“O inferno são os
outros”, disse Sartre. O filósofo
e escritor francês foi um dos maiores representantes do existencialismo, uma
corrente filosófica que reflete o sentido que o homem dá a própria vida. Nessa
ótica apontada pelo filósofo, os nossos projetos entrariam em conflito com os
projetos que os outros fazem para a nossa vida. No entanto, ao mesmo tempo
seria pelo olhar do outro que nos reconheceríamos, uma vez que com a
convivência expomos nossas fraquezas, por isso os outros seriam o inferno.
Os outros despertam em nós o “inferno” que habitamos. Contudo, devemos
frisar que não é por culpa do outro que adentramos o inferno, mas pelo outro
vemos aquilo que há de pior em nós, porque somos sempre responsáveis por nossas
ações e suas consequências.
De que forma o ser humano resolve abrir “portões proibidos” para passear
“pelos jardins do inferno”? O caminho para chegar lá pode ser variado como
demonstra Plácido Rodrigues no seu livro Pelos Jardins do Inferno, publicado
pela Luva Editora em 2018.
A chegada ao inferno pode ocorrer pela falta de diálogo que leva à ocorrência
de crimes que usurpam a vida de um entre próximo e de outras pessoas. Também
pode aparecer de modo sobrenatural em escritos tenebrosos que levam alguém a ter
sua sanidade questionada e que se revela de modo assustador naquilo que foi
feito contra crianças. O inferno pode surgir num relacionamento que se desfaz
em meio a ofensas, agressões e verbalizações terríveis que culminam em morte.
Os personagens dos contos emergem de sua vida cotidiana para um cenário
de pavor, medo, aflição, terror e escuridão. Pode ser apresentado ao leitor num
campo mais imaginário ou sobrenatural, bem como pode aparecer em aspectos
concretos, mais realistas e palpáveis, como a ocorrência de um crime pelas mãos
humanas.
“Vendo
que não havia mais nada a fazer, soltou o papel no chão ao lado da cabeça da
mulher e se afastou do corpo, rastejando, deixando atrás de si uma via de
sangue; queria tomar outro trago. Só mais um. O último!”
Alguns dos contos trazem ao centro da cena um casal, mostrando o inferno
que há na relação. Numa interpretação mais rápida logo após a leitura, podemos
crer que trata-se da desconstrução daquilo que a sociedade prega como o
paraíso: depositar no outro a busca de sentido pela sua própria vida. Ora, não
era isso que Sartre questionava ao dizer que “o inferno são os outros”? Se o
outro é capaz de despertar as nossas fraquezas e expor o nosso lado mais cruel,
numa relação afetiva (ou que pelo menos começou dessa forma) não haveria de ser
diferente.
Os personagens criados pelo autor apresentam nuances que vão se
destacando com o avançar do conto. E há neles um momento em que o seu
psicológico ganha um contorno mais realçado e é daí que surgem os momentos mais
impactantes de todas as histórias que nos são relatadas. É a partir desses
pontos que o descontrole, a falta de empatia e o terror tomam conta,
exacerbando as características mais cruéis e mais obscuras dos protagonistas.
A escrita de Plácido Rodrigues é esmerada e o texto tem fluidez que leva
o leitor, o conduz pelas histórias bem montadas que revelam o inferno que é a
vida de cada um dos personagens criados e que protagonizam os nove contos
apresentados no livro. Para cada um deles a estrada que o levará ao inferno
surge por uma pessoa, pelos atos que cometeu ou pelas consequências que advém
dessas ações. Pode ser que o arrependimento surja, mas não é tão fácil assim
quando eles já adentram os jardins do inferno.
Nos contos estão presentes a dor, o medo, o pavor, o suspense, os
mistérios humanos, o fantasma da traição – com referências literárias à Dom
Casmurro e Otelo, a piedade (ou a falta dela), entre tantos outros e tenebrosos
elementos que movem o humano. Sangue, corpos sofrendo algum ferimento, questões
psicológicas que abalam os personagens... caminho para o inferno que eles vivem
são múltiplos.
Temos bons contos nesse livro para aterrorizar o leitor. Me surpreendi positivamente com a escrita do
autor e com os sentimentos que os contos nos despertam. Vale a leitura.
Sobre o
autor:
Plácido Rodrigues | Foto: Reprodução |
Plácido L. Rodrigues nasceu
no dia 7 de maio de 1982 em São Miguel, RN, mas reside em Guarulhos, SP, desde
os 2 anos. Estudou em colégios públicos, graduou-se em Letras pela UnG
(Universidade Guarulhos) em 2010 e é pós-graduado em Língua Portuguesa pela PUC-SP
(Pontifícia Universidade Católica de São Paulo). Publicou seu primeiro romance,
Histórias Concêntricas — O Mistério do Viúvo Maldonha, em 2012, embora o tenha
escrito em 2006. Venceu um Concurso de Poesia e de Miniconto com o soneto Vida
Ausente, Morte Presente em maio de 2010, na VI Jornada de Letras, um evento
promovido pela universidade na qual se formou. Além de sua paixão pela leitura
e escrita, tem grande afeição pela música e tenta conciliar seu tempo entre
escrever, ler e estudar música, enquanto tenta manter ativo seu blog, no qual
posta crônicas, contos e alguns. Leciona Língua Portuguesa e Literatura desde
2010 e já atuou na rede particular e pública de ensino. Atualmente, é professor
titular na Prefeitura de São Paulo, onde já coordenou projetos de escrita
criativa com alunos do Ensino Fundamental II.
Ficha
Técnica
Título: Pelos Jardins do
Inferno
Escritor: Plácido Rodrigues
Editora: Luva
Edição: 1ª
Número
de Páginas:
180
ISBN: 978-85-93350-14-6
Ano: 2018
Assunto: Contos brasileiros
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