Creio que uma forma de felicidade é a leitura.
Jorge Luis Borges
(escritor argentino)
Ler pode até ser um ato
solitário, mas os leitores querem compartilhar suas impressões sobre as obras
lidas. Os clubes de leitura tem se espalhado pelo
país. Trata-se de um fenômeno que não é recente e que tem conquistado espaço.
Em que pese que
ainda temos um grande número de brasileiros que não tem acesso aos livros ou se
os tem não adquiriram o hábito da leitura, há muita gente lendo por aí. Os
clubes de leitura são uma forma de reunir as pessoas depois dessa tarefa
solitária. Nos encontros é possível conversar sobre os livros, expor ideias,
trocar experiências e reunir amigos.
A origem
Os clubes do
livro podem parecer um movimento novo, mas eles existem desde o século XVIII,
época em que grupos puritanos americanos reuniam-se para estudar o livro até
hoje mais vendido no mundo, a Bíblia.
Leitura no Salão de M. me Geoffrin, 1755 | Quadro de Lemonnier (1734 0 1824) |
Havia ainda os
aristocratas e burgueses da França, advindos do Iluminismo, que marcavam
encontros nos palacetes para ler os livros e debater ideias. Os salões foram o
centro da vida social e intelectual da sociedade daquela época. Entre os mais
conhecidos figuraram os de Deshoulières, de Sablière, da condessa La Suze e o
de Ninon de Lanclos. Tais salões eram um lugar em que imperava a tolerância, a irreverência
e a diversidade, posto que acolhiam ateus, deístas e libertinos.
A dinâmica das
relações entre os frequentadores, as leituras proibidas que faziam em público,
a liberdade com que atuavam e a troca de livros e ideias, fizeram dos salões um
importante agente do Iluminismo.
Os salões
tiveram grande importância na Revolução Francesa, da qual se origina uma das
representações famosas expressadas na arte, mais precisamente em um quadro de
Lemonnier (1734-1824). O quadro chama-se Leitura no Salão de M. me Geoffrin,
1755.
Em 1868,
jornalistas mulheres foram impedidas de participar de um evento literário nos
Estados Unidos. O motivo? Simplesmente por serem mulheres. Uma das jornalistas
teve a iniciativa de criar um clube de mulheres, o Sorosis, que tinha por finalidade
o estudo e a leitura. Naturalmente, o clube serviu de inspiração para outros tantos
que surgiram por meio de associações femininas na segunda metade do século XIX.
Clubes de gente famosa
Oprah Winfrey, a
mais famosa apresentadora americana tem um clube do livro chamado Oprah’s Book
Club, que foi criado em seu programa no ano de 1996. Os convidados, incluindo o
autor, dividem suas impressões pessoais sobre a obra. Dada a fama da líder do
clube alguns títulos que passaram por lá tiveram suas vendas significativamente
aumentadas. Veja-se como exemplo o primeiro livro escolhido por ela, “Nas
Profundezas do Mar Sem Fim”, da escritora Jacquelyn Mitchard. De 100 mil cópias
a venda subiu para 915 mil. Certamente, pela representatividade de Oprah, ela
serviu de inspiração para muitos outros pequenos clubes de leitura que se
espalham por aí.
Emma Watson | Foto: Reprodução |
A adorável
Hermione Granger de Harry Potter, ou melhor, a atriz que interpretou a
personagem, Emma Watson, tem um clube de leitura. Com formação em Literatura
Inglesa a atriz criou por meio de uma plataforma seu clube de livro feminista.
Por lá ela já indicou livros como Só Garotos, de Patti Smith e Persépolis, de
Marjane Satrapi.
No universo virtual
Com o advento
das redes sociais, há a possibilidade de muitos debates acontecerem de forma
virtual, utilizando-se uma das redes disponíveis. Um exemplo disso é o grupo de
Facebook denominado Devoradores de Livros, criado por Nazaré Siciliano.
Com mais de 6800
membros de todo o Brasil, no grupo os leitores postam suas impressões sobre as obras
lidas, criam desafios de leitura que tem por objetivo falar de livros de
gêneros diversos e tirar o leitor de sua zona de conforto, e compartilham todo
tipo de informação em torno dos livros.
