Adriana Vieira Lomar é a vencedora da 7° edição do Prêmio
Kindle de Literatura com o romance "Ébano sobre os canaviais", inspirado
pela sua vontade de escrever sobre sua ancestralidade: ”Espero que o livro seja
lido e discutido e quem sabe possa contribuir com mudanças de estruturas que
precisam ocorrer.”
Carioca,
passou parte da infância e da adolescência em Maceió/AL. Adriana é pós-graduada em Arte, Pensamento e
Literatura Contemporânea e em Roteiro para TV, cinema e Novas Mídias pela
PUC-RIO.
Em
sua produção literária há os livros “Carpintaria de sonhos” (poemas), “Aldeia
dos mortos” (romance) e “Corredor do tempo” (novela), publicados pela Editora
Patuá; “Ambiguidades”(Editora Penalux) e do romance “Ébano sobre os canaviais”,
que terá sua versão física publicada pela Editora José Olympio.
Adriana
concedeu uma entrevista exclusiva ao Tomo Literário em que fala sobre sua
trajetória na literatura, as inspirações de seus livros, o processo de escrita,
o Prêmio Kindle de Literatura, o lançamento da obra, os escritores que a
influenciaram e sobre novos projetos.
Tomo Literário: Como
foi a sua trajetória até chegar à literatura? Como e quando você decidiu ser
escritora?
Adriana Vieira Lomar: Sempre
gostei de escrever. Amava escrever poemas em cadernos, guardanapos, diários...
guardo fragmentos de escrita com minha letra de criança. Passei minha
adolescência escrevendo diários e cartas imensas. Quando terminava um namoro,
escrevia. Se reatava, escrevia. Se iniciava, escrevia. A escrita foi
amadurecendo. Jorge, meu professor de português deu nota dez em uma prova de
redação. Lembro disso com água nos olhos. O tema era sobre mulheres. Escrevi um
poema e lembro bem da primeira linha: “mulheres que vivem à espera, à espera do
beijo, à espera..."
Em 2005 lancei meu primeiro livro, uma produção
independente. Passei quase uma década conciliando meu trabalho como analista
judiciária com cursos de escrita criativa. Participei de vários grupos
literários: vaca amarela, os quinze. E atualmente participo do Caneta Lente e
Pincel. Acredito que as artes convergem e se complementam. Decidi de fato ser
escritora a partir do lançamento do meu primeiro livro.
Tomo Literário: “Ébano
sobre os canaviais” foi o ganhador do 7º Prêmio Kindle de Literatura. Como foi
para você receber a notícia e como tem sido a repercussão após ter vencido o
prêmio?
Adriana Vieira Lomar: Encaro o
prêmio literário como uma forma da minha literatura se tornar mais conhecida. A
repercussão ainda está por vir, porque o livro só será lançado na Bienal do
Livro. Acaba de sair da gráfica e ainda não foi lido. O livro é um produto
eterno e por isso precisa ter bases sólidas para continuar. Prefiro que seja
assim, pois a meu ver o sucesso repentino fada ao fracasso. O leitor terá tempo
para se debruçar nessa história e pegar a mão dos personagens até o fim.
Personagens que a meu ver dialogam com a ancestralidade do povo brasileiro.
Pouco sabemos sobre nossa origem africana e ainda
convivemos com o racismo estrutural e as consequências do patriarcado em um
país que precisa passar um processo de autoanálise.
Espero que o livro seja lido e discutido e quem sabe
possa contribuir com mudanças de estruturas que precisam ocorrer.
É inimaginável ainda convivermos com o racismo e tomara
que o público leitor se mire em Maria Antonieta, a personagem que criei com
base naquilo que escuto todos os dias. A síntese de um povo que desconhece sua
identidade, que precisou se colorir de branco para usufruir todos os bens da
terra.
Tomo Literário: O livro será lançado em formato
físico na Bienal do Rio de 2023. Como estão as expectativas para o lançamento?
Adriana Vieira Lomar: Aprendi
com o Yoga a viver o presente. Estou sem expectativas, prefiro viver. O livro
acaba de sair da gráfica, só estará nas livrarias a partir do dia 16/9. Na
bienal poderá ser lido antes de ser distribuído para todas as livrarias do
país.
Tomo Literário: Como foi o processo de escrita do
livro “Ébano sobre os canaviais”? Qual foi o ponto de partida para
começar a escrever essa história?
Adriana Vieira Lomar: Eu tinha
vontade, sempre tive, de escrever sobre a minha ancestralidade de matiz
africana. Cresci escutando meu pai me contar uma história que o afligia. Seu
bisavô teve um filho único que herdou um engenho de cana de açúcar. Meu pai não
sabia o nome de sua ancestral preta. Nenhuma certidão de nascimento dizia seu
nome. Esse vazio me moveu à escrita.
Pena que meu pai não está vivo, porque adoraria que ele
lesse com o viés ficcionista a história que eu imaginei.
Tomo Literário: Você também publicou a novela
“Corredor do tempo”, pela Editora Patuá. De onde surgiu a ideia desse livro?
