A função de um
jornalista é contar histórias?
Jonas é um jovem
jornalista que mora em São Paulo. A história do personagem se desenrola no ano
de 1989. Pelo momento histórico que o mundo passa o jovem gostaria de estar
diante de conflitos e registar os fatos, contá-los. Vê numa foto de um jovem
solitário diante de tanques do exército chinês algo que o inquieta. A imagem
que segue pelo mundo mantém-se registrada na mente de Jonas.
O jovem sai da
capital paulista e vai até o Rio de Janeiro onde assiste uma palestra de Ciro
Pessanha, militante político conhecido que escreveu um livro e por quem Jonas
tem admiração. Ciro foi preso, fugiu da prisão, viveu de forma clandestina e só
voltou a viver tranquilamente quando entrou em vigor a lei de anistia que
libertou os presos políticos e possibilitou o retorno dos portadores das vozes
que se opunham ao regime político da época. Do encontro, cuja expectativa era
pegar um autografo do escritor no livro, o inesperado na vida do jovem
acontece. De Ciro ele ouve uma história resgatada das lembranças do militante e
que provoca dúvidas e enche o jornalista de indagações a respeito da morte de
seus pais.
Inicialmente, não
acreditando no que o homem havia dito e negando qualquer possibilidade de
entendimento a respeito dos acontecimentos, Jonas rechaça a ideia. Mas, o
jornalista fica com a história - ou melhor, os vestígios que tem dela -
atormentando-o. Um telefone anotado numa embalagem de cigarro pode ser a ponta inicial
do fio condutor de seu presente com o seu passado. Alguma decisão precisa ser
tomada.
Jonas, que queria
contar histórias dos outros, vai aos poucos agindo para refazer a sua própria
história. O seu passado, agora, apresenta lacunas que precisam ser preenchidas.
Em casa, com a avó, ele tem acesso a um recorte da matéria de um jornal que
noticiara o acidente ocorrido em Belém, do qual Jonas sobrevivera aos três anos
de idade. Aquele acidente, sem dúvidas, mudou a vida do então menino. Após ser
resgatado pelos avós ele foi morar com eles que o criaram. Mas nem tudo é tão
bom o tempo todo e Jonas conviveu tendo algumas rusgas com seu avô.
Do acidente até o
momento em que se encontra com Ciro a vida do rapaz parecia seguir
tranquilamente. Agora paira a questão: O que aconteceu com os pais de Jonas?
“No papel amarelado podia-se
ler a manchete: “Acidente na BR-316 mata jovem casal de professores da UFPA”. A
matéria dizia que, ao tentar ultrapassar um ônibus de turismo, o Fusca
conduzido por Jonas Damasceno havia se chocado contra um caminhão que
transportava aves, vitimando o motorista do carro na hora e deixando em estado
grave sua esposa, Maria Eugênia Damasceno, que não resistira aos ferimentos e
morreu no hospital, no dia seguinte. O casal deixara órfão um filho de três
anos.”
Ao lado do amigo
Domenico, um artista plástico, que enfrenta seu entendimento sobre a descoberta
do vírus HIV, eles partem para a capital do Pará em busca da verdade. Domenico
é também a representação daquele que enfrenta o mundo a seu modo, que contradiz
as imposições sociais e qualquer amarra do que os outros esperam dele.
O protagonista
enfrenta seus questionamentos e vai descortinando as indagações juntando peças
em relação aos acontecimentos que culminaram na morte dos pais. Numa narrativa
que envolve, o autor nos conduz por Belém, no Pará, e novos personagens surgem
para que a história de Jonas seja reconstituída.
O livro tem
notadamente um pano de fundo político, mas que mantém-se como elemento que dá
intersecções com a vida de Jonas. Trata-se, portanto, de um livro que aborda a
descoberta de um jovem sobre o passado de sua família e que se lança em busca
de desnudar questões controversas. O foco é a reconstituição do passado de
Jonas, portanto é dele que vem a história central. No entanto, caro leitor, as
camadas que são tratadas no pano de fundo estão ali a serviço de uma boa trama,
como deve ser visto num bom livro.
Podemos afirmar
que o livro trata ainda de amizade. Jonas e Domenico são grandes amigos. A
relação entre eles, ainda que cada um tenha que contornar sua própria dor,
mostra a troca de empatia. Domenico é um personagem cativante, daqueles que
mesmo diante da dor conseguem imprimir uma visão mais leve acerca da vida.
Jonas e Domenico formam uma dupla complementar, em que a racionalidade de um
encontra escoramento (e encorajamento) na maneira mais leve de ver o mundo do
outro. Claro, que também são tratados os dissabores que cada personagem
enfrenta. Toni nos emociona com a relação de amizade que existe entre seus
personagens.
Redescobrindo sua
história, Jonas chama a atenção pela sua maneira de agir, deixando a impressão
de que investigar sua própria história e contá-la é mais difícil do que, como
jornalista, contar sobre os fatos da vida dos outros. Isso não está lá,
explícito, mas sentimos o clima. Demonstração clara da excelente construção do
personagem. As ações dele dizem mais do que qualquer descrição.
“...uma viagem
para dentro de si...”
Quanto a estrutura
do livro, além da narrativa da história de Jonas, entre os capítulos há relatos
que foram escritos pelo pai do rapaz num caderno. Os textos tem conexão com a
trama que se desenrola e apresentam detalhes que acrescentam informações sobre
as descobertas que fazemos com Jonas.
Toni Moraes nos
entrega um desfecho que surpreende.
O Ano Em que
Conheci Meus Pais nos coloca em contato com o confronto entre a verdade e a
mentira, o presente e o passado, a história do país e a história pessoal dos
personagens, as dores de uma doença e a descoberta de uma vida inteira, as
relações familiares que se abalam e as relações de amizade que se fortalecem,
os desencontros que levam a formar uma imagem do que se vive e os encontros que
refazem essa imagem.
Temos aqui um
excelente livro de estreia.
Sobre o escritor:
Toni Moraes | Foto: Caio Brito |
Toni Moraes nasceu
em Belém (PA). É arquiteto e urbanista de formação, mas encontrou no mundo das
palavras sua verdadeira vocação. Hoje é editor e escritor. Nas horas vagas
aventura-se a escrever crônicas sobre uma de suas paixões, o futebol. O Ano Em
Que Conheci Meus Pais é seu primeiro romance.
Ficha
Técnica
Título: O Ano Em Que Conheci
Meus Pais
Escritora: Toni Moraes
Editora: Monomito Editorial
Edição: 1ª
Número
de Páginas:
245
ISBN: 978-85-923508-0-2
Ano: 2017
Assunto: Literatura
brasileira
Que história incrível, ainda não conhecia a obra, fiquei super interessada na leitura :)
ResponderExcluirhttps://www.submersaempalavras.com/
Monyque, é realmente incrível. Vale ler. Abraços e muito obrigado pela visita.
ExcluirOlá Eudes.
ResponderExcluirNão conhecia o livro e nem o autor, achei a história bem interessante, dica anotada, parabéns ela resenha...abraço.
https://devoradordeletras.blogspot.com/