“Para conter a crise, o Congresso
foi fechado e o estado de sítio continua. O General Rustreaou assumiu o
controle do país e disse que a medida é uma forma de conter a ameaça terrorista
que está explodindo.”
O país fica sem
ninguém para presidi-lo. Isso mesmo! Não há presidente para governar o Estado.
O presidente que estava no poder se suicidou, o vice que assumiu o cargo se
matou e o terceiro na linha sucessória também cometeu suicídio. No entanto, há
quem acredite piamente que não foram suicídios. As mortes poderiam ter sido
causadas por um homem de codinome Raposa, um dos narradores de Dissidentes –
Golpe de Estado, livro do escritor José Beffa, publicado pela Luva Editora em
2018 (364páginas).
Raposa faz parte
de um grupo de ladrões e no dia em que uma das mortes acontecera ele estava
usurpando um quadro. O grupo de ladrões ao qual pertence não aceita que a
riqueza se concentre nas mãos de poucos. Ele é contratado para um serviço que
envolve a busca de um jovem que teria dado um golpe em seu contratante.
Como sempre há
quem queira ou quem esteja a espreita aguardando a oportunidade de assumir o
poder, o General Rustreaou – aquele citado do trecho inicial extraído do livro
e que inicia a resenha – instaura uma lei e dá início a um novo período
ditatorial. Com a acusação de terrorismo pesando sobre seus ombros, Raposa se
vê no meio de um conspiração que tem por objetivo acabar com todos aqueles que
detém a quarta percepção. Essas pessoas que passam a ser perseguidas possuem a
habilidade de conjurar magias. Rustreaou, claramente, se torna um inimigo da
população.
Na medida em que
Raposa avança com o seu objetivo de realizar o serviço para o qual foi
contratado, ele se depara com outras pessoas que vão se unindo a ele. Juntos
formam um grupo de heróis, os chamados Dissidentes, para enfrentar o grande
desafio que é destruir o general que assumiu o poder.
O livro é narrado
em primeira pessoa e há alternância em relação aos personagens que assumem a
narração de cada um dos capítulos da publicação. Dissidentes é uma mistura de
distopia, aventura e fantasia. Elementos como personagens que assumem a postura
de super-heróis, magias que são conjuradas, feitiços, batalhas, a formação de
um grupo de resistência, poderes que são guardados e os desafios que surgem na
jornada dos personagens dão à história um tom eletrizante. As cenas de batalha
que existem ao longo do livro são bem descritas e colocam o leitor no clima da
trama.
Ao grupo também se
junta Áshia, uma garota de treze anos de idade, que mora no morro Ayo e não
encontra o seu pai e suas irmãs. Há alguém que procura pela garota. Numa
batalha que ela trava no Ayo ouve o povo clamando o nome dos resistentes:
Dissidentes.
O plano dos
Dissidentes é destruir o general Rustreaou e eles elaboram estratégias para que
isso possa ser realizado. Ou seja, mesmo sendo um grupo de jovens, eles
demonstram maturidade em relação ao que assumem fazer. São cientes de suas
ações e dos impactos que elas podem causar.
Entidades, magia
indígena, curupira, poderes emanados de objetos consagrados, feitiços e
encantamentos aparecem na história. O cerne da trama é a junção dos integrantes
dos Dissidentes e a luta que eles travam para conseguir derrotar o grande
ditador, ou pelo menos, para implementar seus planos para tal intento.
O livro tem muita
ação, batalhas, segredos e enfrentamentos, sem deixar de lado o pano de fundo
político que se mescla ao dinamismo como a história nos é narrada.
Até mesmo
manipulação da realidade é feita pelo governante, que persegue os Dissidentes
tratando-os como verdadeiros terroristas.
Interessante
observar a origem dos personagens que formam o grupo de “heróis”. A história
deles, pelo menos no que nos é relatado na obra, mostra-nos que não são
privilegiados (mesmo tendo a quarta percepção). A condição social na qual estão
inseridos nos levam a crer que pertencem a grupos menos abastados, em que a
violência, de algum modo, fez parte de sua formação – como os assassinos e
ladrões. Mas, apesar dos pesares, são um grupo de pessoas que acreditam na luta
pelas pessoas. Estão imbuídos de um objetivo maior que não satisfaz apenas seus
anseios particulares, mas a preocupação com a sociedade na qual estão
inseridos. É a luta pelo outro (e pelo bem do país) que os move nos planos que
traçam contra o ditador.
“Minhas mãos estão muito sujas
do sangue de inocentes. E esse sangue não vai sair. Nunca. O que eu posso
fazer, a partir de agora, é sujá-las apenas com quem merece. Nunca deixarei de
ser um Assassino, só que daqui em diante apenas outros assassinos sentirão a
minha lâmina.”
Dissidentes –
Golpe de Estado tem uma história ágil, de acontecimentos que vão surgindo em
escalada. O autor consegue manter o ritmo frenético até o final da história,
quando chegamos ao desfecho da história do grupo. Outro ponto interessante de
ser destacado é que embora haja o inimigo a ser derrotado, o foco da história
está na visão dos dissidentes, portanto, dos personagens protagonistas (que nos
revelam os acontecimentos por meio de suas vozes).
Há alguns pontos
que merecem ser citados: personagens jovens e cientes de sua posição na
sociedade e que respeitam os ensinamentos passados pelos mais maduros (a
convivência de gerações aparece); o pano de fundo político que suscita reflexão
no leitor (temos um regime totalitário e perseguições que nos fazem avaliar a
similaridade com a realidade); a narrativa clara, objetiva e acessível (o
livro, que tem um viés que certamente agradará jovens leitores, tem uma
linguagem condizente com o público a que se destina). Elementos bem característicos
do Brasil também são utilizados na trama, como referências a lendas
folclóricas, a entidades indígenas e outros aspectos culturais. Vale ainda
ressaltar o dinamismo, os diálogos ágeis e a trama que nos apresenta uma
história agradável.
Sempre que leio um
livro ficcional fico imaginando a possibilidade de aprendizado que ele possa
agregar ao leitor, ainda que por ser um livro de entretenimento não tenha,
necessariamente, tal função. Dissidente cumpre o papel de entreter e
questionar.
Sobre o autor:
José Beffa nasceu em
Marília, é formado em Direito e amante de histórias de ficção científica.
Inspirado por grandes obras clássicas, a Província dos ursos de vento foi seu
primeiro romance publicado. Seu intuito é trazer ao leitor um universo que dê
vida ao futuro do passado, em que tecnologia inimagináveis coexistam com
zepelins e locomotivas que aparentam ter saído do século XIX. Dissidentes é
seu segundo livro.
Ficha
Técnica
Título: Dissidentes
Escritor: José Beffa
Editora: Luva
Edição: 1ª
Número
de Páginas:
364
ISBN: 978-85-93350-19-1
Ano: 2018
Assunto: Literatura
brasileira
Nenhum comentário:
Postar um comentário
Deixe aqui seu comentário.