O silêncio. Por acaso ele não existe entre os
amantes? E, na esfera das relações, não há momentos em que o silêncio e até a
ausência de comunicação, tomam as pessoas? O Silêncio dos Amantes, de Lya Luft,
foi publicado pela Editora Record em 2008 e reúne vinte contos da escritora.
A Pedra da Bruxa, conto que abre o livro,
aborda a incomunicabilidade que fica ainda mais marcante quando há a morte de
um filho. Se faz perceptível quando o deixar de ouvir, o deixar de dizer, já
não pode mais ser remediado.
Em outra história um garoto que tem nanismo
sente a rejeição na escola, e não só nela, em casa também. Mesmo quando pede
ajuda ao pai não a recebe. Demonstra-se o preconceito com quem tem aparência
diferente. Criam-se barreiras, calam-se as vozes, ou ainda que a voz fale, não
se ouve.
A morte também silencia: “onde estão todas as coisas que amei e perdi ou deixei, todas as
pessoas?” Morte natural ou provocada por si mesmo, traz silêncio. No
entanto, há o silêncio que esteve presente nos anos anteriores, quando em vida.
Existe a não percepção em relação ao outro e ao que o outro pensava ou sentia.
Quantas não são as vezes em que as pessoas não percebem quem está ao seu lado?
Nos acomodamentos, brigas, descobertas da
vida cotidiana, pode-se ainda deixar passar o que de fato é importante. Há
momentos em que não se pode mais saber o que era, sim, era, realmente
necessário. Já não há como remediar. A vida se esvaiu, foi tirada.
O alcoolismo se faz presente numa família,
criando um cenário de mentiras e de barreiras entre relações. Também temos a
história de quem sente o afastamento do pai, que sabe sobre suas tentativas de
deixar a vida, de esconder-se da realidade no quarto escuro. Sabe que “seus fantasmas eram mais fortes”. Uma
metáfora em relação a águas escuras que chamam o homem é feita com a depressão
e as marcas que ela deixa nos familiares, em decorrência do desfecho que tem.
Nos contos temos retratadas situações que
versam sobre a falta de diálogo, os conflitos das relações humanas (amorosas,
afetivas, familiares), a busca do homem pelo sentido da vida ou de
emprestar-lhe algum sentido no cotidiano que, efêmero, nos traga para o olhar a
nós mesmos. Falam sobre a percepção dos acontecimentos do dia e dos sentimentos
de quem nos ronda (ainda a ausência da percepção). Lya Luft demonstra e trata
com sutileza e coragem assuntos que provocam o leitor ao longo da leitura.
Fala-se sobre questões que, por vezes, são pouco comentadas, mas que precisam
ser debatidas e suscitadas nas relações. Não falta a objetividade e a
subjetividade, a dureza e a delicadeza para nos contar boas histórias que lemos
em O Silêncio dos Amantes, livro publicado pela Editora Record em 2008.
O cotidiano dos personagens que aparecem nas
histórias são imprevisíveis, tal qual o da vida que se faz fora da ficção. Os
textos conseguem ser profundos e sutis, fortes e sensíveis, com uma narrativa
que encanta pelo modo como nos é narrada. Amor, vingança, saudade, raiva,
depressão, falta de comunicação, suicídio, tranquilidade e inquietação se fazem
presente.
Uma mulher se imagina como outra pessoa.
Seria uma visão do que ela gostaria de ser e não é? A família, para ela, não a
enxerga direito, “apesar do café na hora,
da camisa bem passada, do supermercado com muita economia, da comida como eles
gostam e dos lençóis limpíssimos”. A invisibilidade nossa de cada dia.
Há também a neta que sela a cumplicidade com
a vó que está no leito, sendo cuidada, agindo como uma criança. O olhar, tão
silencioso e que tanto diz, e que é perfeitamente capaz de deixar registros,
marcas na lembrança.
O perdão é sempre necessário? Na penúltima
história, Leilah casa-se, aos quinze anos, com um homem mais velho, por
imposição do pai. Esse homem não lhe faz bem e trinta anos depois ela consegue
se separar. Há muito que quem está de fora de uma relação não sabe, mas Leilah
sabia e sofreu por muitos anos. Coloca-se em discussão a visão que homens tem a
respeito de mulheres. O que é preciso fazer?
O silêncio dos amantes, conto que dá nome ao
livro, encerra a obra. “Eu tinha sido
traída por uma pessoa, ele pelo destino”. Uma relação que se constrói,
apesar das dores.
Os nomes dos contos presentes no livro são: A
Pedra da Bruxa, O anão, O aniversário, O que a gente não disse, Bebês no sótão,
Um copo de lágrimas, O jardim das visões, No fundo das águas, O fruto do meu
ventre, O internato, A presença, Uma em duas, Encontros, A Velha, O menino do
mar, O pássaro, Adria, Presente de Natal, O perdão e O silêncio dos amantes. Um
poema chamado Sem palavras faz a abertura da obra.
“A vida inteira busquei
explicações e deciframentos;
encontrei silêncio e segredo,
às vezes o conforto de um ombro,
outras vezes
dor.”
O livro é uma reunião de histórias ficcionais
que falam, sobretudo, de ações humanas. Nos detalhes, metáforas, simbologismos,
comportamentos dos personagens, temos uma porção de textos que nos levam a refletir
sobre o perceber o outro, ainda que na sutileza, ainda que seja no silêncio, e
perceber também nas entrelinhas do que nos é dito (e silenciado). É um bom
livro. Um mergulho em sentimentos humanos.
Sobre a
autora:
Lya Luft | Foto: Reprodução |
Lya Luft começou sua carreira literária em
1980, aos 41 anos, com a publicação do romance As Parceiras, seguido por A Asa
Esquerda do Anjo (1981), Reunião de Família (1982), Exílio (1987), O Lado Fatal
(1988), A Sentinela (1994), O Rio do Meio (1996, Prêmio da Associação Paulista
dos Críticos de Arte), Secreta Mirada (1997), O Ponto Cego (1999), História do
Tempo (2000), Mar de Dentro (2002), Perdas & Ganhos (2003), Pensar é
Transgredir (2014) e, no mesmo ano, História de Bruxa Boa, sua estreia na literatura
infantil, tema que retomaria em 2007 com A Volta da Bruxa Boa. Em 2005,
publicou o volume de poesias Para Não Dizer Adeus e, em 2006, a reunião de
crônicas Em Outras Palavras. Forma em Letras Anglo-Germânicas e com mestrado em
Literatura Brasileira e Linguística, Lya trabalha desde os vinte anos como
tradutora de alemão e inglês, e já verteu para o português obras de Virginia
Woolf, Günter Grass, Thomas Mann e Doris Lessing, além de ter recebido o Prêmio
União Lataina de melhor tradução técnica e científica em 2001 pela tradução de
Lete: Arte e Crítica do Esquecimento, de Harald Weinrich.
Ficha
Técnica
Título: O Silêncio dos
Amantes
Escritor: Lya Luft
Editora: Record
Edição: 1ª
Número
de Páginas:
159
ISBN: 978-85-01-07193-4
Ano: 2008
Assunto: Conto brasileiro
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