O
Livro(s) do Desassossego, de Fernando Pessoa, tem edição de Teresa Rita Lopes e
foi publicado pela Global Editora. Ao longo da leitura da obra fiz uma série de
anotações e separei alguns quotes para compartilhar com vocês. Eis aqui uma boa
oportunidade de sentir o clima da obra com os três semi-heterônimos (expressão
de Fernando Pessoa) que estão presente no livro: Vicente Guedes, Barão de Teive
e Bernardo Soares.
Vicente Guedes
Que sonhos tenho? Não sei. Forcei-me por chegar a um ponto onde nem saiba já em que penso, com que tenho, o que visiono. Parece-me que sonho cada vez de mais longe, que cada vez mais sonho o vago, o impreciso, o invisionável.
Não faço teorias a respeito da vida. Se ela é boa ou má não sei, não penso. Para meus olhos é dura e triste, com sonhos deliciosos que permeio. Que me importa o que ela é para os outros?
É preciso certa coragem intelectual para um indivíduo reconhecer destemidamente que não passa de um farrapo humano, abordo sobrevivente, louco ainda fora das fronteiras da internabilidade; mas é preciso ainda mais coragem de espírito para, reconhecido isso, criar uma adaptação perfeita ao seu destino, aceitar sem revolta, sem resignação, sem gesto algum, ou esboço de gesto, a maldição orgânica que a natureza lhe impôs.
Para mim a humanidade é um vasto motivo de decoração, que vivo pelos olhos e pelos ouvidos, e, ainda, pela emoção psicológica. Nada mais quero da vida senão o assistir a ela. Nada mais quero de mim senão o assistir à vida.
Sem ilusões, vivemos apenas do sonho, que é a ilusão de quem não pode ter ilusões. Vivendo de nós próprios, diminuímo-nos, porque o homem completo é o homem que se ignora. Sem fé, não temos esperança, e sem esperança não temos propriamente vida.
Saber não ter ilusões é absolutamente necessário para se poder ter sonhos.
Sou um homem para quem o mundo exterior é uma realidade interior.
Barão de Teive
O homem moderno, se é infeliz, é pessimista.
Nunca pude convencer-me de que podia, ou de que alguém seguramente poderia, dar alívio certo ou profundo, e muito menos cura, ao males humanos.
Não há maior tragédia do que a igual intensidade, na mesma alma ou no mesmo homem, do sentimento intelectual e do sentimento moral. Para que um homem possa ser distintivamente e absolutamente moral, tem que ser um pouco estúpido. Para que um homem possa ser absolutamente intelectual, tem que ser um pouco imoral.
Quantas coisas, que temos por certas ou justas, não são mais que os vestígios dos nossos sonhos, o sonambulismo da nossa incompreensão! Sabe acaso alguém o que é certo ou justo?
Bernardo Soares
A consciência da vida é o maior martírio imposto à inteligência.
A solidão desola-me; a companhia oprime-me. A presença de outra pessoa descaminha-me os pensamentos.
Toda a vida da alma humana é um movimento na penumbra. Vivemos, num lusco-fusco da consciência, nunca certos com o que somos ou com o que nos supomos ser.
Viver é ser outro. Nem sentir é possível se hoje se sente como ontem se sentiu: sentir hoje o mesmo que ontem não é sentir – é lembrar hoje o que se sentiu ontem, ser hoje o cadáver vivo do que ontem foi a vida perdida.
Nunca amamos alguém. Amamos, tão somente, a ideia que fazemos de alguém. É um conceito nosso – em suma, é a nós mesmos – que amamos.
Tenho mais pena dos que sonham o provável, o legítimo e o próximo, do que dos que devaneiam sobre o longínquo e o estranho.
Uma só coisa me maravilha mais do que a estupidez com que a maioria dos homens vive a sua vida: é a inteligência que há nessa estupidez.
Leia
no Tomo Literário a resenha do Livro(s) do Desassossego.
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