Adriana Vieira Lomar: Corredor
do tempo é uma homenagem que faço à minha infância, ou parte dela. Infância
recheada de histórias pautadas no sobrenatural.
Tomo Literário: Você já transitou pela poesia, como
no livro “Carpintaria de sonhos”, publicado em 2015. A poesia, que tanto requer
do autor o lapidar das palavras, foi uma fonte de provocação para que
você começasse a escrever narrativas?
Adriana Vieira Lomar: Talvez
sim. As narrativas por vezes aparecem desalinhadas, desestruturadas e a poesia
consegue sintetizar. Eu continuo escrevendo e entre um verso e outro as
estruturas narrativas se encontram. Temo a distinção rígida de prosa e verso
porque acredito que os gêneros se convergem. No meu caso, desconfio que
sim.
Tomo Literário: Quais foram os livros e escritores
que te influenciaram ao longo da vida?
Adriana Vieira Lomar: O
primeiro crítico literário que analisou meu manuscrito foi Ivo Barroso. Na
orelha do “Carpintaria de sonhos” ele disse que eu não tinha influência de
nenhum escritor. Eu concordo com o Ivo Barroso. Gosto de algumas inversões, de
escrever frases inteiras sem um verbo sequer, invento algumas palavras e sinto
sempre a língua viva. Não temo as palavras que me chegam.
Talvez essa característica tenha sido desenvolvida ao
longo da minha trajetória, porque não endeuso nenhum escritor/escritora. Por
exemplo, gosto muito de Grazia Delleda, Agota Kristof, Katherine Mansfield,
Hilda Hilst. As duas primeiras pouco comentadas. Há pérolas que não tiveram o
devido merecimento. Isso acontece muito no meio literário, infelizmente. No afã
de vender, o mercado se rende ao modismo.
A lista é infindável. Dos famosos, eu gosto muito de
Clarice Lispector, Sérgio Santana, Gabriel Garcia Marques, Mario Vargas Llosa,
Manuel de Barros, Carlos Drummond de Andrade, Ferreira Gullar, Jorge Luiz
Borges, Lima Barreto, Joseph Conrad, Edgard Allan Poe,... são muitos, talvez
não caibam na página. E os mestres: Franz Kafka, Graciliano Ramos, Ítalo
Calvino, Humberto Eco, Jorge de Lima, Gunter Grass. Desejo sempre descobrir novos autores.
Adriana Vieira Lomar: Sim. Sou
disciplinada, do contrário os meus projetos literários não nasceriam. Acordo,
faço meus exercícios e depois escrevo. Até abril eu tinha um trabalho formal,
então, eu colocava despertador para tomar banho e assumir meu cargo como
analista judiciária. Aposentei-me em Abril e agora estou livre para continuar a
escrever. O romance quando está sendo escrito não pode sofrer interrupção,
precisa de continuidade. Preciso de uma rotina para conseguir manter o tônus da
narrativa.
Tomo Literário: Depois da Bienal do Rio você já tem a
agenda de lançamentos de “Ébano sobre os canaviais”?
Adriana Vieira Lomar: Ainda não está fechada, mas pretendo lançar em
Outubro em Maceió e no Rio. O livro saiu da gráfica hoje (véspera da Bienal). A
divulgação ainda acontecerá. Estou tranquila, porque acredito que o livro será
lido aos poucos.
Tomo Literário: Você está trabalhando em algum outro
livro? Tem algum projeto novo vindo por aí? Conte-nos tudo.
Adriana Vieira Lomar: Sim.
Estou no primeiro tratamento, ele já foi lido e me parece que possa dar samba.
Eu certamente ainda relerei suas páginas infindáveis vezes pra depois lançá-lo
ao mundo. Esse projeto está na minha gaveta há uma década. Não poderei revelar
o título do livro, porque o título é o último a se revelar. O livro trata dos
sentimentos mais íntimos em meio às tragédias.
Tomo Literário: Além da literatura, o que Adriana
Vieira Lomar gosta de fazer?
Adriana Vieira Lomar: Gosto de
ler, fotografar, praticar yoga, tomar um bom café e dar risadas com meus
amigos. Ligar para eles e dizer: eu estou com saudades, vamos nos encontrar?
Gosto de fazer amizades. Tenho amigos de todas as faixas etárias, inclusive
tenho amigos de infância.
Tomo Literário: Quer deixar algum recado para os
leitores do site ou comentar sobre algum assunto que não tenhamos abordado?
Adriana Vieira Lomar: Continuem
lendo bastante porque vocês são fundamentais para que a literatura permaneça
viva. Caso gostem de escrever, lancem seus livros, não temam a crítica. A
leitura crítica é necessária e aproveito para dizer que faltam críticos no
Brasil.
Falo de uma crítica consciente, respaldada. Ando
preocupada com o copia e cola da web, as resenhas rápidas, os milhares de
seguidores comprados, a inteligência artificial entrando no cérebro e
narrativas verdadeiras se perdendo...
Literatura não pode ser leiloada. Como uma joia, precisa
ser guardada no coração do leitor e divulgada para alimentar o espírito.
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