“‘Sinto muito’ – escrito
sob o punho de Roberto Passeri, vencedor do Prêmio Book Brasil 2021 – é poesia
em homenagem a ela mesma: é um rompante contra os grilhões de um cotidiano
morto; é a busca pela pujança da vida e da liberdade onde se tem apenas o dia a
dia maquínico; é a doação necessária para que tudo se dê em seu auge.”
Paulo Victor Rodrigues
da Costa, UERJ
Sobre o fundo negro, um coração humano extirpado do peito. Mas ele não está só.
Um segundo olhar mais atento é capaz de perceber dois corações superpostos em
suaves tons de azul e rosa. A capa do livro de poesias “Sinto muito”, de
Roberto Passeri, diz bastante sobre seu conteúdo. É o coração do autor em
estado bruto, exposto, que recebe os impactos do cotidiano, da memória, e os
transpõe em palavras, forjando bela e potente poesia.
tão logo possa
o estado civil
para que eu não construa
uma ideia uma casa uma família
antes de devolver um ridículo
o prazer é meu
como se na minha cabeça
estranha
já não tivéssemos juntos
gozado
pelo resto de nossas
miseráveis vidas.
“Muito prazer”, Pág. 69
“O lugar do nascimento do poeta é a crise”, diz no prefácio o filósofo Paulo Victor Rodrigues da Costa. Consideremos que a crise é o ponto de partida de todo o ser humano em sua jornada de individuação e amadurecimento. As poesias de Roberto Passeri fornecem um vislumbre desse rico processo na alma sensível do dedicado poeta que é. Pois, como ele mesmo diz:
Tudo que é belo e sensível
carrega em si a maldição.
Tudo que está fodido na cabeça
arruma um jeito o coração.
“Contradições” pág. 22
Não por acaso, o livro é dedicado “A todos aqueles fodidos da cabeça e bons demais do coração”.
Sinto muito acena ao leitor com oxigênio poético nos tempos de pandemia em que
foi gestado. Os desafios à saúde mental impostos pelo isolamento social são
enfrentados verso a verso. Aos poucos, as linhas nos levam ao labirinto do
cotidiano onde o autor vai mineirar instantâneos da vida, com suas dores,
absurdos, banalidades e fantasia. O mergulho é profundo, em alguns momentos
sufocante, noutros irresistivelmente doce. Eis o trato que Passeri propõe a
quem o lê: um salto de fé para atestar que não há dor suficientemente ardida
que sua poesia em tom de prosa, de linguagem clara e fluida, não possa tornar
sublime. Em seu primeiro título, Infinitos Lutos – De histórias não contadas de
Chapecó, conduz o leitor pelos escombros de uma tragédia humana coletiva. Aqui,
a aventura é mais particular. Nada resta de intocado: depressão, masculinidade,
estigmas. Passeri escancara as próprias entranhas com sussurros de música para
acalentar a alma. O ofício da escrita fez deste poeta, um viajante. Roda o
mundo em busca de experiências transformadoras e faz delas matéria-prima de seu
fazer literário. Neste livro nos convida gentilmente a uma amorosa carona por
um caleidoscópio de emoções tão bruto quanto delicado.
Sobre o autor:
Roberto Passeri nasceu no Rio de Janeiro em 1991. É jornalista,
poeta, fotógrafo e roteirista, co-autor das séries “Casão” e “Jessie &
Colombo” (Globoplay). Autor do livro “Infinitos lutos”, sobre a tragédia da
queda do avião com o time Chapecoense, merecedor do Prêmio Book Brasil. Seus
contos foram selecionados e publicados nas coletâneas da editora Off Flip em
2021 e 2022.
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