Num ringue a lutadora ou o lutador enfrentam seus adversários. As únicas armas que podem ser utilizadas na luta são as mãos. Alguém tem que se sagrar campeão e, para que isso ocorra, alguém tem de ser derrotado. O boxe se popularizou na Inglaterra no século XVII e os lutadores passaram a competir por dinheiro. No Brasil o esporte chegou por volta do final do século XIX e início do século XX com combates realizados no Rio de Janeiro e Santos, mais especificamente na zona portuária.
Cada vez mais as mulheres tem se distanciado da imagem de sexo frágil e foi na década de 1990 que o boxe passou a ganhar mais adeptas do esporte. As mulheres já são uma grande parcela nos praticantes de pugilismo.
A essência do esporte, no entanto, permanece até os tempos atuais. Dois lutadores, mãos para se defender e atacar, um ganhador ou ganhadora, um perdedor ou perdedora. Por que estou falando de boxe? Porque o esporte é abordado no livro A Garota da Casa da Colina, da escritora Larissa Brasil, publicado pela Monomito Editorial (2019, 1ª edição, 317 páginas).
Yara Leão ficou longe de sua cidade natal por quatro anos. Após uma luta de boxe ela recebe um grande golpe dado pela vida. A mulher não pretendia voltar à cidade de Campos das Flores, mas o retorno não planejado se torna inevitável diante da informação de que sua avó precisa de sua ajuda por lá.
O que a lutadora, quase formada em medicina, neta de um figurão da cidade não sabia, era que estava prestes a entrar no ringue que a levaria para a luta mais árdua de sua vida. Não era um momento de sparring, era uma nova luta, real, pra valer. E nesse combate será preciso mexer em ferimentos, tirar as luvas ou colocá-las no momento correto, se manter em clinch (apoiar-se sem trocar socos), atacar o oponente, defender-se do que pode surgir no caminho, levantar-se rapidamente se ocorrer um knockdown, concentrar-se mesmo lindando com o que há ao redor do ringue, adotar de estratégias para enfrentar os obstáculos que surgirão.
Em Campos das Flores ficaram marcas, cicatrizes e dores que Yara tentou esquecer quando fugiu da cidade, deixando para trás seu noivo. A possibilidade da felicidade com o casamento ficou soterrada no passado, tal qual a perda de alguém que, para ela, seria uma possibilidade de renascimento. Essas marcas e cicatrizes que não estão na pele, ainda ressoam na mente da protagonista, assim como as desavenças e o mistério que ronda a sua relação com seu avô falecido. De volta à cidade, um turbilhão de acontecimentos vai mexer profundamente com Yara. Ela será acertada por inúmeros golpes que vão abalar a sua permanência sobre o ringue.
Yara se hospeda numa casa que fica na Colina do Alecrim. Na residência em frente a sua, ela se depara com um menina de quatro anos chamada Nina. A garota que mora na casa da colina, uma estranha construção que parece vigiar os moradores, se aproxima de Yara. O coração aflito da lutadora parece encontrar algum conforto na pequena, no entanto, também suscita preocupações, uma vez que a mãe de Nina aparenta instabilidade emocional, o pai é ausente e acontecimentos estranhos norteiam a vida da garota. Essa junção de fatos leva Yara a querer proteger a menina.
A personagem que centraliza a história tem grande afeto pela sua avó. O mesmo não ocorre com Adolfo Leão, seu avô, o figurão da cidade que mencionamos anteriormente. Há algo de misterioso que atormenta a vida de Yara. Traumas e marcas que vêm de uma luta anterior e que ela tem que se confrontar agora, com o seu retorno à cidade de Campos das Flores. Cicatrizes do passado ainda estão fincadas na alma da lutadora, como se fossem as cicatrizes originadas a partir de uma luta de boxe que podem permanecer cravadas na pele.
Larissa Brasil nos entrega uma trama que nos engendra desde as páginas iniciais. Queremos saber o que aflige Yara, a lutadora que, apesar da força física, como humana que é, tem suas fraquezas emocionais. E Nina? Que ligação tem essa menina de quatro anos que aparece misteriosamente na casa da colina e que ouve a mesma música que Yara? Como se dá o reencontro de Yara com seu ex-noivo, Gui, que fora abandonado?
A autora consegue nos manter em constante questionamento que nos leva a imaginar possibilidades para o que se passa com Yara. Há algo de sobrenatural? Há alguma história escondida por trás das dores que Yara carrega? O passado pode se confundir com o presente? A avó, que gosta de Orgulho e Preconceito, livro de Jane Austen, e demonstra a sabedoria própria da maturidade, pode ser peça importante nessa luta da vida de Yara? Por que o ódio tão manifesto ao avô? Seria ele seu maior adversário no ringue da vida? Realidade ou imaginação? Fato é que, nesse novo embate, as dores da protagonista são expostas. Seria esse combate enfrentado agora uma possibilidade de revanche sobre as derrotas do passado?
A doença da avó a faz prolongar sua estadia na cidade e isso faz com que Yara tenha que buscar respostas para o que a atormenta. Nós somos conduzidos por essa jornada com maestria. No jogo de palavras, nas lembranças que Yara revela ao leitor na narração feita em primeira pessoa, nos sentimentos que ela expressa e nos fragmentos de sua memória, as peças vão se encaixando, como menciona a frase de Daniel Duarte - citada na abertura de um dos capítulos: "A vida é um quebra-cabeças aleatório, mas com encaixe perfeito".