Para 2019, por
exemplo, foi criado um desafio em que cada mês o leitor seleciona um dos três
temas sugeridos, lê a obra com aquele tema e depois posta suas observações no
grupo, o que permite com que outras pessoas interajam e também apresentem sua
visão. Além disso, ao longo do ano, subgrupos se formam para debater um livro
de determinado gênero.
Um clube pelo
whatsapp reúne 42 pessoas e lerá ao longo de 2019 as obras de Stephen King.
Parceria entre dois instagrans literários (@seguelendo e @soterradaporlivros) o
clube chamado Lendo King tem Karla Lima como uma das organizadoras. “Leremos obras do Stephen King em 2019, em
ordem cronológica dos lançamentos”. O grupo faz o debate pelo aplicativo de
mensagens “Debatemos a obra determinada
para aquele mês, em um dia e horário determinado”, complementa Karla.
Clubes de Leitura Presenciais
Do grupo
virtual Devoradores de Livros originou-se também o Clube de Leitura Devoradores
de Livros que tem ações de membros em São Paulo e Rio de Janeiro.
Em São Paulo,
o CLDL – como é chamado pelos integrantes – debateu os livros Dom Casmurro
(Machado de Assis), Não Durma (Michelle Harrison), A Mulher na Janela (A. J. Finn), Mãos Secas
Com Apenas Duas Folhas (Paula Febbe), Eu Vejo Kate (Cláudia Lemes) e A Hora da
Estrela (Clarice Lispector). Este último foi o livro que fechou o encontro dos
leitores no ano de 2018, em evento realizado no Centro Cultural São Paulo. Pela seleção apresentada, nota-se claramente a
diversidade de autores e estilos que o clube permite.
A escolha do
livro a ser lido é feita pelos próprios participantes que, além de se
comunicarem pela rede social, mantém contato por aplicativo de mensagem. Uma
vez escolhida a obra, o grupo lê e marca uma data para que a reunião e o debate
ocorra, o que pode ser feito em um parque, uma livraria, um centro cultural ou qualquer
outro espaço que possa receber as pessoas dispostas a debater ideias e
conversar sobre o que leram. O grupo não tem apoio de editoras, é independente.
Daniela
Moraes, uma das integrantes comenta: “Participar
do Clube de Leitura Devoradores do Livro é uma experiência muito gratificante
e, confesso, por vezes desafiadora, pois faz com que eu saia da minha zona de
conforto. Esse é um dos grandes méritos de um clube de leitura: provar que
podemos sim nos desafiar a ler outros gêneros que, normalmente, não
procuraríamos por conta própria. Sem contar que é maravilhoso poder debater com
outras pessoas sobre o livro lido. A troca de experiência é muito
enriquecedora, pois às vezes o outro teve uma percepção totalmente diferente da
nossa e, quando conhecemos seu ponto de vista, podemos enxergar alguns aspectos
da obra que, durante a leitura individual, passaram despercebidos”.
A troca de
experiências vai para além das obras lidas. Os integrantes do grupo se confraternizam
com troca de livros usados, sorteios de livros e brindes, além de estreitarem
os laços de amizade. Eva Majzoub, outra integrante do Clube de Leitura Devoradores
de Livros reforça a importância da convivência com o grupo: “Não consigo me imaginar sem esse grupo tão
especial.”
Outro clube de
leitura conhecido em São Paulo é o Café Literário SP, que ocorre mensalmente,
no último domingo de cada mês na Biblioteca Mário de Andrade localizada na
região central da capital paulista e que tem como idealizadora e curadora a
professora Janaína Soggia. As reuniões aconteciam na Casa das Rosas, que fica
na Avenida Paulista, desde de 2016, mas em função da procura dos participantes
a organizadora buscou um lugar maior.
