Quando a escuridão
está presente no espaço, no tempo, na mente e nas ações humanas. Foi essa a definição
que me veio à cabeça assim que conclui a leitura do livro Inferno no Ártico, da
escritora Cláudia Lemes.
Em Barrow, no
Alasca, a noite polar dura dois meses. Bárbara Castelo, uma detetive de
nacionalidade brasileira que atuava em São Francisco, muda-se para aquele
local. Ela guarda conflitos com seu pai (também policial) e tem fobia de
escuro, o que parece bastante inóspito para quem escolhe morar num lugar em que
a noite impera.
Ali ela vivenciará
a investigação de seu primeiro caso de homicídio. Ela que sempre fora uma
profunda conhecedora dos crimes sexuais, vê na morte de uma menina o ponto de
partida para sua incursão nas investigações sobre assassinatos. Seu parceiro na
atuação do caso é Bruce Darnell, com quem ela tem diferenças que nota assim que
é designada para atuar com ele, por definição do chefe Harris.
O crime chocante suscita
dúvidas. O corpo da criança foi queimado numa disposição que parece um ritual,
cercado de velas e numa posição que lembra o homem de Vesúvio. Mas não é só
isso, pois a criança também apresenta a presença de esperma. Quem seria o
causador de uma morte tão horrenda? Seria mais um crime sexual? O que há por
traz dessa morte?
Bárbara Castelo
tem a missão de desvendar o crime com o seu parceiro. Ela acredita que trata-se
de um assassino em série atuando (tendo como base a maneira com que ele praticou
o crime em questão). Tal visão surge à personagem mesmo que a priori tenha
havido apenas uma morte. Pelo modus
operandi e a disposição do corpo e dos materiais em seu entorno, ela
acredita também que há uma forte ligação com o sobrenatural. O referido crime, provavelmente,
tenha ocorrido em um ritual satânico.
Barb, como é
chamada, faz pesquisas sobre criminosos que possam ter alguma relação ou
similaridade com o caso com que se depara em Barrow. Um serial killer chamado O
Executor, parece ter um modo de agir muito próximo ao que aconteceu no Alasca.
A trama de Inferno
no Ártico é impressionante, tanto pela estrutura adotada pela escritora, quanto
pela construção de seus personagens, como pelo modo como os fatos vão sendo
revelados ao leitor. Os crimes praticados nos provocam repulsa e a crueldade
presente neles nos deixa chocados. É forte, tenso, impactante e mexe com quem
lê. Bons livros fazem isso conosco! Nos transportam para dentro da história e
nos faz ter os mais diversos sentimentos.
Os capítulos da obra são
bem construídos trazendo a ocorrência dos crimes, a investigação de Barbara e
Darnell, os conflitos pessoais de cada um dos personagens, o passado que os
atormenta com seus dramas particulares e a necessidade do bom desempenho
profissional. Os dois personagens que centralizam a trama enfrentam ainda a ira
dos moradores da cidade e são assombrados pela aproximação do criminoso. O
longo período de noite do local, a nebulosidade que existe em torno dos crimes
e o oculto que surge em função da possibilidade de tratar-se de um ritual
satânico, nos faz sentir o clima de escuridão.
Em Inferno do
Ártico, da escritora Cláudia Lemes, publicado de maneira independente, temos uma
história de crimes, investigações e conflitos que exploram muito bem o lugar em
que os eventos ocorrem. A presença do sobrenatural atuando na forma com que o
serial killer desenvolve seu modo de operação torna-o intrigante. A autora
explora muito bem todos os elementos dando-nos uma história completa que nos
envolve a cada linha. Querer descortinar os casos que aparecem torna-se uma
missão do leitor, além de Barbara e Bruce. E não faltam surpresas ao longo da
trama, o que torna tudo ainda mais atrativo e surpreendente.
