“Sabe
aquele momento em que você realmente é quase atropelado por alguma coisa e vê
sua vida passando rápido diante de seus olhos, e, então, nada acontece e você
está apenas lá, parado, os olhos arregalados, o medo cantando aos ouvidos e o
coração martelando de forma doentia? E aí, nesse instante, você percebe que
está tudo bem, você respira e é como se tivesse mais uma oportunidade. E no fim
das contas, tudo se resume a apenas um sentimento: você realmente se sente
vivo.”
Incialmente, o que você saberá sobre ele é
que ele não revelará o seu nome. Ao não revelar o nome ele, O Garoto Quase
Atropelado, que assume a voz da narrativa do livro de Vinícius Grossos - publicado
pela Faro Editorial em 2015 -, revela muito mais sobre si. O personagem nos
conta a sua história pessoal durante trinta dias por meio de um diário escrito
num mês de novembro.
A proposta de que escrevesse um diário partiu
de sua psicóloga. O livro, ou melhor, o diário, é uma forma que o garoto tem de
extravasar suas emoções e superar algo que aconteceu a ele recentemente e que
ainda deixa marcas em sua mente e em seu coração.
O garoto em questão passou a ser chamado de
quase atropelado, depois que um atropelamento quase se consumou. Foi nesse episódio
que ele teve o primeiro contato com uma garota a quem denominou de “cabelo rabo de raposa” e por quem ele
vai percebendo-se envolvido emocionalmente. Através dessa garota, o jovem
conhece ainda Natália (a menina de cabelo roxo) e Acácio – este chamado por ele
de James Dean não tão bonito.
Há dores que o garoto quase atropelado
carrega e que mexe com seus sentimentos. Mas, além dele, que é a voz narrativa
que nos conta a história, ficamos sabendo também que os outros personagens,
amigos do rapaz, tem segredos e traumas guardados, o que acaba se refletindo
nas ações e visões que eles tem sobre o mundo em que vivem e como devem agir diante
dele.
O garoto quase atropelado sabe sobre os
segredos dos seus novos amigos, mas eles parecem esconder as histórias
nebulosas de suas vidas. Não contam um para o outro, apesar da amizade que tem.
O livro tem uma narrativa coloquial, ágil,
agradável e bem condizente com o diário. Estamos falando de uma história
narrada sob a ótica de um jovem e que nos relata sua própria vida. A trama avança
nos conquistando com surpresas que são reveladas e pela forma como os
personagens atuam. O autor imprime ritmo, trata de assuntos fortes e consegue
manter uma sutileza muito verossimilhante na história que nos é contada.
O livro aborda questões inerentes à idade de
seus personagens. Portanto, fala sobre a descoberta da sexualidade e do amor,
fala de conflitos entre pais e filhos, conflitos familiares e fala sobre as relações
de amizade. Além disso, como mencionado anteriormente, toca em assuntos fortes.
Os personagens passam por temas como bulimia, suicídio, agressão física,
discriminação a homossexuais, bullying, depressão e abuso sexual.
Admirável a sagacidade do escritor em
conseguir imprimir numa história com jovens, temas como esses e não perder-se
chamando mais a atenção para os temas do que para suas histórias pessoais. As
mensagens de reflexão surgem naturalmente para o leitor. Possivelmente, a
sacada foi justamente usar a voz do garoto quase atropelado para nos contar seu
drama e aquilo que os amigos vivenciaram. Pelo olhar do rapaz, em primeiro
plano, a aproximação com o leitor acontece de maneira instantânea. Viramos
confidentes do ‘quase atropelado’.
O Garoto Quase Atropelado é um ótimo livro
por vários motivos: temos uma história bem construída, há personagens críveis e
verossimilhantes – além de demonstrarem-se cativantes, há momentos de clímax e
emoção, trata de assuntos delicados, mostra a transformação dos personagens com
suas descobertas e o enfretamento que fazem sobre aquilo que lhes é necessário.
Há ainda uma mensagem implícita que percebemos nas histórias que nos são
relatadas. É preciso que estejamos atentos para os pedidos de ajuda que são
silenciosos. É preciso que lidemos com problemas que nos afundam e que afundam
aqueles que amamos.
“Não
estava lá o que eu procurava para a vida.”
Quantas não são as pessoas que vivenciaram
problemas, sofreram agressões e abusos, mas não tem coragem de contar? No
entanto, muitas vezes essas pessoas nos lançam algumas pistas, como um pedido
para que olhemos para elas e a socorramos. É o caso de Laís, por exemplo. Laís
é a personagem chamada pelo garoto de “cabelo
de rabo de raposa”. Ela desenhava, demonstrava oscilações de comportamento,
se demonstrava solitária. Nos amigos encontra respaldo para suas dores e elas
precisam ser sanadas.
O diário que lemos apresenta trinta dias da
vida do garoto, mas são trinta dias intensos, cheios de conflitos pessoais,
conflitos psicológicos, descobertas, reviravoltas, segredos revelados,
histórias compartilhadas, aventuras e uma infinidade de ações que nos provocam
um turbilhão de emoções. Os jovens personagens buscam encontrar sentido para
suas vidas e trazem a nós questionamentos. Estamos vivos, mas nos sentimos
vivos?
Sabe aquele tipo de historia que te leva por
um caminho totalmente diferente do que você imaginava incialmente? Pois é, O
Garoto Quase Atropelado é assim. Abri a primeira página do livro pensando
encontrar uma história e encontrei outra, muito melhor, mais fascinante, mais
instigante, mais provocativa e mais bem delineada do que supus. Temos no livro
uma grande história, digna de ser roteirizada para o cinema. E, meu amigo
leitor, esse livro não deve nada para os livros similares de autores
estrangeiros que vemos figurando em listas de best-sellers.
O Garoto Quase Atropelado vai te atropelar,
com certeza. É um livro emocionante, com nuances e detalhes que tocam. Cada um
carrega sua dor e tem um modo de lidar com ela. Se estivermos atentos a quem
nos rodeia podemos ajudar a aliviar o fardo pesado que carregam. Deixe-se
atropelar por essa história e sinta-se vivo.
Leiam! É tudo que posso dizer. Leiam!
Sobre o
autor:
Vinícius Grossos | Foto: Reprodução |
Vinícius Grossos é taurino, leitor
voraz e perseguidor de sonhos. Ama comida italiana, dias nublados e café.
Nasceu em 1993, no estado do Rio de Janeiro e, quando pequeno, tinha o sonho de
trabalhar em uma livraria apenas para poder ler tudo o que fosse possível. Já
quis ser desenhista, mas sua falta de talento o ajudou a se encontrar de vez
como escritor. Publicou seu primeiro livro no ano de 2014, Sereia Negra, e
participou de diversos eventos e férias literárias.
Ficha
Técnica
Título: O Garoto Quase
Atropelado
Escritor: Vinícius Grossos
Editora: Coerência
Edição: 1ª
Número
de Páginas:
335
ISBN: 978-85-5327-103-0
Ano: 2018
Assunto: Literatura
brasileira
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