Travestis Brasileiras em Portugal – Trans-migrações
e Globalização – A Indústria do Sexo Transnacional, é de autoria de Francisco
J. S. A. Luís e foi publicado pela Chiado Editora em 2018. O livro em questão
advém de tese de doutorado defendida pelo autor na Universidade Nova Lisboa, em
Portugal, para cumprimento de requisitos de obtenção do título de doutor em
Antropologia Social e Cultural.
Inicialmente temos no livro a conceituação do
termo travesti empregado no livro que, resumidamente, é aquele que utiliza
acessórios e códigos de comportamento que se espelham no sexo/gênero oposto. A
pesquisa se pauta em homens que se travestem de mulher e que usualmente atuam
no cenário da prostituição em Portugal. “O
nosso universo de estudo é portanto, constituído por sujeito que fazem recair
sobre os seus corpos uma série de tecnologias disponíveis (legais e ilegais)
para os moldar com atributos femininos”, delimita o autor. O termo travesti,
ao ser empregado na obra, não abarca aqueles que recorrem à cirurgia para
mudança do sexo, como alguns costumam usar.
Para que o universo objeto do estudo seja
delimitado o autor discorre ainda sobre a conceituação de crossdressers, drag-queens,
transexuais e hermafroditas, para que reste claro o grupo estudado na tese.
Notadamente, vemos que o grupo pesquisado refere-se a pessoas cujo corpo é um
discurso em si, haja vista que tais indivíduos promovem alterações que tendem a
transmitir a oscilação da aparência entre feminino e masculino, fixando-se, no
entanto, na primeira imagem. O corpo é também um código de comunicação.
O autor aborda a questão da linguagem, da
performance e da performatividade, citando vários autores, conceitos e a
contextualização necessária para o entendimento. O discurso, por exemplo,
aplicado no interior de um dado grupo pode exprimir se tal grupo é fechado ou
se abre para o exterior (para outros grupos). A performatividade pode ser
entendida como “tudo que os sujeitos
elaboram estrategicamente para se produzirem enquanto tais e se posicionarem
num espaço e num tempo sociais, perante si e perante os outros.” Portanto,
o discurso, a postura, os gestos, as falas, e outros elementos se constituem
como parte do processo de afirmação.
A estrutura promove o “apagamento” – termo assim utilizado pelo autor – dos travestis que
surgem num meio que tem a heterossexualidade como normativa, o que as leva a
terem seu gênero não legitimado e não reconhecido em práticas cotidianas. No
caso de travestis que entram de forma ilegal num pais, por exemplo, ela não
pode recorrer aos meios legais para ter direitos que outros cidadãos tem, o que
culmina na sua situação de “clandestinidade
e marginalidade social.”
A parte primeira da obra se fixa em
apresentar conceitos e dimensões de análises. Lembre-se, caro leitor, de que
estamos falando de um livro que originou-se de uma tese de doutorado, portanto,
o texto tem uma forma acadêmica que se faz necessária e a linguagem empregada
pelo autor é mais formal. Acompanhamos ainda, em meio ao texto, as referências
diretas e indiretas de autores que baseiam o trabalho de análise efetuado pelo
autor.
A parte dois trata da etnografia das
mobilidades travestis. O que significa dizer que é aí que o autor apresenta a
sua opção por uma pesquisa que dá prioridade à perspectiva de observação de
práticas quotidianas, tratando da relação das travestis com a estrutura
(entenda como sociedade e estrutura formal como instituições do estado), com o
outro (outros grupos) e com os membros do grupo a que pertencem. São essas
relações que, de certo modo, garantem a especificidade da identidade das
travestis brasileiras em Portugal.
A metodologia da pesquisa também é
explicitada por Francisco Luís. A observação etnográfica compreendeu sua vida
no âmbito da prostituição domiciliar e a extensão para outros níveis de relações
sociais quotidianas, como mencionado anteriormente. Portanto, o autor
acompanhou a vida dessas pessoas de perto, incluindo acompanhamento em festas,
jantares e outros locais.
A maior parte das travestis emigraram
motivadas por desejo de “mobilidade
social e economia ascendente”, bem como tinham o objetivo de ajudar a
família. Todos anunciavam serviços sexuais pela internet em Portugal e também
em outros países da União Europeia.
O autor aborda as motivações que as fazem
sair de seu país de origem, tornarem-se travestis e escolherem em outro país
encarar a hierarquia da prostituição (hierarquia que o autor define e apresenta
no livro para que entendamos o cenário em Portugal). A violência, por vezes, é
um meio “a serviço das relações de poder
estabelecidas e também uma garantia de manutenção desse poder”. Tal frase é
apresentada ao falar de um recurso utilizado no meio da prostituição.
A parte três da obra apresenta as conclusões
do autor sobre sua pesquisa com as travestis brasileiras que vivem em Portugal,
seus percursos, identidades e ambiguidades.
Em dado trecho conclui que “apesar de sua construção de gênero
subverter e distorcer o masculino e o feminino heteronormativos, (política e
socialmente produzidos) apoiam-se neles para se expressarem identitariamente e
para subsistirem materialmente”. É certo, caro leitor, que a vida
enfrentada pelas travestis, seja em solo nacional ou em outro país, não é nada
fácil, justamente por conta de não terem a sua identidade reconhecida e não
gozarem de direitos como todos os outros cidadãos. Por não ter uma tratativa
que abarque as suas necessidades, elas precisam, portanto, utilizar-se dos
recursos que estão disponíveis na estrutura (quando tal possibilidade existe).
Ou, quando a estrutura não oferece atendimento, caem, irremediavelmente, na
clandestinidade, como observa o autor. A prostituição é um meio de
sobrevivência. As relações afetivas também surgem e são tratadas/mencionadas
pelo autor, bem como a possibilidade de melhoria econômica que vislumbram.
Travestis Brasileiras em Portugal permite ao
leitor conhecer mais profundamente esse universo de viagens das travestis que
partem do Brasil para Portugal e de lá partem ainda para outros países da
Europa. Observamos que o foco da pesquisa é um grupo de travestis que tem em
comum a fuga da violência em seu país de origem e que veem no outro país a
possibilidade de mobilidade com maior segurança, ainda que por lá atuem num
ambiente em que violência também existe – a prostituição. Vale mencionar, de antemão, que as travestis não
significam criminalidade.
As viagens que fazem são em busca de sua
própria identidade. Interessante observar a análise e o estudo efetuado por um
homem, aplicando o “olhar de fora”
sobre um grupo que merece e precisa ter voz.
Recomendo o livro para quem gosta de não
ficção, de ampliar o conhecimento e de agir com empatia com aqueles que lhes
são diferentes.
Boa leitura.
Sobre o
autor:
Francisco José Silva do
Amaral Luís nasceu em Lisboa em 1971. Foi investigador do Centro em Rede de
Investigação em Antropologia, é Doutorado em Antropologia Social e Cultural e
Mestre em Direito Administrativo e Administração Pública. Travestis Brasileiras
em Portugal é um trabalho de dez anos que cumpre o seu propósito: dar voz a
quem não tem.
Ficha
Técnica
Título: Travestis
Brasileiras em Portugal
Escritor: Francisco J. S. A.
Luís
Editora: Chiado
Edição: 1ª
Número
de Páginas:
330
ISBN: 978-989-52-3415-8
Ano: 2018
Nenhum comentário:
Postar um comentário
Deixe aqui seu comentário.