Felipe Cruz lança seu terceiro livro pela
Monomito Editorial. Você Nunca Fez Nada Errado é um livro em que o escritor passa
por diferentes gêneros literários para falar sobre parte da sua vida a partir
da descoberta do HIV. Felipe conversou com o Tomo Literário e falou sobre o seu
livro, a nova casa editorial, inspirações para escrever, livros que recomenda,
novos projetos e muito mais. Confira a entrevista.
Tomo
Literário:
Como
e quando você se tornou escritor?
Felipe
Cruz:
Talvez eu não possa acessar, realmente, a resposta a essa pergunta. Como nos
tornamos qualquer coisa? Me parece difícil definir um momento... apenas um,
quero dizer. Mas gosto de uma possibilidade: quando eu era criança, ali pelos 6
ou 7 anos, eu pouco via minha mãe porque ela trabalhava e estuda. Como eu
sentia muitas saudades dela, comecei a escrever bilhetes que espalhava pela
casa para que ela lesse quando chegasse. Um desses bilhetes ela guarda até hoje
– há, ali, algumas metáforas. Tento explicar o que ela significava para mim por
meio dos elementos da natureza. Era poesia. Antes disso, no entanto, eu já
fabulava. Outra possibilidade: lembro de ler um livro chamado Conversas com um pato, ainda muito
criança; o protagonista se chamava Felipe e era um menino calado, tímido...
como eu. Foi um choque, um conforto. Acho que a história de como qualquer
pessoa se torna escritora está também intimamente ligada à como essa pessoa se
torna leitora. Então, penso que posso ficar com esses dois momentos: ler Conversas com um pato, escrever para
minha mãe.
Tomo
Literário:
Você
Nunca Fez Nada Errado, seu terceiro livro, é lançado pela Monomito Editorial.
Como surgiu a ideia dessa obra?
Felipe
Cruz: É
difícil dizer... nesse caso, especialmente. Sempre é difícil, para mim,
discernir quando o texto aparece pela primeira vez. Com o Você nunca fez nada errado se trata de um processo de, pelo menos,
5 anos. E começou com a negação da narrativa que eu estava vivendo. A negação
de quem eu era: um homem homossexual que havia contraído o HIV. Posso delimitar
muito bem quando comecei a escrever o livro (apesar de, evidentemente, um livro
não começar apenas quando se inicia a escrita). Eu havia acabado de contar ao
meu pai que sou soropositivo e era uma conversa que me provocava muita
ansiedade. Eu quis, justamente por isso, registrar como ele havia sido doce e
cuidadoso comigo. Como eu havia me sentido amparado. Quis guardar esse instante
e comecei a descrever a manhã chuvosa em que conversamos assim que ele chegou
de viagem para me ver. Eu não queria perder aquela imagem. Quando escrevi
aquilo, no entanto, eu não fazia a menor ideia de estar começando o que viria a
se tornar o livro.
Tomo
Literário: No livro você narra parte de
sua vida a partir da descoberta do HIV. A literatura fez parte do processo de
entendimento sobre o que se passava ou veio depois como um registro?
Felipe
Cruz: Acredito
que as duas coisas. Como eu disse antes, passei por um longo processo de
negação – porém, a literatura esteve presente como chave de entendimento
durante todo esse período. O meu primeiro livro, Acúmulo (2016), reverberava muito da solidão a que eu havia me
entregado nos anos posteriores ao diagnóstico, e o livro não menciona, em
nenhum momento, o HIV. Mas estava lá e, provavelmente, foram as interdições que
me impus que me levaram a escrever aqueles poemas. No caso do Você nunca fez nada errado, depois que
compreendi se tratar de um livro o que eu estava escrevendo, percebi que a
literatura voltava a ser um modo de compreender o que havia acontecido no
passado e de registrar o que se passava no presente. Por muito tempo me
preocupava que o texto não tivesse valor literário justamente por ser motivado
por essas duas pulsões tão íntimas. Agora, nesse momento, sei que se trata do
exercício literário mais radical a que já me dediquei.
Tomo
Literário:
A
literatura salva, costumo dizer. Você acredita que seu livro surge como um
facilitador no processo de rompimento da barreira de preconceito que há com os
portadores do vírus?
Felipe
Cruz:
É uma visão otimista. Não sei se o livro vai facilitar o que quer que seja. Não
penso em termos de facilitar, prefiro pensar que, pela partilha da minha
solidão, outros e outras poderão enxergar um caminho para dividirem a sua
solidão com as pessoas que amam, as pessoas que lhes oferecem amparo. O
preconceito em relação aos portadores do vírus é complexo porque é uma
metáfora. Susan Sontag tratou desse tema muito bem. A questão não é exatamente
o vírus (como é o caso do Ebola, por exemplo), mas sim o que ainda representa o
soropositivo para a sociedade: alguém promíscuo e decaído que manifesta no
vírus a punição merecida. E, claro, essa visão tem muito a ver com a homofobia
em especial e com a LGBTTfobia de maneira geral. Acredito que o meu livro não
seja o suficiente para alterar essa lógica apodrecida, patriarcal, machista.
