Andrea Nunes foi ganhadora do Prêmio Aberst de Literatura com o livro Jogo de Cena na categoria Melhor Romance Policial. A escritora, que atua como promotora no combate à corrupção, concedeu entrevista ao Tomo Literário.
Entre os assuntos abordados estão o interesse pela escrita, as vertentes brasileiras que aparecem em suas histórias policiais e o prêmio concedido no último sábado na Horror Expo. Leitora de Agatha Christie, Andrea ofereceu o prêmio a Anna Katharine Green - mãe da literatura policial e que também influenciou a Rainha do Crime. Na entrevista para o blog ela fala sobre a presença de mulheres na literatura policial e o reconhecimento à Green que ainda é pouco conhecida no Brasil.
Outros assuntos tratados são a representação da morte nos livros (tema de mesa de debate que contou com a participação da escritora na Horror Expo), novos projetos, escritores que inspiram, leituras que recomenda e muito mais.
Tomo Literário: Você publicou seu primeiro livro aos dezesseis anos e foi premiada na Paraíba. De onde veio o incentivo para que você escrevesse e como surgiu o interesse em se tornar escritora?
Andrea Nunes: Posso dizer que nasci num lar diferente: meu pai tinha sido preso pelo DOPS como líder estudantil no histórico fechamento congresso de Ibiúna, e minha mãe era artista e parente de Augusto dos Anjos. Ambos se tornaram professores universitários. Cresci inundada por livros proibidos e poesia maldita. Essa história de vida incomum possibilitou herdar, no espírito, o traço mais marcante da minha criação: um respeito reverente pela palavra e pela liberdade de expressão. E tive muito apoio deles dois, e de toda a minha família. Daí eu ter me sentido estimulada a escrever. A palavra, no meu mundo , é a arma e o escudo.
Tomo Literário: No seu livro "O Código Numerati" você coloca em cena o nordeste brasileiro com inscrições rupestres na Pedra do Ingá e aborda a política quando trata de um projeto de lei que está em tramitação no Senado Federal. No livro A Corte Infiltrada você aborda um crime que ocorre me Brasília e um sistema de telecomunicação a ser implementado no Superior Tribunal Federal. Representar cenários brasileiros e inserir a política e as instituições é uma vertente que te provoca como escritora?
Andrea Nunes: É um desafio a que me propus. Porque a Literatura Policial é um dos ramos mais coloniais da nossa literatura: quando você fala em romance policial, lembra logo de mordomo, lareira e chá das cinco. Mas no Brasil nós temos tudo para construir grandes romances policiais e aqui não deixa nada a dever aos melhores best-sellers que consumimos de fora: tem cenários estonteantes, riqueza cultural, efervescência política e mistérios inexplorados, tudo o que é preciso para uma boa história policial. Com a vantagem de ser nosso. O leitor sente o pertencimento àquilo. É muito mais gostoso ler com essa sensação.
Tomo Literário: Seu trabalho como promotora que atua no combate a corrupção aparece em sua escrita nos assuntos mencionados na pergunta anterior? Ou você acredita que há outros aspectos da atuação no Ministério Público que se refletem na sua obra?
Andrea Nunes: O que a gente escreve sempre tem tanto da gente que é difícil mensurar em que níveis uma experiência profissional pode aparecer na nossa obra literária. Mas é claro que foi um grande privilégio ter tido experiências como treinamento em espionagem, investigação de pessoas ligadas ao poder político e econômico e capacitação nos métodos de investigação da criminalidade contemporânea, e poder levar tudo para a ficção: os bastidores, as curiosidades, os perfis insólitos que acabam virando personagens. Mas acredito que, sobretudo, a preocupação em despertar o cidadão para a grandes questões contemporâneas, para que as decisões políticas sobre esses temas sejam tomadas com mais pluralismo e assim tenhamos uma sociedade mais justa, humana e ética, são meu principal objetivo como promotora e como escritora.
Tomo Literário: Jogo de Cena foi publicado pela Editora Cepe. Como surgiu a ideia desse livro?
Andrea Nunes: Eu sou uma escritora de suspense que vive num lugar com o dos mais ricos folclore de assombração do mundo. Não dava pra desperdiçar essa coincidência. Por outro lado, estava observando as manifestações dos coletes amarelos na Europa e as paralisações de caminhoneiros no Brasil, manifestações sociais recentíssimas com grande destaque da mídia e preocupação da população, que têm em comum o tema central os preços de combustíveis fósseis. Isso nos mostra que o mundo precisa compreender e se posicionar, com grande urgência, sobre a crise dos combustíveis, descobrindo que interesses estão em jogo neste mercado estratégico e bilionário, e como os espiões dos governos, os cientistas e as empresas estão se movendo nos bastidores para lidar com esse problema. Jogo de Cena veio para amarrar tudo isso num trama que usa a manipulação do medo como fio condutor.
Tomo Literário: Você foi a ganhadora do Prêmio Aberst de Literatura com o livro Jogo de Cena. Como foi a experiência de sagrar-se vencedora e participar da cerimônia de entrega do troféu? E quais são as expectativas para o livro a partir do prêmio?
