Stalker – Tarryn Fisher - Tomo Literário


“Ver você conseguir as coisas sem merecer, e ainda por cima se esbaldar com elas, é um horror. Isso me revolta. Quem deveria tê-las sou eu, pois mereço muito mais que você. Na verdade, eu poderia ser uma versão sua melhorada. Sou todas as mulheres; tenho todas dentro de mim”.

O mais recente livro de Tarryn Fisher traz ao leitor uma história cercada de mistérios e de nuances psicológicas, em que a inveja se transforma em obsessão.

Fig Coxbury é uma mulher solitária. Ela conta que teve um relacionamento que foi rompido e que passou também pela perda de uma filha, que completaria dois anos de idade. Jolene Avery é uma mulher casada, mãe de uma menina e aparenta levar uma vida feliz (a vida da família dos comerciais de margatina), o que inclui encontros com amigas às sextas-feiras. Fig a ronda, projetando em Mercy Moon, a filha de Jolene, a reencarnação da filha que perdera. 

A obsessão de Fig vai a intensificando. Ela compra a casa vizinha da de Jolene, localizada na West Barrett Street, começa uma amizade com ela, recebe afeto da filha da mulher, disputa atenção com o marido (a quem ela diz que ama) e compartilha as amigas. Fig queria estar no lugar de Jolene, ter a filha de Jolene, o marido de Jolene, a vida de Jolene.

Fig é a personagem-narradora da primeira parte da história de Tarryn Fisher. Parte essa denominada de A Psicopata. A trama, contatada em primeira pessoa, nos aproxima da relação estranha que essa mulher tem com sua vizinha. Seus pensamentos, aquilo que ela diz em suas sessões de terapia, sua inveja, suas mentiras, sua cobiça transparecem ao leitor. O que torna  a história atraente, pois temos o ponto de vista de personagem conturbada e psicologicamente complexa conduzindo quem lê.

"Perseguidora, stalker, stalker."

Não há como negar que Fig é uma mulher ardilosa, sedutora, de boa lábia e que sabe manipular quem está próximo dela. Manipulação é uma de suas estratégias de vida, o que a leva a inventar doenças e criar histórias que são contadas, para os quais o leitor pode duvidar se são realmente reais ou não, na medida em que a história avança. Os atos de Fig Coxbury soam frios e planejados, cheios de segundas intenções, com uma maldade cínica que vai se apresentando ao leitor.

A história do livro é baseada em uma história real, que aconteceu com a própria autora. Portanto,  em que pese alguns acontecimentos que soam imaginativos demais, Fig é assim. Ela cria situações, disfarça características, simula comportamentos. O leitor percebe sua forma tendenciosa de tratar a vida e de tentar conquistar o que deseja, nem que para isso tenha que de passar por cima dos outros, sem pensar no que eles realmente sentem. De certo modo, nela falta empatia. Veja-se como exemplo uma passagem em que a personagem menciona que uma tentativa de suicídio a fizera mal, mas que a sua interlocutora  (que está preocupada com ela) não imagina que também lhe causa mal.

Na parte dois – O Sociopata – a voz da narrativa muda. Passamos então a acompanhar a perspectiva de Darius, marido de Jolene e que se vê envolto nas artimanhas de Fig. Ainda que ele tenha a percepção da forma com que ela atua,  vez que trata-se de um psicólogo, salta aos olhos o ar de vaidade desse homem e outros traços de sua personalidade aparecem para os leitores. Ele tem nuances de sociopatia e a personalidade ambígua do personagem mexe com o leitor. Ora o vemos como uma vítima, ora como algoz, ora como coparticipe das ações impetradas pela ardilosa Fig.

Interessante observar a forma com que a autora faz a mudança, nos dando uma visão completamente diferente daquilo que foi apresentado na primeira parte. Nessa etapa do livro já estamos imaginando mil possibilidades de acontecimentos que podem surgir e do que essa relação conturbada e essa mulher “stalker” vai ser capaz de fazer. Qual o papel do marido de Jolene nessa história? Ele retifica e ratifica as armadilhas de Fig.

“...A vida é um jogo. E é divertido ser um jogador ativo.”


Na terceira parte do livro, intitulada A Escritora, temos mais uma mudança de voz da narrativa e Jolene assume o papel de contar a trama ao leitor. Pela voz dela, uma escritora, temos o desfecho da trama e o esclarecimento de pontos que pareciam ainda misteriosos nas partes anteriores do livro. Vale observar atentamente a postura de Jolene diante dos acontecimentos que se passam com o marido e com a amiga Fig.

“...Temos amor próprio, certo? Na verdade, somos obcecados por nós mesmos. Não? Também valorizamos o que odiamos. Se duvida disso, experimente cronometrar o seu ódio-próprio. A gente gasta noventa por cento do nosso tempo procurando motivos pra nos odiar. Pura obsessão.”

Stalker é uma história com excelentes personagens. Os três principais apresentam características psicológicas que garantem, por meio de suas ações, bons momentos da trama. Há um clima de mistério que fica no ar. Stalker não é um tipo de thriller no qual você tem que descobrir algo ou perseguir algum suspense. A história é contada como um relato que vai nos surpreendendo pelas ações daqueles que fazem parte dela. Ter usado a primeira pessoa nas três partes dá ao leitor visões diferentes em relação a cada etapa da trama e expõe os personagens, aproximando-os de quem lê. Com eles contando, não há mentira para o leitor, ainda que eles omitam alguns fatos.

O desfecho surpreende por ser natural. Chamo de natural, pois não há nada de excepcional ou uma reviravolta que faça o leitor se levantar da cadeira. Justamente por isso, torna-se intrigante. Tal qual a vida real (estamos falando de um livro baseado numa história real), o desfecho acontece com a abertura que as histórias reais tem.

A maneira como Tarryn Fisher construiu a história prende a atenção do leitor e a narrativa nos conduz numa leitura agradável, ágil e instigante.

Decerto que pessoas como Fig existem, bem como homens com a personalidade de Darius. Jolene, a escritora, também é uma personagem altamente crível. Os personagens são um dos pontos altos da trama, pois é neles que a história reside e não nos elementos externos, como o ambiente ou acontecimentos que se passam com terceiros.

Stalker é um bom livro!

Sobre a autora:

Tarryn Fisher | Foto: Reprodução

Tarryn Fisher é autora best-seller do The New York Times, fundadora do blog de mota @guise_of_the_villain e coautora da série Never, Never, com Collen Hoover. Tarryn ama vilões, pois “todos sofreram com excesso de vaidade (como eu). Gosto de fazer desses tipos de personalidade o centro das minhas histórias.” Ela vive em Seattle com o marido e dois filhos. Adora dias chuvosos, Coca-Cola, café e uma boa dose de sarcasmo, mas odeia adjetivos ruins. Sua trilogia Amor e Mentiras e F*ck Love foram lançadas no Brasil pela Faro Editorial.

Ficha Técnica

Título: Stalker
Escritor: Tarryn Fisher
Editora: Faro
Edição:
Número de Páginas: 252
ISBN: 978-85-9581-047-1
Ano: 2018
Assunto: Ficção norte-americana

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