A lista de
livros que serão apresentados em 2019 está disponível na página do Facebook do
Café Literário SP - https://www.facebook.com/cafeliterariosp. Entre os livros estão O Segundo Olhar (Mário Quintana), De
Repente nas Profundezas do Bosque (Amós Oz), Bestiário (Júlio Cortázar), Olhos
D’Água (Conceição Evaristo) e o primeiro do ano será A Ciranda das Mulheres
Sábias (Clarissa Pinkola Estés).
O Centro
Cultural de São Paulo abriga o Clube de Leitura Leia Mulheres, um coletivo que
tem por objetivo estimular o debate e a divulgação de livros que tenham sido
escritos por mulheres. Criado em 2015 as organizadoras do projeto são Juliana
Gomes, Juliana Leunroth e Michelle Henriques. O primeiro encontro de 2019 terá
como tema o livro Jane Eyre, da britânica Charlotte Brontë. O romance foi
publicado originalmente em 1847. Outras informações sobre o clube podem ser
obtidas no site do Centro Cultural (http://centrocultural.sp.gov.br/site/eventos/evento/leia-mulheres-clube-de-leitura/).
Clubes de assinatura
Uma outra
modalidade de clubes são aqueles por assinatura. O surgimento data de 1926 com
o Book of Month, nos Estados Unidos. Escritores ou críticos escolhiam uma lista
de livros e os assinantes selecionavam o que gostariam de receber.
No Brasil
também aconteceu algo parecido. O primeiro foi o Clube do Livro, que funcionou
de 1943 até 1989 e foi criado por Mário Graciotti.
Em terras
brasileiras também funcionou o Círculo do Livro, criado pela Editora Abril. A
iniciativa teve início no ano de 1973 e continuou ativa até 1993.
Hoje alguns
projetos similares existem no país. Basicamente o leitor faz a assinatura de
uma das opções que a empresa disponibiliza e, mensalmente, recebe em sua
residência uma caixa com livros e brindes. Alguns desses clubes optam pela
curadoria de algum escritor ou escritora que indica o livro que é enviado aos
assinantes no mês. Até algumas editoras apostaram nesse segmento e tem seu
próprio clube de assinatura, como o Intrínsecos (da Editora Intrínseca).
Pode parecer
que a graça do clube acaba por aí, mas não. Depois que os leitores recebem suas
obras e efetivam a leitura, acabam também formando grupos presenciais ou discutindo
por meio das redes sociais os livros que leram.
Com diferentes
formas de atuação e de decidir o livro que será enviado, cabe ao leitor
pesquisar os clubes de assinatura disponíveis e ver aquele que melhor atenda
sua necessidade. Inclusive, existem clubes de assinatura especializados para o
público infantil, o que é uma excelente forma de estímulo à formação de novos
leitores.
Clube de leitura nos presídios
Em maio de
2018 a Revista Galileu publicou reportagem sobre clube de leituras realizados
em presídios, nos quais, segundo a matéria, a média de livros lidos no ano
chega a 12, contra 4,96 da média geral (dado da Pesquisa Retratos da Leitura
2016).
O Conselho
Nacional de Justiça incentiva a leitura, porque a cada livro lido pelos presidiários a pena é
diminuída em quatro dias, ou seja, com a leitura de um livro por mês os presos
podem reduzir a pena em até 48 dias no ano.
Iniciativas
como essas também acabam por formar um público leitor que antes não tinha o
hábito da leitura e resgatam a autoestima de quem se vê longe da sociedade.
Como dizia José Saramago: “A leitura é,
provavelmente, uma outra maneira de estar em um lugar”.
Nota: texto publicado originalmente na Revista
Conexão Literatura de janeiro de 2019.
O Clube de Leitura
Devoradores de Livros (São Paulo) terá o próximo debate no dia 24 de março de
2019. O livro a ser debatido pelo grupo será Ferrão de Escorpião, da escritora
Soraya Abuchaim, publicado pela Monomito Editorial. O evento contará com a participação da
escritora. Para mais informações entre em contato via e-mail:
tomoliterario@gmail.com.
Olá!
ResponderExcluirQue bacana! Não sabia que a Emma também tinha um clube do livro.
Morro de vontade de participar de um, mas a vida anda tão corrida.
Beijão
Leitora Cretina