Andrea Nunes: Uma grande alegria e enorme responsabilidade. Não é fácil, acredite, quebrar as diversas barreiras de invisibilidade que se constroem em torno de uma mulher, nordestina, que decide escrever histórias de suspense. Ainda há muito preconceito do mercado e da crítica, e da própria sociedade. Quando o reconhecimento vem, é porque teve muita dedicação e perseverança. Foi por esse motivo que dediquei o prêmio a Anna Katharine Green, primeira autora policial da história, que até hoje não teve o reconhecido devido, uma vez que influenciou Arthur Conan Doyle e Agatha Christie, e a todas as mulheres que fizeram primeiro, fizeram melhor e fizeram mais bonito, mas que não foram reconhecidas. Com relação às expectativas para o livro são as melhores possíveis, já que houve uma grande curiosidade das pessoas em relação a ele, que vem esgotando rapidamente nas livrarias, uma boa repercussão na imprensa e alguns convites para eventos que antes não tinham ainda se viabilizado.
Tomo Literário: Como você vê o mercado literário brasileiro, sobretudo para o romance policial e também como você vê a atuação de instituições como a Aberst?
Andrea Nunes: A ABERST hoje é muito importante para quem quer fazer literatura de gênero no país. Ela é essencial para oxigenar a produção literária e fazer essa moçada se sentir acolhida num nicho que antes não existia. Tudo o que ela faz ajuda nesse sentido: as parcerias com blogs e editoras, a participação em eventos literários, e, claro, a instituição do prêmio ABERST que, como foi dito na cerimônia, tem o condão de mudar a vida dos autores.
Tomo Literário: Na Horror Expo você fez parte da mesa de debate sobre a representação da morte na literatura. De que forma a morte aparece em seus livros?
Andrea Nunes: Costumo dizer que um dos fatores que diferencia literatura policial rasa de uma narrativa de suspense mais sofisticada é justamente o cuidado no modo de enfocar e retratar a morte: as circunstâncias de uma morte são um mistério: como, porque e quem matou. Mas a morte em si é um verdadeiro enigma. Ela pode suscitar reflexões e reviravoltas muito ricas do ponto de vista literário em alguns livros (e aí estou me referindo também a contos de suspense), brinco com o tema retratando a morte de um objeto inanimado, noutra há uma grande celeuma em torno da morte de uma galinha, e também tangencio temas delicados como a psicopatia infantil.
Tomo Literário: De modo geral o que te move a escrever?
Andrea Nunes: Uma vez li no prefácio da bagaceira José Américo de Almeida dizendo que há muitas maneiras de se dizer uma verdade, e que talvez uma das mais persuasivas seja contando uma mentira. Acho que o que me move é exatamente tentar, através da mentira ficcional, levar a um número indeterminado de pessoas minha visão de mundo, minhas verdades temporárias e temporãs.
Tomo Literário: Quais são os autores que você admira ou que, de algum modo, te inspiraram como escritora?
Andrea Nunes: Na base de minha formação como leitora está Agatha Christie, já que aos onze anos eu comecei a ler clandestinamente a coleção de minha mãe e não parei. Tenho certeza que isso me inspirou para me aproximar da narrativa policial. Depois veio Umberto Eco, que criou o subgênero do suspense erudito, e me mostrou que era possível inserir uma boa dose de cultura, filosofia e ciência dentro de um romance policial e, ainda assim, termos um ótimo romance policial. Entre os contemporâneos, devo minha técnica ao mestre Raimundo Carrero. Um grande romancista que dedica boa parte de sua vida a formar novos escritores.
Tomo Literário: Que livro você está lendo atualmente e quais recomendaria para os leitores?
Andrea Nunes: Acabei ontem de ler "Uma Mulher no Escuro", de Raphael Montes. Estou relendo Agosto, de Rubem Fonseca, e ao mesmo tempo iniciando ‘”Velhos são os outros”, de Andrea Pachá. Todos recomendadíssimos.
Tomo Literário: Tem algum projeto novo vindo por aí? Pode nos contar?
Andrea Nunes: Sim, já estou trabalhando no meu próximo romance, mas ainda na fase de pesquisa, que é onde eu destruo meus criados mudos, com a quantidade de livros que ficam em cima deles. O livro deve seguir a mesma linha dos demais, mas ainda estou no começo. O resto é segredo...
Tomo Literário: Deseja deixar algum comentário para os leitores do blog?
Andrea Nunes: Gostaria de pedir aos leitores do blog que continuem dando um crédito à nossa literatura nacional, que está cada vez melhor. Pesquisem os novos autores, leiam avaliações e resenhas. Vocês podem ter muitas surpresas agradáveis.
Sobre o livro Jogo de Cena:
A morte de um boticário francês na fictícia cidade de Mangueirinhas desencadeia uma sucessão de outros crimes aparentemente provocados por assombrações do folclore nordestino, levando a pacata população local a um estado de histeria coletiva.
Para solucionar os crimes, a delegada da cidade precisa superar desavenças com o filho de seu padrasto, um historiador que regressou à cidade, mas que renega o parentesco e as origens.
Num romance policial eletrizante, Andrea Nunes utiliza informações verídicas sobre o mais ousado projeto científico da humanidade e traz revelações sobre a crise mundial do Petróleo, numa obra recheada de estratégia de espionagem, ação, suspense e reviravoltas, arrematando, como sempre, com um final desconcertante.
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