tímido, quieto e foi abusado e negligenciado. (vi) Lucy é o filho do Anticristo e vive sonhando com a morte e com a destruição do planeta.

“As coisas que mais tememos muitas vezes são as coisas que menos devemos temer. É irracional, mas éo que nos torna humanos. E se formos capazes de vencer nossos medos, não haverá nada de que não seremos capazes.”

Linus tem em suas mãos uma importante decisão, pois o seu relatório será levado em consideração para a definição do Altissímo Escalão. O Orfanato será mantido ou será fechado?

A história construída pelo autor é encantadora. Ele consegue tratar de temas como preconceito, medo, afastamento, descobertas, relações interpessoais, conflitos e união por afeto. Fala sobre as pessoas diferentes e sobre como as diferenças podem ser superadas e, que tais pessoas, apesar de diferentes (ao olhar dos outros) podem conviver numa boa.

Os personagens são bastante singulares, com ares de criação de Tim Burton. Aliás, enquanto lia, muitas vezes me vi como se estivesse assistindo a um filme produzido e dirigido por Burton. São personagens bem construídos e que reforçam suas principais características por meio de suas ações durante a história que nos é contada. Ou seja, a personalidade deles transparecem no modo como lidam com os acontecimentos. Destaco o personagem Lucy, com seus diálogos controversos e cheios de maldade; Chaucey com sua ingenuidade e seu sonho de ser mensageiro e Talia, a gnoma que forma uma dupla bastante intrigante com Lucy.

O estranhamento que as crianças provocam nos outros gera medo. Então, parece ser mais simples para a comunidade isolar e fingir que eles não existem. O preconceito surge, porque as crianças são diferentes. Costumo dizer que pior do que a diferença é a indiferença. E é isso que o pessoal do vilarejo faz com as crianças tuteladas por Arthur.

Ora, somos todos humanos singulares. Cada um tem seus defeitos e qualidades. Ao usar as crianças fantásticas, numa ilha cercada de magia, é possível ao autor apresentar um universo ficcional que reproduz algo que de fato acontece na vida fora das páginas e do texto literário.

“Como podemos lutar contra o preconceito se não fazemos nada para mudar as coisas?”

T. J. Klune soube utilizar uma obra de entretenimento para aguçar o leitor acerca de questões sociais contemporâneas. O texto é emocionante, engraçado, provoca reflexões e diverte. Leitura recomendada.



Sobre o autor:

T. J. Klune é um  autor estadunidente que escreve desde os oito anos. Ganhador dos prêmios Lambda, Alex Award e Mythopoeic Fantasy, ele acredita na importância de representar, agora mais do que nunca, personagens queer de maneira positiva, uma vez que ele é parte da comunidade LGBTQIA+. A casa do mar cerúleo tornou-se sucesso de crítica e de público, figurando nas listas de mais vendidos do New York Times, do USA Today e do Washigton Post.

Ficha Técnica:
Título: A casa no mar cerúleo
Autor: T. J. Klune
Tradutora: Lígia Azevedo
Editora: Morro Branco
Ano: 2022
Páginas: 384
ISBN: 978-65-86015-46-1
Assunto: Ficção americana

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