O verbo ver, no título do livro, ganha
contornos de extrema relevância quando adentramos o significado da palavra. Se
ver é perceber ou conhecer pela visão, avistar, assistir a (algo ou alguém),
presenciar, testemunhar, o personagem Nathan Bardel o faz muito bem. A
percepção desse personagem diante do que Kate faz é dada pela forma como ele a
nota, como a examina, a percebe e a sente.
Kate é uma jovem escritora que tem se
dedicado a escrever a biografia de Nathan Barthan Bardel. Ele era um serial
killer que atacava mulheres, as estuprava, esfaqueava seus corpos e deixava
sobre um dos seios uma marca (um X). Em Blessfield, uma pacata cidade do
interior da Flórida, ele fora julgado, condenado e morto. Note bem, o psicopata está morto, mas ele vê
Kate, ele acompanha o trabalho da escritora, sabe sobre a pesquisa que ela faz
a respeito de seus crimes, sabe que ela conhece a história de suas vítimas e sabe
sobre sua vida. Nathan, apesar de morto, se faz presente.
“A minha parede é agora uma colagem de
mulheres assassinadas, detalhes sobre modus operandi, datas, nomes e
ferimentos. A visão é terrível, especialmente agora que eu tenho acesso às
fotos das cenas dos crimes e dos cadáveres. Eu ainda não estou acostumada a
olhar para eles e preciso trabalhar isso.”
Cláudia Lemes, autora de Eu Vejo Kate,
publicado pela Editora Empíreo em 2015, traz para o seu livro uma história que
fala dos crimes praticados pelo assassino em série, o despertar de um serial
killer com similaridades com Nathan (o morto) e uma dosagem de sobrenatural que
notamos com a presença desse criminoso que deixa suas impressões na cabeça da
personagem escritora.
Kate conhece Ryan Owen, agente responsável
pelos casos de Bardel, e que vive num bairro tranquilo. Além de ser um elemento
importante para que ela compreenda um pouco mais dos detalhes dos crimes, eles
se envolvem, o que o torna um elemento importante para a própria Kate.
A escritora está debruçada em seu trabalho,
procurando compreender cada vez o comportamento e a história do assassino em
série e vê-se recebendo ameaças. Kate realmente está em risco? Quem a ronda se
Bardel está morto? Novos crimes acontecem e o modus operandi e a assinatura do
criminoso remontam à forma como Nathan executava suas vítimas. Está posto o
mistério que o leitor vai perseguir pelas páginas do livro.
No que se refere à estrutura da obra, Cláudia
Lemes, optou por entremear capítulos que trazem as visões dos próprios
personagens sobre os acontecimentos pelos quais estão passando. Temos, então,
capítulos narrados por três vozes distintas: Kate, Nathan e Ryan. Essa
estrutura é bastante intrigante, pois dá à trama muito mistério e nos
possibilita ver (olha o verbo aqui de novo) os fatos por pontos de vistas
distintos e, de acordo com o interesse de cada personagem sobre os
acontecimentos que nos contam.
Eu Vejo Kate é um livro ficcional que traz
uma abordagem nua e crua sobre a forma de agir de um assassino em série. Nathan
demonstra ser fruto de uma ampla pesquisa, portanto um personagem complexo e
muito bem construído. As nuances psicológicas, a sua forma de agir, a maneira
como lida com os acontecimentos, são próprias da psicopatia que ele tinha. Kate
e Ryan também são personalidades complexas, cujos contornos psicológicos são
bem explorados pela autora ao longo da obra. Não há dúvida, caro leitor, de que
você se surpreenderá. Notadamente, percebemos na história a consistência dos
personagens, a profundidade de sua psique e detalhes de vida que fascinam por
não serem unidimensionais, eles carregam o que há de complexo na alma humana. Eles
surgem inteiros e profundos até em seus defeitos e/ou traumas.
Livros que tratam ficcionalmente (ou não) os assassinos
em série são livros que fascinam, pela mítica que existe em torno do assunto e
pelo estudo do próprio comportamento humano. A autora consegue transmitir tudo
isso em cenas bem arquitetadas, em diálogos fluídos e numa dinâmica, cuja
narrativa nos deixa sem fôlego. Tudo isso acontece sem pintar em tintas menos
fortes um serial killer ou romantiza-lo. Pelo contrário, expõe de forma crua os
crimes. Algumas passagens podem soar chocantes para leitores mais sensíveis,
mas são necessárias para que compreendamos a natureza do crime que é praticado,
a forma como o homem pode ser cruel. Qualquer pessoa que tenha lido ou estudado
sobre psicopatia e, especificamente, sobre assassinos em série, sabe que os
crimes apresentados no livro são críveis, verossimilhantes e que foram bem utilizados
na obra.
