Romance de formação - Tomo Literário

 


Capitães da Areia, livro do escritor Jorge Amado é um romance de formação. O termo que deu origem a essa classificação foi a palavra alemã Bildungsroman, que também designa esse tipo de romance como “romance de aprendizagem”.

A característica principal de um romance de formação é apresentar um personagem principal em uma jornada, que pode ser da infância à maturidade, por exemplo, em busca de crescimento espiritual, político, social, psicológico, físico ou moral. A história de um romance de formação narra e ilustra as dificuldades e percalços do personagem durante esse caminho de formação.

Não é necessário que o romance de formação apresente a vida inteira do protagonista, mas a cronologia, a sequência dos fatos, tem importância nesse tipo de romance, pois é  esse percurso feito pelo protagonista que vai mostrar o seu amadurecimento, ou seja, são as vivências do personagem que vão moldar a personalidade dessa criatura. Importante mencionar que a cronologia não significa que a obra deve ser linear, pode entremear capítulos ou passagens que falem sobre o passado e o presente do protagonista.

No caso do Capitães da Areia nós acompanhamos a jornada de vida dos meninos que formam o grupo que vive num trapiche abandonado no cais do Porto de Salvador, sobretudo Pedro Bala- que protagoniza a história. Os jovens passam por um processo de formação que se dá num período de suas vidas. Note que no livro não há menção de nenhuma data, mas a sequência de acontecimentos mostra a vida dos personagens com a passagem do tempo e há uma busca realizada por eles. Cada um dos personagens tem um anseio que persegue ao longo do recorte de vida que é contado no livro.

Outro livro que podemos citar como exemplo de um romance de formação é a obra Ponciá Vicêncio, o primeiro livro da escritora Conceição Evaristo. Ali acompanhamos a jornada da protagonista que dá título à obra de sua infância até a fase adulta, em recortes que são feitos pelo ir e vir de sua memória.

Romance de formação versus jornada do herói

Vale lembrar que romance de formação não é jornada do herói. Este último é uma estrutura de contar uma história, que tem por princípio a realização de algumas etapas vivenciadas pelo herói para alcançar o sucesso. A jornada do herói não precisa se passar em um intervalo grande de tempo, como normalmente acontece no romance de formação. Est,  por sua vez, não precisa da jornada do herói para sustentar seu enredo.

A jornada do herói, também chamada de monomito, é uma estrutura de Storytelling. Possivelmente seja uma das mais utilizada em mitos, lendas, romances e obras narrativas em geral, sejam elas curtas ou longas.

A jornada do herói foi criada pelo antropólogo Joseph Campbell em 1949 e apresenta como conceito uma forma cíclica de contar histórias, em que o protagonista supera vários desafios para se tornar um herói.
 
O surgimento do termo romance de formação

O livro Os anos de aprendizado de Wilhelm Meister (Wilhelm Meisters Lehrjahre), é considerada a primeira obra “de aprendizagem” e foi escrita pelo alemão Johann Wolfgang von Goethe.

No livro, é apresentado o jovem Wilhelm, filho de comerciantes ricos, que parte em jornada ao lado de uma companhia de artistas. Ao longo do percurso o rapaz começa a perceber que não quer ser um artista, mas levar uma vida simples, ter esposa e filhos. Então ele é apresentado para a Sociedade da Torre, um grupo secreto que coloca agentes ao redor das pessoas para alterar o curso de suas vidas e mudar suas decisões.

Após conhecer a sociedade, Wilhelm é liberado, pois já estaria preparado para tomar suas próprias decisões. Assim sendo, ele passa a vida a se dedicar ao filho que teve um de seus primeiros amores. Neste momento, reencontra uma antiga namorada, que também faz parte da Sociedade da Torre. Os dois resolvem se casar, mas uma dúvida é deixada pelo escritor: essa seria apenas mais uma artimanha da entidade secreta para controlar o rapaz?




O termo em alemão – Bildungsroman - teria sido empregado pela primeira vez em 1803, pelo professor de filologia clássica Karl Morgenstern, em uma conferência sobre “o espírito e as correlações de uma série de romances filosóficos”, conforme pontua Fritz Martini (1961). Tempos depois, em uma conferência de 1820, o mesmo Morgenstern associara o termo por ele criado ao romance de Goethe.

De acordo com Karl Morgenstern, que cunhou o termo Bildungsroman, a obra de romance de aprendizagem “poderá ser chamada de Bildungsroman, sobretudo devido a seu conteúdo, porque ela representa a formação do protagonista em seu início e trajetória em direção a um grau determinado de perfectibilidade (...)”

Jorge Amado, em Capitães da Areia, usa de tal forma para situar os personagens no nível de classes populares nos anos 1930, embora na obra em si não haja nenhuma menção de data em que a história se passa, como dito anteriormente.

As características de um romance de aprendizagem foram utilizadas por escritores de diferentes escolas literárias e em diferentes épocas. Podemos citar outros exemplos: Grandes esperanças (Charles Dickens), O apanhador no campo de centeio (J.D. Salinger), Martin Eden (Jack London), Este lado do paraíso (F. Scott Fitzgerald), Retrato do artista quando jovem (James Joyce), Adeus Columbus (Philip Roth), The outsiders (S.E. Hinton) e a série Harry Potter (J. K. Rowling).



Dica de leitura:

O romance de formação, de Franco Moretti (Editora Todavia)

Este clássico dos estudos literários interpreta o romance de formação como o grande mediador cultural da Europa do século XIX.

Franco Moretti analisa o surgimento, o auge e a decadência do romance de formação, “forma simbólica” de uma modernidade fascinante e perigosa, na qual os representantes nada heroicos da nova classe média europeia buscam responder a uma questão fundamental: é possível uma vida com sentido?

Goethe e Austen buscam o difícil equilíbrio entre a liberdade individual e os constrangimentos da sociedade. Os heróis de Stendhal e Púchkin já não se adaptam aos ideais da “normalidade”. Os personagens de Flaubert buscarão algum sentido para suas vidas vazias. De Fielding a Dickens, a “formação” não é mais o objetivo das “pessoas comuns”.
 
 

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