De maneira cômica, autora de Milagre
em Passadouro narra situações corruptoras fictícias e que remetem às infrações
enraizadas na política nacional. O livro será lançado em maio pela Editora Gente.
Oportunismo, desonestidade e comédia. Esta é
a mistura antagônica e ao mesmo tempo atual que Lúcia Murad Neffa faz em seu
postulante romance, Milagre de Passadouro. A história trata do
projeto multireligioso entre Vitalina, Tereza e José Ribamar; a beata, a
umbandista e o pastor, exatamente nesta ordem. Os três líderes religiosos, no
objetivo em atrair turismo religioso à pequena cidade de Passadouro do Norte –
e obter lucro – decidiram projetar um milagre, daqueles que não deixam rastro
impostor e atrai peregrinos, turistas e imprensa.
No
decorrer da história, os personagens questionam-se sobre sua má conduta em nome
de Deus, mas são assolados pelo prazer proporcionado pelo dinheiro. Entre idas
e vindas, a trama rodopeia entre outros personagens coadjuvantes com
características postulantes a políticos da conjuntura real do Brasil, o que nos
faz rir e em outros momentos, chorar.
A
empreitada, para ter credibilidade e dar o lucro esperado, demandou cérebro e
tempo dos líderes religiosos, que tinham boa reputação na comunidade mas havia
quem desconfiasse de tamanha aproximação entre religiões tão oponentes. Somente
um interesse de força maior para um milagre desses. Reza pela chuva? Talvez!
Após tempo
de planejamento a cidade ganhou o Castelo de Milagres. O tal empreendimento
milagroso atraiu muitas pessoas, grupos e pessoas com interesses questionáveis,
mas talvez isso não importasse ao trio divino e sim o produto financeiro que
resultaria. Uma legião de homens se instalou em um dos alojamentos, a
quilômetros dali, para despontar as fraquezas da cidade, já conhecidas por
todos, mas totalmente neutralizada pelos filhos daquela terra que, encontravam
nos desastres naturais, justificativa às mazelas que açoitavam a pequena cidade
nordestina.
A cidade
dos homens não mais teve que se preocupar com problemas da sorte que fosse. O
peregrino que botasse o pé na cidade já era tocado pela espiritualidade que
pairava no ar, na fé ao desconhecido e, sem esperar muito, pagava para respirar
aquele oxigênio celestial. Deu-se conta de que o que trazia espiritualidade a
Passadouro do Norte não era a falácia do milagre, mas a fé que habitava em
peregrinos e moradores.
Fé à
parte, a cidade era vítima de desvios financeiros e má administração. Falta de
médicos, medicamentos e um prefeito que era o rei salvador do povo; com
descarado comportamento corrupto e pitoresco que não afetavam o senso crítico
dos moradores. Todo o alvoroço turístico-religioso desviara a atenção de quem
quer que fosse sobre problemas tão comuns à vista do povo sofredor. Naquele
momento, o que restava era a alegria em ver a cidade, até então esquecida,
movimentada e gerando lucro e alegria a todos.
Porém, se
considerarmos uma cultura desonesta e corrupta já enraizada na cidadezinha com
a participação de poucos beneficiários dos desvios financeiros, a abundância
financeira conquistada com o turismo impostor também foi alvo da torneira
sempre aberta dos cofres públicos.
Voltando
aos principais personagens, Tereza intensificou seu negócio com a movimentação
na cidade, expandiu para o comércio e dividiu o terreiro em três partes,
ofertando atividades diferenciadas para cada público. Pingava uma grana de tudo
quanto é lado. O pastor José Ribamar se emaranhou para a venda de combustível
ilícito. Vitalina apostava na fé que gerava lucro e usava da boa vontade dos
fiéis.
A inflação
se alastrou pela cidade do norte e logo seu Severino, um senhor esperto e
desconfiado, percebeu que algo saia do controle e a origem de tal desgosto era
o trio multireligioso. Severino deu a vasculhar e logo enxergou oportunidade em
ganhar com aquilo também. Uma corrente sem fim.
José
Ribamar e Carol, sua enamorada, se casaram. Passado um casamento de festa
esdrúxula, a química íntima não existiria jamais entre o pitoresco casal e a
jovem Carol, esta que mais queria vida boa. O casamento acabou e Ribamar passou
um período difícil na cidade, que questionara sua virtude masculina.
Para fim
desta verdadeira comédia da vida privada dos três ícones religiosos nada
ortodoxos, José Ribamar se enveredou ao ramo da prostituição e se tornou um
medíocre refém de Sayonara, a mais cara das artistas do prazer. Vitalina se
tornou uma eterna mulher reprimida de desejos sexuais. Já Tereza, a umbandista,
permaneceu em seu sucesso empreendedor. Tem gente que nasceu para isso!
No
entanto, com tantas voltas e dúvidas geradas pela prática do ato infrator, o
livro mostra um milagre inusitado que por tantas vezes passa desapercebido ao
nosso redor. Quanto a Passadouro do Norte, nada sairia do lugar, nem o Castelo
dos Milagres, nem as mazelas dos passadourenses, sempre excluídos de qualquer
benefício ofertado por sua terra amada.
Uma romancista por paixão
De maneira
crítica, a empresária Lúcia (Xuxu) Murad Neffa narra situações corriqueiras de
falsos moralistas, visto que a tendência ao desvio de conduta é algo enraizado
e desprovido de sentidos éticos e morais. Xuxu, como prefere ser chamada, é uma
inquietante estudiosa e apaixonada pela língua portuguesa. Assim se viu tomada
pela magia da literatura e se aventurou em um romance com pitadas morais,
religiosas e político-satíricas que vão de Foucault a George Orwell.
Sobre a autora:
Lúcia
(Xuxu) Murad Neffa, filha mais nova de uma família tradicional libanesa em
Vitória do Espírito Santo, é contadora e empresária. Nas horas de sobra, nunca
deixou de se ocupar num exercício qualquer que lhe possibilitasse aprender.
Afinal, aprende-se a vida toda.
Estudando
a língua portuguesa nos seus encantos, daí lhe veio a vontade de servir-se e de
servi-la, a amada língua, fazendo algo por honrá-la. É então que surge a
vontade de criar: de escrever um livro. O primeiro foi editado para narrar suas
experiências no ramo dos negócios e que teve por nome Sete Pecados Empresariais
(2015).
O prurido
da descoberta, da revelação de que era mesmo capaz de inventar ─ não de
fantasiar, mas de inventar no sentido próprio de urdir a trama ─ fê-la
encorajada para enfrentar mais este desafio: o de endereçar-se no campo da
literatura, dando a lume este romance de estreia: Milagre em Passadouro, onde
se relata a maquinação ilícito-religiosa de três devotos que, corrompidos num
objetivo comum, se lançam nas brechas da contrafação, com um plano infalível de
fazer duma pacata cidade o local de turismo efervescente.
Não
faltaram aos protagonistas empenho e arte no transmudarem suas práticas imorais
em licitude a fim de se fazer do vício virtude.
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