O Homem que Odiava Machado de Assis - José Almeida Júnior - Tomo Literário

O Homem que Odiava Machado de Assis - José Almeida Júnior

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O homem que odiava Machado de Assis, do escritor José Almeida Júnior, foi publicado pela Faro Editorial em 2019 (237 páginas).  O autor é vencedor do Prêmio Sesc de Literatura e foi finalista do Prêmio Jabuti.

A pergunta que me surge quando vejo um livro que trata de um personagem da vida real é: onde o autor quer chegar com isso? Possivelmente há alguns caminhos que possam ser seguidos pelos escritores. Uma das hipóteses é nos contar a história passada com aquele personagem e mesclar com elementos de ficção para apimentar a realidade, tornando-a mais atrativa. Pode ainda, fazer a mesma mescla, no entanto, provocando o leitor a respeito do personagem que centraliza a história, como forma de fazer com que o leitor atente-se à figura que centraliza a obra. Ou ainda, pode suscitar reflexões para momentos históricos vividos pelo personagem real, afim de que os leitores analisem e/ou critiquem o cenário político, social, histórico e cultural atual ou da época. Outra possibilidade é que não seja nada disso e queira tão somente seguir o instinto ou a inspiração de contar uma boa e rica história, dado que o personagem que centraliza a obra é conhecido pelo grande público.

Em O homem que odiava Machado de Assis, encontrei um pouco de cada caminho que mencionei acima. O autor consegue provocar o leitor com o cenário político-social da época, mexe com nosso imaginário ao mesclar a ficção com a realidade, apimenta a realidade ao nos apontar uma explicação bastante plausível para uma das obras mais célebres de Machado de Assis - que poderia ter sim um tom autobiográfico (hipótese que eu mesmo acredito) e ainda nos apresenta uma história bem contada sobre um dos mais célebres escritores da nossa literatura, colocando o personagem real numa visão diferenciada da que costumamos ter.

Joaquim Maria Machado de Assis, na visão do personagem que narra a trama, é um leviano. Pouco importava ao narrador se o apontamento da leviandade que atribuía ao escritor brasileiro fosse feita exatamente em seu velório, momento em que as pessoas estão chorando o morto. O ponto de partida do livro, aliás, se dá no velório de Machado de Assis. Como diz o personagem a Silvio Romero: “Não posso ficar calado, enquanto canonizam aquele patife. O povo precisa conhecer o caráter dele.” A sugestão vêm: que ele escreva as memórias contando o que Machado de Assis fez a ele. Apesar da idade avançada ele resolve nos contar o que aconteceu e a obra então tem início. Suas memórias nos são contadas desde os seis anos – quando a mãe faleceu de tuberculose – até os dias que ensejam o fatídico velório do autor de A Mão e a Luva.

Pedro, o narrador, conta o seu ponto de vista da história e tal qual o personagem de Machado Assis em Dom Casmurro, apenas ele - que centraliza a obra - expõe a sua visão ao leitor. Estaria ela então seivada de intenções e de sentimentos que esse personagem carrega contra o célebre escritor brasileiro? Fica aqui uma pergunta que cabe a você perseguir durante a leitura. 




Pedro Junqueira, este é o nome do personagem-narrador, que após a morte da mãe, foi levado para São Paulo por decisão de seu pai, para viver numa chácara no Morro do Livramento. Foi ali que ele cruzou pela primeira vez com o mulato Joaquim e também com Joana.

“O mulato tinha um nariz um pouco achatado e as pernas finas como gravetos. A menina também tinha uma pele morena e cabelos lisos levemente ondulados, que batiam na cintura.” Assim o narrador da história descreve os dois quando os avista.

Naquela ocasião, ainda pequenos, os garotos se estranharam por brincadeiras feitas por Joaquim e  existe também entre eles uma diferença que se revela pela origem dos dois, um de família abastada e o outro de família simples. Tempos depois, Pedro parte para Portugal, onde cursa a universidade e se engraça com uma jovem de nome Carolina Novais.

É em Coimbra que Pedro tem contato com um livro emprestado por um amigo brasileiro; “um livro de poesias de Machado de Assis chamado Crisálidas”. Apesar de não conhecer o autor, Junqueira diz que “parecia ser iniciante nas letras, porque o livro tinha rimas fracas e versos pueris”.

A história se passa no século XIX, portanto em momento que se discutia a libertação dos escravos. Pedro Junqueira,  que retornou ao Brasil, se vê envolto nessas discussões políticas, âmbito em que o pai desejava vê-lo atuando. Pedro prepara, inclusive, a minuta do projeto de lei que replicava a experiência cubana da Lei Moret. A Lei do Ventre Livre foi aprovada e o projeto sancionado pela Princesa Isabel.

Personagens reais, como Machado de Assis,  transitam com figuras da ficção e passam por momentos históricos que se mesclam com momentos ficcionais. O mérito do escritor está em fazer com que o livro apresente uma história que nos faz pensar que tudo é realidade ou que tudo é ficção (dependendo da visão do leitor sobre a história que é relatada). José de Almeida Júnior cria uma trama que nos envolve e que faz com que queiramos saber a origem do ódio que Pedro sente pelo autor de Memórias Póstumas de Brás Cubas.


As relações que se cruzam por meio de personagens como Pedro, Arthur, Carolina, Joaquim, Joana e os demais, cria uma rede de encontros e desencontros, além de nos trazer conflitos que criam clímax na história. E, além disso, temos toda a mística que acaba circundando o próprio Machado de Assis. Na obra há discussões acerca de criação literária, do momento histórico pelo qual o país passava enfrentando a escravidão e os relacionamentos (aqui falamos tanto dos amorosos, como os de amizade e de conchavos políticos).

E por falar em relacionamentos, podemos afirmar que o livro é também uma história de amor, ou de posse, em que um triângulo amoroso se forma  (digno dos melhores romances). Essa trinca de personagens que se vê envolvido na relação vai te conduzir por uma grande trama, recheada de bons elementos e que se fazem ainda mais interessantes pelos personagens fortes e marcantes que vemos na publicação.

José de Almeida Júnior apresenta um trabalho consistente em que os leitores que já tiveram contato com  a obra de Machado de Assis, certamente perceberão inúmeras referências a seus livros. Vemos um pouco do próprio Machado traçado nas páginas da publicação, muitos de seus romances aparecem de maneira sútil ou de forma mais explícita (num diálogo, numa cena, na forma como o personagem nos conta a história).

Se você odeia Machado de Assis, qualquer que seja a sua razão, leia, porque temos aqui um excelente livro. Se você o ama, leia também, pelo mesmo motivo.

Sobre o autor:

José Almeida Júnior | Foto: reprodução



José Almeida Júnior é escritor e Defensor Público do Distrito Federal, com pós-graduação em Direito Processual e em Direito Civil. Última Hora, seu primeiro livro, foi sucesso de público e crítica. O romance foi o vencedor do Prêmio Sesc de Literatura de 2017, finalista do Prêmio Jabuti e do Prêmio São Paulo de Literatura.

Ficha Técnica:

Título: O homem que odiava Machado de Assis
Escritor: José Almeida Júnior
Editora: Faro Editorial
Edição: 1ª
Ano: 2019
ISBN: 978-85-9581-075-4
Número de Páginas: 240
Assunto: Ficção brasileira



2 comentários:

  1. Oie Tomo,

    Eu tô super curiosa com esse livro, vi na livraria e meus olhos brilharam, parece que a construção está bastante interessante e o enredo nos guarda grandes revelações!! Obrigada pela resenha! Amei ♥

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