O passado de Yara está ali, a espreita dela, como um oponente esperando o momento certo para atacá-la. Se o quebra-cabeças é um jogo que precisa de encaixe e o boxe uma luta que precisa ter um ganhador, o que Yara fará? Optará por reconstruir o seu passado ou nocautear tudo que um dia a derrubou? As relações familiares, que se apresentam de certo modo nebulosas, mexe com a lutadora. Vamos descobrir os segredos que há por traz da memória enevoada da personagem que vai aparecendo como uma boxeadora golpeada que vai voltando à consciência na medida em que a dor dos golpes vai passando.
"É hora de enfrentar as consequências dos meus atos e, mais que isso, reparar os erros."
"É hora de enfrentar as consequências dos meus atos e, mais que isso, reparar os erros."
A Garota da Casa da Colina é um terror psicológico envolvente, daqueles que provocam em nós a curiosidade para chegar ao desfecho. Com personagens que marcam presença pela boa construção vamos capítulo a capítulo, página a página, buscando pistas do que pode de fato ter acontecido no passado de Yara que a deixou abalada. Por que Campos das Flores e a garota da casa da colina mexe tanto com ela? Yara é uma personagem que desenvolve uma trajetória impressionante na história. Ela é dotada de sentimentos demasiadamente humanos e passa por situações que nos intrigam.
A escrita de Larissa Brasil é esmerada, fluída e torna a aventura do leitor pela trama um grande passeio. Somos golpeados (no sentido figurativo que se expressa de maneira positiva) pelo bom uso da palavra, pela história consistente que lemos e que nos absorve, pela riqueza dos personagens que podem ter suas características notadas na maneira como dialogam, pela ambientação da trama e dos elementos que aparecem em cena e que ficam na memória (o fusca amarelo dirigido por Yara, a luta que abre a história, a representação da cidade de Campos das Flores e da colina). O primeiro romance publicado pela autora, transborda seu talento.
A obra publicada pela Monomito é cheia de mistérios. O livro ratifica que temos que enfrentar fantasmas, que temos que lutar quando a vida nos coloca num ringue diante dos nossos inimigos (sejam eles reais ou imaginários). Não adianta fugir. O ringue está lá a espera da grande luta. Precisamos encarar de frente, esquivar dos golpes, atacar, se defender. Pode levar um round, dois, três ou o que for permitido. Pode acabar em nocaute. Pode custar a dor da derrota ou o levantamento do cinturão. Mas a luta, o embate, o combate é necessário, para superar os medos, os traumas, as inquietações que atormentam.
Se ainda não leu A Garota da Casa da Colina, leia! As excelentes histórias precisam ser lidas.
Sobre a autora:
Larissa Brasil nasceu em Goiânia, no coração do Brasil, onde mor com o marido, Augusto e sua poodle, Lua. Foi finalista do 1º Prêmio Aberst de Literatura 2018, com "O Conto do Coronel Fantasma" na categoria horror, e venceu a categoria Autor Revelação 2018. A Garota da Casa da Clina é o seu primeiro romance, também é dela o livro independente de contos Onde o Vento Faz a Curva.
Ficha Técnica:
Título: A Garota da Casa da Colina
Escritora: Larissa Brasil
Editora: Monomito Editorial
Edição: 1ª
Ano: 2019
Número de Páginas: 320
ISBN: 978-85-80505-02-9
Assunto: Literatura brasileira
A escrita de Larissa Brasil é esmerada, fluída e torna a aventura do leitor pela trama um grande passeio. Somos golpeados (no sentido figurativo que se expressa de maneira positiva) pelo bom uso da palavra, pela história consistente que lemos e que nos absorve, pela riqueza dos personagens que podem ter suas características notadas na maneira como dialogam, pela ambientação da trama e dos elementos que aparecem em cena e que ficam na memória (o fusca amarelo dirigido por Yara, a luta que abre a história, a representação da cidade de Campos das Flores e da colina). O primeiro romance publicado pela autora, transborda seu talento.
A obra publicada pela Monomito é cheia de mistérios. O livro ratifica que temos que enfrentar fantasmas, que temos que lutar quando a vida nos coloca num ringue diante dos nossos inimigos (sejam eles reais ou imaginários). Não adianta fugir. O ringue está lá a espera da grande luta. Precisamos encarar de frente, esquivar dos golpes, atacar, se defender. Pode levar um round, dois, três ou o que for permitido. Pode acabar em nocaute. Pode custar a dor da derrota ou o levantamento do cinturão. Mas a luta, o embate, o combate é necessário, para superar os medos, os traumas, as inquietações que atormentam.
Se ainda não leu A Garota da Casa da Colina, leia! As excelentes histórias precisam ser lidas.
Sobre a autora:
Larissa Brasil nasceu em Goiânia, no coração do Brasil, onde mor com o marido, Augusto e sua poodle, Lua. Foi finalista do 1º Prêmio Aberst de Literatura 2018, com "O Conto do Coronel Fantasma" na categoria horror, e venceu a categoria Autor Revelação 2018. A Garota da Casa da Clina é o seu primeiro romance, também é dela o livro independente de contos Onde o Vento Faz a Curva.
Ficha Técnica:
Título: A Garota da Casa da Colina
Escritora: Larissa Brasil
Editora: Monomito Editorial
Edição: 1ª
Ano: 2019
Número de Páginas: 320
ISBN: 978-85-80505-02-9
Assunto: Literatura brasileira
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