Abrir o livro e iniciar a leitura será um
processo fácil, difícil mesmo será você querer dar uma pausa no que lê. A
vontade de devorar cada uma das páginas toma o leitor pela curiosidade que a
história provoca em nós.
A parte primeira do livro chamada de O
Despertar, nos apresenta a base da história. Dá ao leitor, portanto, elementos
da trama que seguirão como mistério, apresenta os conflitos, dá um panorama
sobre os personagens, os acontecimentos que eles vivenciaram e os laços que
surgem a partir da investigação sobre os crimes de Nathan Bardel, bem como
outros acontecimentos fortes que sustentam o que o leitor vai acompanhar mais
adiante.
Na parte dois – A Matança – temos as
revelações da trama e as surpresas que deixam o leitor sem fôlego, como havia
mencionado anteriormente. E então temos a parte final – O Acerto de Contas – em
que temos o confronto com o assassino e o desfecho da trama.
Assim como Nathan, o assassino que vê Kate, o
leitor também a vê. Porque a personagem se demonstra e/ou é desnudada por
Nathan e por si mesma. Por mais que ela saiba controlar o seu lado negativo,
ele está nela. E assim são os personagens do livro, todos não são só bons ou só
maus, tem a ambiguidade humana, lidam com suas facetas mais frágeis, como todos
nós. E renderão boas revelações ao longo da obra.
Compreendemos o fascínio de Kate pelo
assassino em série, posto que ela toma para si um papel que podemos entender
como uma pessoa que gosta do que faz, que se lança de corpo e alma nas suas
pesquisas, que esmiuça profundamente o seu objeto de estudo. O fato de Nathan
estar presente, mesmo morto, dá-nos a impressão de que ele é quase um porta-voz
dos pensamentos de Kate (ou um condutor deles).
O suspense e a tensão se sustentam durante
todo o livro. O sobrenatural não se sobrepõe ao essencial que é a perseguição
que o leitor faz sobre o mistério da ocorrência dos novos crimes.
Ao concluir a leitura de Eu Vejo Kate você
notará que tem um gancho perfeito para que a história se desenrole em outro
tomo. Ainda que não parta dali, temos elementos que são apresentados ao longo
da obra que podem perfeitamente ser bem trabalhados em uma nova publicação. A
continuação do livro está prevista para ser lançada em 2019.
Impactante, surpreendente! Eu Vejo Kate é um excelente
livro, daquele digno de figurar em listas de recomendações de obras que você
precisa ler e de melhores thrillers. Veja Kate.
Sobre a
autora:
Cláudia Lemes | Foto: Reprodução |
Cláudia Lemes nasceu em Santos – SP, mas fez
uma jornada inusitada pela vida até finalmente voltar, em 2013, para sua cidade
natal. Primeiro, cresceu no Rio de Janeiro, onde – sob a forte influência da
mãe, professora de literatura – tornou-se uma leitora compulsiva. Dos dez aos
dezesseis anos, morou no Cairo (Egito). Ao voltar para o Brasil, viveu na
cidade de São Paulo, decidiu estudar criminologia por hobby – depois de passar
por uma tentativa de assalto -, e nesse caminho a curiosidade pela mente de assassinos
em série despertou toda sua atenção. Ao perder a mãe, em 2014, Cláudia se
apegou ao prazer de escrever. Assim, depois de dez anos de pesquisa, nasceu Eu
Vejo Kate – O Despertar de Um Serial Killer. A autora também publicou os livros
Um Martini com o Diabo, publicado pela Editora Empíreo, Santa Adrenalina (sobre
escrita), publicado pela Lendari e participa de várias antologias, além de
presidir a ABERST – Associação Brasileira dos Escritores de Romance Policial,
Suspense e Terror.
Ficha
Técnica
Título: Eu Vejo Kate
Escritor: Cláudia Lemes
Editora: Empíreo
Edição: 1ª
Número
de Páginas:
391
ISBN: 978-85-67191-14-0
Ano: 2015
Assunto: Ficção brasileira
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