Um período histórico retratado num romance é sempre um convite a conhecer mais sobre a história do país e observar os elementos ficcionais se entrelaçando com fatos reais. É como recontar a história e dar uma pitada criatividade em cima de passagens vividas num dado país e, ainda assim, pode nos fazer questionar: seria ficção ou realidade?
Carlos Lacerda, Carlos Luz e Café Filho se articulam para promover um golpe contra Juscelino Kubitschek e João Goulart, que foram eleitos no pleito de novembro de 1955. O referido golpe (conhecido como Golpe Preventivo) tinha a intenção, ou melhor, o objetivo de impedir a posse dos eleitos. Tal acontecimento poderia ter antecipado em nove anos a ditadura que, posteriormente se instalou no país. Na trama temos também o general Lott (Henrique Batista Duffles Teixeira Lott) - Ministro da Guerra, um personagem real esquecido pela historiografia e que se vê numa luta em garantir o pleito e segurar o Exército. O romance histórico O Último Tiro da Guanabara (2019; 304 páginas), da escritora Bruna Meneguetti, publicado pela Editora Reformatório, trata desse período histórico da República Federativa do Brasil.
A história, no livro, tem início com um personagem intrigante chamado Isaías. Ele é um vidente cego capaz de fazer premonições por meio de nuvens que ficam no topo da cabeça das pessoas. O personagem aparece colocando um ar de fantasia na história vivenciada pelos personagens reais que aparecem na obra. Isaías é contratado por Jango e J. K. por meio da esposa de Juscelino, para auxiliar na disputa de poder. Que bem faria um vidente se pudesse auferir os acontecimentos futuros dado o plano dos articuladores do golpe? Na disputa por poder, Isaías parece uma peça de grande valor.
"_Tomei a liberdade de contratar um vidente para nos ajudar..."
Esse intrigante e peculiar personagem envolto num momento histórico acaba interferindo na dinâmica dos bastidores desse articulado golpe. Isaías tem, portanto, papel fundamental nas mudanças e acertos dos fatos históricos que permeiam a trama criada por Bruna Meneguetti. No navio que o leva para o Rio de Janeiro, o vidente encontra uma amiga de infância de nome Cecília Gomes. Tal encontro vira um elemento importante no desenrolar da trama e até Cecília torna-se centro das visões de Isaías, que prevê sua morte.
Nós, leitores, somos transportados para a década de 1950 no Brasil. Notadamente, percebe-se pela qualidade da obra o profundo trabalho de pesquisa histórica e criatividade da escritora em compor um livro de narrativa fluída, com figuras e nuances de bom humor, sem se afastar do mote da obra que é falar sobre um dado período histórico.
Isaías Monteiro e Cecília se veem envolvidos com os bastidores do golpe que está sendo tramado e vão tentar interferir na história. Enquanto temos toda a ebulição política acontecendo, existe a possibilidade de um confronto entre dois navios na Baía de Guanabara (RJ). O navio Cruzador Barroso e o Cruzador Tamandaré fazem parte da possibilidade de uma tragédia e centralizam um possível conflito entre Exército e Marinha.
Bruna construiu uma trama que nos envolve desde as primeiras páginas. A narrativa é dinâmica e traz ao leitor surpresas durante as articulações empregadas pelos personagens, o que nos faz transitar entre a história real e a imaginada, sem contudo sentirmos sobressaltos em relação ao que é um ou outro. Portanto a história contada é consistente, com personagens ficcionais que traçam uma trajetória crível ao lado de personagens reais que estão no livro, tais como Jango e J. K..
Destaque-se a presença de Isaías, a peça fundamental, digamos assim. O cego vidente é uma figura inusitada e singular e que tenta confirmar suas visões de modo que possa ratificar tudo que tenha previsto antecipadamente. Com o avançar da trama queremos saber se as previsões de Isaías se confirmarão e como os outros personagens vão lidar. Ressalta-se que nem todo personagem acredita no vidente, o que gera um contraponto interessante dentro da história, sobretudo pelas surpresas que se revelam mais adiante.
"Caminhou até o batente e olhou mais uma vez para a sua nuvem de futuro. Algo havia mudado. a decisão deixava-o em perigo imediato."
Os diálogos da obra também se mostram bem arquitetados e com a fluidez que uma conversa requer, o que garante dinamismo na leitura.
As ações das personagens femininas que, com suavidade ou com veemência, tornam-se importantes no jogo político e na condução da história, merece destaque. Sarah, Cecília, Joana, Penélope, Brasiliana, Genovena e Eduarda participam das articulações secretas e também adentram o universo militar, que imagina-se muito masculino. Portanto, leitor, temos uma presença feminina forte e marcante na história.
O Último Tiro da Guanabara é um romance histórico memorável e que nos faz viajar no tempo, pensar em articulações políticas, saber um pouco sobre o Brasil dos anos 1950, adentrar a vida de personagens reais e imaginários que se cruzam e que se mostram bem estruturados e, claro, viver uma grande história baseada na História.
Sobre a autora:
Bruna Meneguetti é escritora e jornalista. Autora de O Céu de Clarice (Amazon, 2017) e coautora do livro-reportagem Corações de Asfalto (Patuá, 2018), atualmente está lançando seu segundo romance histórico O último tiro da Guanabara (Ed. Reformatório, 2019), contemplado pelo 1º Edital de Publicação de Livros da Secretaria Municipal de Cultura de São Paulo.
Ficha Técnica:
Título: O Último Tiro da Guanabara
Escritora: Bruna Meneguetti
Editora: Reformatório
Edição: 1ª
Ano: 2019
ISBN: 978-85-66887-51-80
Número de Páginas: 304
Assunto: Romance brasileiro
Nenhum comentário:
Postar um comentário
Deixe aqui seu comentário.