Os demônios que
assolam a vida do assassino serial e a sua constituição impressionam, vez que Cláudia
Lemes construiu um personagem cheio de nuances e complexidades que são próprias
de criminosos do gênero. E o mais interessante é que a história passa por ele
(não reside apenas nele), os crimes o envolvem (o que se pressupõe natural, já
que estamos falando de um assassino em série num livro sobre crimes), mas as
ações saltam aos olhos em cenas muito bem descritas que são de arrepiar.
Os demônios dão
nome aos capítulos: Thanatos, Basanismos, Apolemi, Lilith, Nosos, Skotos,
Lethe, Lypei, Ecthra, Nyx, Anoia, Mnemeion, Lúcifer.
Me fascina a
construção de bons personagens. Barbara é assim. Uma mulher que assume o
protagonismo do caso, mas que tem fragilidades e tenta supera-las. Humana,
demasiadamente humana, ela não é uma típica heroína daquelas que com nada se
abalam. Ela é tocada por sua vida pessoal, pelas relações familiares, pela
impressão que os crimes causam nela, pelo sobrenatural invocado pelo criminoso
e que ela tem de estudar para entender a sua mente. Isso encanta em Bárbara, a
presença da força e da fragilidade, da inteligência e da inocência, da
pluralidade de camadas que há em nós.
A violência
presente no livro não soa como mera inclusão para chocar leitores e os deixar
estarrecidos e impressionados. Cláudia Lemes usa isso em total
consonância com a história que criou. As cenas não são gratuitas e ilustram
perfeitamente a capacidade da crueldade do criminoso em ação (e porque não
dizer, da crueldade humana). Não podemos nos ludibriar de que as pessoas não são
capazes de atos como os do assassino ficcional.
As camadas da
história que envolvem a vida pessoal dos personagens, sobretudo de Barbara e
Darnell, rendem tramas secundárias que enriquecem esses personagens e trazem
para a história principal uma boa dosagem de conflitos internos e de conflitos
de relações.
Inferno no Ártico
é um excelente thriller que prende a atenção do leitor, que nos deixa atordoados
com o desfecho e que supera a expectativa que vai sendo criada com o avançar
dos treze capítulos. O livro envolve por vários aspectos: suspense, mistério,
camadas que tem conexão com o eixo central, narrativa eletrizante, diálogos bem
colocados e que não soam artificiais, personagens bem construídos, cenas bem
arquitetadas, descobertas que são reveladas e nos deixam boquiabertos.
Transparece a
maturidade com que Cláudia Lemes traz o seu terceiro romance publicado. Uma
escrita consistente e uma história fascinante é o que há em Inferno do Ártico.
Sensacional.
Sobre a
autora:
Cláudia Lemes nasceu em Santos – SP, mas fez
uma jornada inusitada pela vida até finalmente voltar, em 2013, para sua cidade
natal. Primeiro, cresceu no Rio de Janeiro, onde – sob a forte influência da
mãe, professora de literatura – tornou-se uma leitora compulsiva. Dos dez aos
dezesseis anos, morou no Cairo (Egito). Ao voltar para o Brasil, viveu na
cidade de São Paulo, decidiu estudar criminologia por hobby – depois de passar
por uma tentativa de assalto -, e nesse caminho a curiosidade pela mente de assassinos
em série despertou toda sua atenção. Ao perder a mãe, em 2014, Cláudia se
apegou ao prazer de escrever. Assim, depois de dez anos de pesquisa, nasceu Eu
Vejo Kate – O Despertar de Um Serial Killer. A autora também publicou os livros
Um Martini com o Diabo, publicado pela Editora Empíreo, Santa Adrenalina (sobre
escrita), publicado pela Lendari e participa de várias antologias, além de
presidir a ABERST – Associação Brasileira dos Escritores de Romance Policial,
Suspense e Terror.
Ficha
Técnica
Título: Inferno no Ártico
Escritor: Cláudia Lemes
Editora: Independente
Edição: 1ª
Número
de Páginas:
391
ISBN: 978-85-67191-14-0
Ano: 2015
Assunto: Ficção brasileira
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