Mônica Mota nasceu em Pentecoste, interior do Ceará, na comunidade rural chamada Miguá - Terra. Vítima de abuso sexual na infância ela já pensou em cometer suicídio. A escritora vem se destacando por sua superação e por desenvolver ações de combate a crimes sexuais. A jovem tem 22 anos e promoveu a primeira audiência pública sobre o abuso sexual infantil e a primeira corrida de rua, em Pentecoste, para alertar acerca do tema. Mônica também ministra palestras para adolescentes, pais, professores e universitários. "Tom, Elis e Chico" foi seu primeiro livro, lançado pela Editora Brasil Tropical na Bienal Internacional do Livro do Ceará.
A escritora concedeu entrevista ao Tomo Literário e fala sobre o livro, sua entrada no universo literário, novos projetos e muito mais.
Confira.
Tomo Literário: Como foi o seu primeiro contato com o meio literário e quando surgiu a decisão de escrever?
Mônica Mota: A vida inteira eu tive mais livros do que roupas e, certamente, a literatura me salvou, pois foi através dos livros e de suas histórias que eu consegui viver todo o ciclo de abuso sexual que estive inserida durante a infância. Assim como a leitura, a escrita também sempre foi muito presente em minha vida, e foi outro refúgio para não sucumbir àquela violência. Quando ingressei no ensino médio eu fui muito incentivada a continuar a escrever e falar sobre meus textos. Desde então eu comecei a escrever cada vez mais e compartilhar meus textos, leituras e ideias.
Tomo Literário: “Tom, Elis e Chico”, fala sobre abuso sexual. Como surgiu a ideia desse livro?
Mônica Mota: Foi justamente pensando na criança que fui que "Tom, Elis e Chico" surgiu. Pois em momento nenhum da minha infância eu tive contato com livros ou outras ferramentas que falassem sobre abuso sexual e que pudessem me ajudar a entender que aquilo que acontecia comigo não era uma "brincadeira", mas sim uma violência. Portanto, foi pensando na Mônica criança que decidi criar uma ferramenta para falar de modo lúdico e leve sobre algo tão pesado e complexo. Esse livro tem o papel de alertar sobre uma grave violação de direitos, e de uma forma leve busca falar sobre esse "toque bom e toque ruim", de falar sobre sentimentos, sobre proteção e superação. Mas deve, acima de tudo, ser um amigo diário de muitas crianças para ajudar cada uma a criar suas próprias estratégias de proteção. E apesar de ser um livro voltado para crianças, orientamos que seja lido na presença e com a mediação de um adulto.
Tomo Literário: Você passou por violência sexual. Acredita que precisamos falar mais sobre o tema?
Mônica Mota: Com certeza. É preciso falar sobre abuso sexual infantil todos os dias e em todos os lugares. É uma violência carregada de esteriótipos, de tabus e, sobretudo, de omissão. Por isso é de suma importância falar sobre essa temática, pois esse é o primeiro passo decisivo para o enfrentamento dessa violência. Quando falamos estamos informando, estamos rompendo com os muros do silêncio. E isso é algo de urgência.
Tomo Literário: Como foi o lançamento do livro na Bienal Internacional do Livro em Fortaleza?
Mônica Mota: Já participei de outras edições da Bienal em Fortaleza e todas foram carregadas de significados, mas sem dúvidas, essa XIII Edição foi a mais especial. Lançar o primeiro livro em uma Bienal Internacional do Livro foi emocionante. Poder falar em um espaço tão importante sobre uma temática tão complexa e delicada, nitidamente deu ainda mais destaque para esse debate. O lançamento do livro contou com a participação e discurso de pessoas importantes em minha trajetória enquanto militante, escritora e pessoa em processo de superação de um trauma tão forte, além do público em grande número que abrilhantou ainda mais esse grande momento. Tive a oportunidade de relatar um pouco sobre minha história enquanto vítima de abuso sexual infantil e, principalmente, pude alertar, sensibilizar e convocar cada vez mais cada pessoa presente a participar da luta pela proteção e garantia dos direitos de crianças e adolescentes. "Tom, Elis e Chico" conta a história de milhares de crianças em todo cenário da sociedade brasileira. E tem como principal objetivo ser um instrumento para impactar e transformar vidas.
Falar sobre abuso sexual infantil é tarefa muito difícil. Principalmente em uma sociedade tão omissa. Felizmente, consigo sempre falar de modo leve e isso faz o tema se tornar menos pesado. Sempre surgem relatos de crianças ou adolescentes quando vou em escolas ou outras instituições. Fato que reflete o quão essa violência acontece de forma exacerbada no Estado do Ceará. Sempre ouço os relatos, acolho cada pessoa e falo sobre minha história de vida e o caminho de tentativa de superação que trilhei, mas também sobre os órgãos de atendimento e as estratégias de enfrentamento. Os profissionais, principalmente os professores, são muito engajados em aprender sobre o tema e relatam muitos casos que seus alunos falam em sala de aula. O que demonstra como isso é presente.
Tomo Literário: Está lendo algum livro atualmente? Pode indicar algum aos leitores?
Mônica Mota: Sim. Estou lendo pela 13° vez meu livro favorito, "O Meu Pé de Laranja Lima" de José Mauro de Vasconcelos. E, claro, indico muito a leitura. Me identifico muito na figura do pequeno Zezé que, assim como eu, a vida parece ter lhe ensinado tudo cedo demais. E para sobreviver, cria um mundo de fantasia para se refugiar de uma realidade exterior tão ácida e sem nenhum acolhimento de sua família. Essa história fala sobre pobreza, dor e tristeza. Mas principalmente de ternura, afeto e amparo. É a história que mais me emociona, ensina e acalma a alma. Vale a leitura, vale as lágrimas e a ternura de cada linha escrita.
Tomo Literário: Você tem algum novo projeto literário? Pode nos adiantar alguma informação?
Mônica Mota: Tenho duas novas histórias em construção. Ainda não sei se vão ser publicadas como livros, mas uma em especial me causa muita emoção. É a história de uma amiga médica que participa do Programa Médicos Sem Fronteiras, seus relatos são cheios de humanidade, de fé, de empatia e amor ao próximo. Tenho aprendido muito lendo seus relatos e tem sido uma grande honra e alegria poder transformar seus depoimentos em uma história infantil. O mundo precisa conhecer suas histórias de andanças e doação ao próximo, e se for através de um texto meu, certamente vou me sentir uma escritora de coisas importantes.
Tomo Literário: Quer deixar algum comentário para os leitores?
Mônica Mota: Bem, espero que possam conhecer a história de "Tom, Elis e Chico" e que adotem o livro como ferramenta educativa diária de prevenção e combate ao abuso sexual infantil. Para além disso, deixo aqui meu total incentivo ao hábito contínuo da leitura. Por ver a leitura como uma ferramenta de transformação social e com a capacidade de influenciar nosso modo de agir, pensar e falar. Além de ser uma prática para a formação da cidadania, o mundo da leitura pode transformar, enriquecer culturalmente e socialmente cada indivíduo. Boa leitura, boa aventura.
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