Mas espero que, ao menos, ele se estenda ao leitor como uma mão. Se isso
acontecer, já sentirei muita alegria.
Tomo
Literário:
Como
você vê atualmente o cenário literário brasileiro e de que forma você chegou
até a Monomito, a sua casa editorial?
Felipe
Cruz:
Acho que não sou o mais indicado para oferecer um panorama do cenário literário
brasileiro. Posso falar da minha cidade e um pouco do meu estado. Belém está na
Amazônia – essa terra eternamente explorada e aniquilada. Aqui há muitos
autores e autoras que produzem com frequência em condições de incentivo
praticamente nulo. Ano passado as escritoras paraenses promoveram a primeira
Feira do Livro voltada, especificamente, para a produção das mulheres autoras
daqui do Pará; tudo de forma independente. Foi muito bonito. Uma coragem
inspiradora, como toda coragem legítima – que só pode surgir dos que conhecem a
ameaça do silenciamento, da aniquilação. Aqui onde vivo, o cenário é fecundo,
estimulante. Não me parece que o resto do país, pelo menos os lugares
considerados como grandes centros culturais, reconheçam a variedade e o vigor
desse movimento. Pior para eles. Muito está sendo produzido e há muito tempo.
Quanto à Monomito, cheguei até ela porque participei de um evento promovido por
um de seus fundadores, o Toni Moraes. Conversamos sobre a possibilidade de eu
enviar alguns originais para avaliação, então tomei coragem e enviei os
originais do Você nunca fez nada errado.
Tomo
Literário:
De
modo geral o que te inspira a escrever?
Felipe
Cruz:
O que observo do que me cerca. Sempre escrevi a partir de experiências muito
palpáveis, não sou muito dado à abstração. O Acúmulo foi o resultado de algumas viagens que fiz, períodos em que
percorri cidades diferentes, por razões diferentes, e me permiti escutar, ver.
Acredito que houve uma virada muito importante: quando passei a pensar minhas
origens, minha ancestralidade. Isso começou com o falecimento da minha avó
paterna. Como eu disse, escrevo a partir do material. Acredito que as coisas
tangíveis são chaves de acesso muito potentes para essa outra coisa que nos
ultrapassa e cuja definição é não só impossível, mas completamente desnecessária.
Assim, a vida doméstica me inspira muito, as conversas com as pessoas, as
fotografias. Esses elementos a que todos têm acesso diariamente.
Tomo
Literário:
Além
do livro que acaba de ser lançado você está preparando algum novo projeto literário?
Pode nos adiantar alguma informação?
Felipe
Cruz:
Depois do Você nunca fez nada errado,
será lançado meu terceiro livro de poemas, Essa
imagem não existe. Eu estou trabalhando, atualmente, em uma coletânea de
contos. Quero passar algum tempo me dedicando à narrativa. É desafiador para
mim. Parece exigir de mim uma concentração maior, por um tempo maior. Esses
contos giram em torno da sexualidade masculina, da violência da masculinidade.
Tomo
Literário: Que escritores você admira ou
que influenciaram o seu trabalho como escritor?
Felipe
Cruz:
Na poesia eu admiro muito Wislawa Szymborska, Sylvia Plath, Ana Cristina Cesar,
Adrienne Rich, Adília Lopes, Sophia de Mellor Breyner Andresen e Cecília
Meireles. Na prosa fico com Virginia Woolf, Jane Austen, Clarice Lispector,
Lucia Berlin, Flannery O’Connor, Marie NDiaye, Anton Tchekhov e William
Faulkner. A questão da influência é delicada... mas essas escritoras e esses
escritores, todos, me fizeram escrever.
Tomo
Literário:
Que
livros, de quaisquer gêneros, você recomendaria aos leitores? Está lendo algum
atualmente?
Felipe
Cruz:
Dos mais recentes que li recomendaria O
quarto de Giovani, um romance do James Baldwin, Não mais, uma antologia poética do Czeslaw Milosz e Garotas Mortas, uma espécie de
jornalismo literário da Selva Almada. Estou lendo Há dias, da poeta paraense Rosângela Darwich, uma poeta genial.
Tomo
Literário:
Além
da literatura, quais são as outras paixões de Felipe Cruz? O que gosta de fazer
quando não está atuando com as palavras?
Felipe
Cruz: Lecionar,
fotografar e conversar. São três atividades que me estimulam muito. São coisas
que amo e sem as quais não conseguiria escrever.
Tomo
Literário: Gostaria de deixar algum
comentário para os leitores do blog?
Felipe
Cruz: É
revigorante saber que há sempre pessoas interessadas no que está sendo
produzido na literatura contemporânea. Escrevemos para sermos lidos e a essas
pessoas eu só posso agradecer.
Obras
Publicadas:
Acúmulo, poemas, 2016 (é
possível adquirir com o autor).
Os
cegos dormem,
poemas, 2018 (é possível adquirir entrando em contanto com a Edições ¼, pelo
facebook ou instagram).
Você
nunca fez nada errado,
prosa, 2019 (é possível adquirir na pré-venda realizada no site da Monomito
Editorial - https://www.livrariamonomito.com.br/voce-nunca-fez-nada-errado).
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