Escrito por Sohaila Abdulali, o livro Do que estamos falando quando falamos de estupro, foi publicado no Brasil pela Editora Vestígio. A autora, que sofreu um estupro coletivo aos dezessete anos de idade, em Bombaim (Índia), faz um relato contundente e uma análise provocativa sobre a cultura do estupro.
Por meio de sua pesquisa e atuação com vítimas, além de seu trabalho intelectual feminista, Sohaila aborda o estupro, levanta reflexões, questiona a sociedade e seu comportamento e ainda fala sobre a superação (cura) das vítimas.
É um livro contemporâneo, necessário para homens e mulheres, provocador e que nos faz pensar sobre o combate a cultura do estupro e sobre a violência sexual. A autora analisa conquistas das mulheres, as limitações de movimentos sociais na empreitada contra os abusos e propõe mudanças na educação sobre o sexo (sobretudo a dos meninos).
Veja que o Brasil teve 60.018 estupros ao longo do ano de 2017, o que corresponde a 164 casos por dia. Os dados são do Fórum Brasileiro de Segurança Pública. Os números provavelmente estejam subdimensionados, uma vez que ainda enfrentamos no país dificuldades nos registros desses crimes na polícia, sem contar os casos que não são levados à esfera policial e se mantém no silêncio. O cenário é alarmante.
Confira alguns quotes selecionados durante a leitura que provocam a reflexão sobre o tema.
É um tema estarrecedor, insidioso, que roda o mundo inteiro: se você não aguenta tomar porrada (ou ter a vagina invadida) e não supera isso calada, você é uma fraca. Muitas mulheres aceitaram adotar esse mantra ridículo - esse refrão que dá apoio a tal tipo de atitude. Se você se queixa de qualquer coisa que não chegou a ser um estupro com penetração completa, na qual a sua vida tenha estado em risco, você está pondo a perder todo o trabalho que as mulheres têm feito para se tornarem poderosas. Está abrindo mão de sua postura firme e caindo no estereótipo da mulherzinha frágil, passiva. Isto é, você não foi capaz de dizer "não" na hora, não tem o direito de falar agora.
...no fim das contas, é positivo ter que encarar as coisas, mesmo que sejam horríveis. Mas sei o quanto pode ser difícil quando você não tem a chance de escolher quando e como irá encará-las. Todas as vítimas que, ao se depararem com o assunto "estupro" ganhando destaque na mídia, ouvem a gélida voz do passado sussurrando em seus ouvidos, merecem compaixão.
E daí? E daí se a iniciativa foi dela? Se ela estava bêbada ou mudou de ideia depois que os dois já estavam no quarto, ou mudou de ideia como os dois nus e ele já de camisinha - se mudou de ideia em qualquer ponto da história e ele fez que não ouviu, então foi nessa hora que ela parou de consentir. Não há um bilhete garantindo a viagem até o fim da linha.
E aqui estamos nós no século XXI, rodeados de milhares dos quais somos os autores. Descobrimos como ver um ao outro em telinhas que a gente carrega no bolso. Descobrimos como fazer o coração de alguém de 17 anos de idade bater no peito de outra pessoa de 60. Como rastrear borboletas-monarcas (...). Como mapear galáxias que nem conseguimos enxergar. Como espécie somos impressionantes. Então, por que é tão difícil descobrir onde é que você deve ou não deve pôr o seu pênis? Ou compreender que ninguém pede para ser estuprada?
Está na hora de descartar uma ideia estúpida - a ideia de que os homens não têm como parar, que há um ponto sem volta depois que você está sexualmente excitado. Estamos aqui falando sobre a mulher ter a responsabilidade sob suas ações, mas os homens também tem responsabilidade. Rapaz, me diga uma coisa: se você está no meio de uma boa trepada, está de fato envolvido, e de repente sua vó entra no quarto e olha para você por cima dos óculos, você acha que vai parar ou continuar?
A natureza humana é feita de bondade e de generosidade, compaixão e respeito. Mas a natureza humana também é vil e cruel, egoísta e arrogante. (...) fazemos escolhas sobre como tratar uns aos outros, e com excessiva frequência a escolha é violar, destruir em vez de construir. O estupro vem de algum instinto primitivo, ou é um consequência inevitável da maneira como aprendemos a nos relacionar? Será que algum dia vamos conseguir compreender isso, juntos?
O livro já foi resenhado pelo Tomo Literário.
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