O prólogo já nos coloca em contato com a
personagem principal, Ana Luísa, que se envolve num acidente de moto. É ali que
ela se depara com um homem que desperta algo diferente nela, mesmo que, a
partir do que aconteceu ela tenha que voltar para casa, para a sua “vida de mulher, mãe e esposa”. Então,
logo no início, já temos muito bem apresentado um aspecto que permeia todo o
livro, a dualidade que a personagem enfrentará entre seus desejos mais intensos
e tudo aquilo que vive no cotidiano.
Além disso, ela costumava observar o
motoqueiro desde que o viu num galpão, “sem
camisa, suado, os cabelos desgrenhados, o peitoral musculoso, farto”. Com o
acidente ocorrido ela mantivera-se um pouco mais cautelosa, apesar da fantasia
tomar-lhe a mente, provocar-lhe excitação.
Ana Luísa é uma mulher bem-sucedida, uma das
melhores advogadas da Bahia. Tem quarenta anos, casada com Carlos Augusto, mãe
de uma filha chamada Íris, mas que também carrega uma relação infeliz no que
refere-se a sua condição de esposa. A rotina e o lar, além do trabalho árduo no
escritório em que é proprietária, tomam conta de suas preocupações. Com o
motoqueiro, o misterioso motoqueiro, sua feminilidade, seus desejos e sua
sexualidade parecem aflorar. Por meio dele ela sente que pode ser mulher (além
dos papéis sociais que lhe são impostos).
O autor utiliza de um recurso inusitado. Num
supermercado a protagonista ouve alguém pronunciando seu nome e depois encontra
Himeros – uma pessoa que aparece para ela, uma pessoa não, o “deus do desejo sexual”. Dele ela recebe
um livro em branco, onde será registrado todos os seus desejos e aventuras
sexuais. A entrada desse personagem na trama, com o objeto que dá título ao
livro por tornar-se o Diário Secreto de Ana Luísa, sabiamente não toma o centro
da história. Aparece como um elemento que paira nos segredos da alma de Ana
Luísa. Só ela o vê, só ela conversa com o deus do desejo, só ela pode ler o que
há no diário. Daí decorre que o próprio leitor pode interpretar como seu
subconsciente falando com ela, ou como aquela “voz” com quem falamos sozinhos
ou tal como se apresenta, o deus do desejo atiçando nela a volúpia.
Na confraternização dos funcionários do
escritório, Ana Luísa tem a primeira possibilidade de extravasar os seus
desejos. Ainda que seja um acontecimento efêmero, isso a faz sentir-se
desejada, sentir-se mulher. Temos aqui a primeira história escrita no diário
que tinha suas páginas em branco. Metaforicamente podemos interpretar o diário
como uma possibilidade de Ana Luísa reescrever a história de sua vida ou de
descobrir-se e registar os momentos de suas descobertas. Quando ela sai da
festa, reforça que “estava pronta para
vier a mulher que (...) deveria ter sido a vida toda”.
Em Ana Luísa reside o conflito do desejo com
todos os pudores aprendidos ao longo da vida, ou que pelo menos não eram
questionados até o encontro com o motoqueiro misterioso e com Himeros. Também
reside nela o comodismo e o medo de qualquer acontecimento fora de seu
casamento, ainda que, de algum modo, este último não lhe traga a felicidade
plena e lhe cause desconfortos no roto cotidiano. Uma relação que pelo que nos
é narrado por Ana Luísa mudou ao longo do tempo, mas que parece ainda deixa-la
numa zona de conforto (por mais desagradável que lhe pareça).
“Eu
sucumbi à necessidade. Talvez eu devesse ter feito isso há muito tempo.
Entregar-me à minha verdade e viver a minha vida da forma que me aprazia. Mas
ainda havia coisas que precisavam ser resolvidas e eu não sabia qual era a
melhor forma de fazer aquilo”, confidencia a protagonista em determinado
trecho do livro.
Note bem, caro leitor. Ana Luísa é uma
personagem que apresenta uma transformação durante a trajetória da história. De
acordo com suas vivências e seus questionamentos, vamos percebendo uma mudança
gradual na forma com que ela se expõe e nos atos que pratica. Quando ela diz
que “existem conflitos dentro de mim que
precisam ser vencidos”, notamos que ela evolui em relação a tais conflitos.
Eles a rondam, a perturbam, mas o que ela deseja é vencê-los e assim construir
a sua própria trajetória como mulher.
Em dado momento é inegável que o leitor
sentirá toda a angústia dos sentimentos que essa mulher carrega. Um misto de
medo da liberdade fora do casamento e das sensações desconexas que ela tem em
relação a tudo que sente. Os conflitos de sentimentos a tornam demasiadamente
humana e crível.
No que se refere ao tempo, a história se
passa em semanas que precedem o Natal e vão até o próximo ano. Durante tal
período, portanto, temos uma festa familiar que culmina no reforço das
ambiguidades de sentimentos que tomam Ana Luísa: o papel de mulher que a
sociedade espera e os seus desejos íntimos. Seus conflitos ganham
potencialidade com essas nuances.
Diário Secreto de Ana Luísa é um livro com
sexo e erotismo. Temos, portanto, cenas quentes, detalhadas, em que há a
exacerbação do desejo de Ana Luísa e o fervor dos corpos que se entrelaçam. No
entanto, o autor consegue de maneira magistral criar uma personagem profunda,
que carrega suas indagações, seus anseios, sua inquietação no conformismo que
chega a incomodar. A sua construção dá ao leitor o sentimento de angústia que
mencionei anteriormente. Conseguimos ter empatia por ela, pelos seus confrontos
e pelo rompimento que ela faz em relação a moral instituída pela sociedade.
Ana Luísa é a personagem que faz a narrativa.
A história, contada em primeira pessoa, aproxima ainda mais o leitor dessa
mulher e de sua vida. Faz todo sentido que ela seja a narradora, pois os
conflitos partem dela e de seus desejos secretos. A descoberta que ela faz não
é para o mundo, é para si mesma. A volúpia que domina vira combustível para dar
coragem a enfrentar tudo e todos,
garantindo para si que há possibilidade
de ultrapassar limites ou de se desvencilhar daqueles que a limitam.
Não posso deixar de mencionar a bela capa que
o livro tem. E, ao ler a história que nos é contada, vemos que a capa tem todo
o clima da obra. Existe na mulher que a estampa toda a volúpia, a elegância e
as características de Ana Luísa, a protagonista do livro. O clima da capa está
em consonância com o conteúdo.
Diário Secreto de Ana Luísa é um ótimo livro.
Marcos Well, mais uma vez, acerta na construção de sua história, na
profundidade da criação de seus personagens e brinda o leitor com uma trama
envolvente, sensual e ardente! Entre o desejo carnal, o sexo consumado, os
sentimentos demasiadamente humanos Ana Luísa é fogo que arde!
Sobre o
autor:
Marcos Well é baiano,
graduando em Ciências Econômicas. Autor do romance Epicuro em Meu Jardim
publicado em 2016. Sempre foi apaixonado por literatura. Começou a escrever
ainda criança, quando fazia versões ilustradas de contos infantis clássicos. É
autor dos contos eróticos: O Homem dos Meus Sonhos e Taú e foi finalista do II Concurso
Nacional de Criação Literária Kazuá: Prêmio Tatu de Romance.
Ficha
Técnica
Título: Diário Secreto de
Ana Luísa
Escritor: Marcos Well
Editora: Independente
Edição: 1ª
Número
de Páginas:
205
Ano: 2018
Assunto: Literatura
brasileira
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