Bom dia, você vai morrer! - Flávio Karras - Tomo Literário

Bom dia, você vai morrer! - Flávio Karras

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“Bom dia, você vai morrer”, livro do escritor Flávio Karras, foi publicado de forma independente em 2021, por meio de financiamento coletivo na plataforma Catarse. Na obra, vamos acompanhar a história do protagonista Crisântemo, narrada por uma larva cadavérica. Sim, isso mesmo, caro leitor, uma larva, cujo nome é Verne.

 

Antes de falarmos sobre a história em si, vale abordarmos um pouco do título do livro. Num primeiro momento ele soa estranho e repetimos algumas vezes para se situar dado o sentimento de estranhamento e a forma chamativa com que acaba nos atingindo (que título é esse?); num segundo momento, a percepção é de algo que queremos rechaçar (não quero morrer, nem vem); num momento outro, percebemos que ele é provocativo (o que o autor está querendo dizer com esse título?). E o título da obra tem sinergia com a capa, levando-se em consideração que por ser um livro que tem a morte como mote central, poderíamos pensar numa capa de cores escuras, mas não, a capa vem em cores claras tal qual o bom dia.

 

A morte. Essa não é a única certeza que temos? Pois bem: bom dia, você vai morrer. Se a morte é certeza única, por que temos esse estranhamento? Talvez o assunto nos assuste, porque nos provoca sentimentos controversos sobre essa etapa, ou porque a morte, desconhecida que é (ninguém sabe efetivamente o que acontece durante e após sua consumação), desperta em nós um misto de formulações de imagens do que há por vir.

 

Mas, se você é um leitor, mais sensível ao assunto e já está formulando teorias nebulosas sobre o livro, recomendo que não se precipite, pois vai te surpreender.

 

A larva Verne, entediada com a sua vida no cemitério, resolve escrever um livro fazendo apontamentos filosóficos sobre o ser humano. Mas não trata apenas da morte como um ponto final da vida, momento em que corpo jaze numa cova e pode ser consumido pela larva e pelos seus. Fala sim, da morte como concepção social. Trata, portanto, do entendimento da morte para o ser humano e a percepção que o sujeito tem a partir dessa compreensão.

 

"Em certa manhã de tédio, fui tomado por uma vontade febril de escrever. Algo além de poesia em livores ou contos na urina concentrada. As palavras se avolumam dentro de mim."

 

Apesar da narradora inusitada, que por si só já ensejaria ares cômicos à narrativa, nós temos uma história que mistura elementos: o terror (que aparece por meio dos personagens e de ações que ocorrem ao longo da trama), o humor (presente nas tiradas ácidas e bem colocadas de Flávio, que são expressas em diálogos ou ações dos personagens) e a criticidade (que aparece de forma explícita e de forma implícita apontando um ou outro comportamento sócio-político).

 

Crisântemo, que recebe o nome de uma flor que é bastante utilizada em velórios, é um estudante de direito que percebe que, no contato com as pessoas, começa a vê-las da forma como vão morrer. Seria uma premonição? Seria esse um poder sobrenatural? Devemos considerar tal habilidade uma benção ou uma maldição? Quando observa alguém, quem quer que seja, visualiza na imagem da pessoa, a representação de sua morte.


Esse fato o leva a passar por situações inusitadas ao lado de seus amigos e é o que aparece em vários momentos da trama. O livro aborda o medo de morrer, uma vez que a visão sobre a morte assusta. É o que sente o personagem central quando vê as pessoas à sua volta do mesmo jeito que estarão em seu momento final. O fenômeno que toma o protagonista, embora o atormente, também vai aos poucos revelando que ele está se acostumando com a situação.


            "Ele tinha que ganhar tempo, pensar, meditar, buscar uma solução para o fenômeno estranho. Poderia investigar as causas, talvez sintomas típicos dos traumas pós-traumáticos, quem sabe algumas consultas médicas, visita a bibliotecas, calmamente e com tempo. Pesquisas que uma "missão" não permitiria conciliar."

 

Por conseguinte, o livro também trata do medo de viver como se morto estivesse. Quantas são as pessoas que apenas vivem, sem nenhum sonho, realização ou passando pela vida como se ela nada significasse? Daí o fato de termos dito no início que trata da percepção que o humano tem em relação a ela (a morte) e como a encara.

Os nomes adotados pelo autor para dar caracterização aos personagens são bem adequados ao contexto da obra e não deixa de ser, além de provocativo, bastante inusitado. Cemi, Tério, Enfisema, Degolada, Cajado, Lúpus, Cancro, Capela, Ossário são alguns dos nomes com os quais o leitor vai se deparar. Sarcástico, não? Perfeitamente adequado para uma história que provoca o leitor e critica aspectos dos mais diversos. O humor presente na obra, torna a leitura agradável, garante uma pitada de reflexão com entretenimento e não menos importante, mantém um cinismo crítico que agrada. Gosto do jeito jocoso de tratar certos temas para provocar reflexão.


"O mundo poderia ter esquecido seu destino final distraindo-se com a alienação da rotina, mas ele não. Por quanto tempo mais permaneceria dobrado em sua própria tristeza correndo entre úlceras, tumores e acidentes?"


O autor imprime um ritmo dinâmico na narrativa e a construção dos personagens é um ponto a ser destacado. Quem já leu outras obras de Flávio Karras, certamente vai gostar também desse livro e perceberá que o trabalho do autor tem sido consistente.


Me agrada o modo irônico e sarcástico como Flávio Karras constrói as suas tramas. É um estilo do autor e, autores que tem estilo, imprimem uma marca em suas histórias. Flávio acerta mais uma vez e entrega ao leitor uma obra que se diferencia.

 


Sobre o autor:

 

Nascido em São Caetano do Sul, Flávio Karras é autor de diversas obras como a coletânea Indigesto, o romance A Parasita de Almas, além de contos, noveletas e participações em antologias. Sempre com uma escrita caracterizada pela união entre humor ácido e críticas sociais, apresenta desgraças e situações bizarras da forma mais cômica e repulsiva possível.

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