A Mulher com Olhos de Fogo - Nawal El Saadawi - Tomo Literário

A Mulher com Olhos de Fogo - Nawal El Saadawi

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A Mulher Com Olhos de Fogo - O Despertar Feminista é um livro de Nawal El Saadawi, escritora egípcia, considerada pela Reuters como "a Simone Beauvoir do mundo árabe". A obra foi publicada no Brasil em 2019 pela Faro Editorial (158 páginas), com tradução de Fábio Alberti.

A escritora teve contato com uma mulher enquanto pesquisava a personalidade de um grupo de prisioneiras. Esta mulher, que protagoniza o livro, aguardava a execução de sua pena de morte na prisão de Qanatir, condenada pelo assassinato de um homem. 

Segundo palavras do médico da prisão: "Dentro ou fora da prisão, você nunca vai conhecer uma pessoa como ela. Ela se recusa a receber visitas e não fala com ninguém. Geralmente nem toca na comida, e fica bem acordada até o amanhecer. Às vezes a guarda da prisão diz que ela passa horas parada na mesma posição, olhando fixamente para o nada. Uma vez ela pediu caneta e papel, e depois ficou horas debruçada sobre o material sem se mexer. A guarda nem conseguiu perceber se ela estava escrevendo uma carta ou alguma outra coisa. Talvez não estivesse escrevendo absolutamente nada."

Uma mulher cheia de mistérios e que chamava-se Firdaus. A priori ela se mantivera sem querer contato tal qual o médico havia exposto para a escritora. No entanto, enquanto esta última deixava o local em uma das ocasiões em que ia em busca de conversar com a presa, a mulher resolvera falar com ela e contar sua história.

"De repente, uma voz me trouxe novamente à vida. Era a voz dela, segura, profundamente penetrante e ria como a lâmina de uma faca. Não havia a mais leve hesitação em sua fala. Nem um ligeiro tremor ou inflexão em seu tom de voz."

O livro apresenta uma narrativa ficcional, mas baseia-se na história real dessa mulher que aguardava a execução de sua pena capital. Temos então, a narrativa feita em primeira pessoa, na qual Firdaus conta a sua vida, desde a infância.

O passado dessa personagem é emocionante. Vemos, notadamente, que ela era subjugada, anulada, deixada em segundo plano pelo simples fato de ser mulher. Firdaus passou por situações de agressão extrema, como a mutilação vaginal, o abuso sexual por homens próximos e desconhecidos, a exploração por outra mulher, o casamento forçado com um homem mais velho quando ela ainda era jovem, a prostituição, e um leque de agressões das mais variadas (do insulto verbal à agressão física).

Ela faz um relato contundente de uma sociedade em que o machismo impera e em que a mulher é tratada como objeto (ou nem isso). Ainda que seja uma obra ficcional os acontecimentos narrados por Firdaus nos faz refletir sobre o amplo panorama de sociedades em que a mulher é reprimida, mal tratada e que sofre o apagamento de sua personalidade e de seus direitos.

"Não era por ganância que eu ansiava outras coisas."


A Mulher Com Os Olhos de Fogo se revela uma leitura impactante, daquelas em que somos absorvidos tanto pela história que nos é narrada, quanto pelo que sai de suas páginas e fica ressoando em nossa mente. A história dessa mulher que é anulada o tempo todo e que tem sempre recomeçar, sentindo-se presa, amarrada e, sobretudo, aniquilada.  Firdaus tem valor apenas para o sexo, e por meio dele sobrevive, por ele sofreu. Quando, de alguma forma, se lançou ao amor, não foi correspondida, foi distratada.  No encalço dela sempre a figura masculina a lhe impingir dor e sofrimento: o pai, o tio, o chefe, o amigo, o enamorado, os clientes. Todos homens com sua formação equivocada sobre respeito e causando-lhe sofrimento e uma vida árdua. 

A história apresentada pela escritora é emocionante, forte, mas também carrega os pontos sutis da descoberta dessa mulher e de como as feridas ficaram nelas gravadas. Há também a camada do enfrentamento,  do seu reposicionamento diante de tudo que lhe determinam e de tudo que causam a ela.

Essa mulher de olhos de fogo teve de chegar ao limite extremo para se ver livre de todo o mal que sofreu a vida toda. Seu fim, que vem pela condenação a que está cumprindo no presídio, se torna o começo de uma reflexão profunda que podemos fazer acerca de como a sociedade trata as mulheres e o que podemos (homens e mulheres) fazer para que essas vozes inaudíveis e esses rostos invisíveis apareçam e que essa crueldade (não me resta outro adjetivo a usar) provocado, sobretudo por homens, cesse. Basta!

"Apesar de tudo, eu não tinha a menor dúvida a respeito da minha integridade e da minha honra como mulher. Eu sabia que a minha profissão tinha sido inventada por homens, e que os homens controlavam os nosso dois mundos, este da terra e o outro no céu. Sabia que os homens forçavam as mulheres a venderem seus corpos por um preço, e que o corpo de valor mais baixo era o da esposa. Todas as mulheres são prostitutas de um tipo ou de outro. Eu era inteligente, e por isso preferi ser uma prostituta livre em vez de ser uma esposa escravizada."

Li na história aquilo que também não está lá que é a reflexão que nos deixa sobre o que queremos enquanto sociedade e o que podemos fazer enquanto indivíduos que formam essa teia social. Não há romantização, não há pinceladas de delicadeza para acobertar violência, há visceralidade e contundência para expor a Firdaus tal qual ela é, e que pode em parte ou no todo ser ser história de muitas mulheres. 

Conseguimos ver a força de uma grande história e sentimos o impacto da necessidade de libertação que a mulher teve. O seu despertar feminista surge de um modo conturbado,  num momento de extremos, originados de ações extremas que ela sofreu ao longo da vida. E, de uma maneira ou de outra, a sua mensagem é passada a quem lê. 

Um livro arrebatador!

Sobre a autora:

Nawal El Saadawi | Foto: Reprodução

Nawal El Saadawi, 87, é uma escritora, ativista, médica e psiquiatra feminista egípcia. Saadawi foi presa pelo presidente Anwar al-Sadat em 1981 por supostos "crimes contra o Estado". Ela escreveu muitos livros sobre as mulheres no Islã, e se dedica, em especial, à luta contra a prática da mutilação genital feminina no Oriente Médio. Nawal é tratada como “a Simone de Beauvoir do mundo árabe”. Seus livros já foram traduzidos para mais de 28 idiomas e são adotados em universidades do mundo inteiro. Seus discursos atualmente se concentram na crítica a tentativa de normalizar o que ela considera a opressão aos costumes das mulheres na África e Oriente Médio. Depois de 4 décadas da revolução islâmica, muitos já consideram normais as restrições aplicadas às mulheres, incluindo muitas mulheres.

Ficha Técnica:

Título: A Mulher Com Olhos de Fogo
Autora: Nawal El Saadawi
Editora: Faro Editorial
Tradução: Fábio Alberti
Edição:
ISBN: 978-85-9581-060-0
Número de Páginas: 158
Assunto: Literatura árabe





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