Um jovem de dezessete anos sofre um acidente
que quase lhe tira a vida. Naquele acidente ele fica morto por dois minutos,
sendo ressuscitado pelos médicos. A partir daquele evento, em que se viu fora de seu corpo, ele passa a
vivenciar alguns episódios inusitados.
“O que mais explicaria a experiência que eu tive após o
impacto, quando estava fora do meu corpo, observando estranhos se debruçando
sobre o meu corpo e vendo o culpado fugir? Os médicos tinham teorias sobre o
que eu vira e sentira. Eles chamavam de “experiência de quase morte”. Muitas
pessoas tinham sido consideradas mortas ou que chegaram perto da morte
aparentemente passavam por isso. Algumas experiências eram parecidas com a minha,
com a pessoa saindo do próprio corpo. Outras descreviam encontros com uma luz
brilhante e sensações de paz. A minha não teve nada a ver com isso. Lembro-me
do meu pânico e desespero.”
Elliott começa a ter paralisia do sono. Ora
se vê meio adormecido e cercado de silhuetas, ora ele se vê fora do corpo
vivenciando experiências intrigantes que revelam ocorrências de morte. Esses
elementos trazem para a sua vida muitos incômodos e a inquietação de querer
saber do que se trata a “mediunidade” que tem. O que se explicita, por exemplo,
com o fato de que o espírito de uma mulher chamada Tess aparece para ele em sua
casa. Ela teria morrido naquele local e tenta comunicação com o jovem.
Apesar da dúvida que paira sobre os
acontecimentos de sua vida, para Elliott aquelas experiências se tornaram
assustadoras. A experiência de quase morte é dita como normal pelos médicos,
embora com diferenças em relação a quem por ela passou. Elliott, no entanto,
está decidido a compreender mais sobre as ocorrências que tem vivenciado. Sente
que seus contatos com os mortos estão se intensificando e busca uma explicação
plausível para isso.
Ele decide se candidatar a uma vaga de
emprego num museu chamado Vidas Passadas. Tal museu trabalha com atrações que
levam os visitantes a terem experiências sobrenaturais. Circulam histórias de
que lá houve muitas ocorrências do gênero, como a de um aluno que ficava de
castigo num canto da sala e um jovem que fora enforcado numa árvore. Por
curiosidade e também por necessidade, o jovem se candidata à vaga e consegue o
emprego.
No Vidas Passadas ele conhece a jovem
Ophelia, uma garota que atua como guia no local e a quem ele acaba protegendo
num evento que acontece fora do ambiente de trabalho. Nesse ponto a história
ganha também mistério em relação à vida de Ophelia e de outros personagens
secundários que cruzam o caminho do protagonista. O que haveria acontecido com
Ophelia? Por que ela era perseguida por um grupo de jovens? Que mistérios são
guardados na vida dessa jovem?
O rapaz mora com o pai, sua mãe é falecida e
ele tem um irmão que mora em outro local. O convívio familiar é uma parte da
história que desperta a atenção de quem lê. O jovem tem uma boa relação com o
irmão, mais do que com o pai. O progenitor de Elliott é um personagem que aparece
meio apagado na trama. Embora seja aquele que tem a relação mais próxima com o
garoto, até o surgimento de Ophelia. Ele (o pai) demonstra-se, de certo modo,
distante. Nós, leitores, ficamos intrigados com a constituição desse
personagem, que vai se demonstrando um pouco mais ao longo da trama.
“...Você não precisa ter medo do mundo dos espíritos.
Deveria até considerar uma honra, um privilégio, o fato de um deles ter
aparecido para você (...) Algumas pessoas passam a vida em busca de respostas e
nunca têm nenhuma experiência assim.”
Elliott, que faz a narração de sua própria história, protagoniza o livro e é daqueles personagens que facilmente atraem a atenção do leitor. Ele é um tipo esquisito, vivencia suas referências sobrenaturais, lida com a perda da mãe, tem uma boa relação com o irmão, começa um romance com Ophelia, é oprimido pelo seu patrão Hodge, é uma pessoa que parece sofrer um certo preconceito dos grupos sociais no qual circula (ou pelo menos essa é a imagem que ele transmite), mas o jovem tem atitudes positivas diante das dificuldades que se colocam em sua trajetória de vida. É um personagem simpático, por assim dizer. Isso transparece ainda mais pelo fato de que a narrativa é feita pelo seu olhar.
O leitor perceberá que alguns questionamentos
surgirão logo nas primeiras páginas de Não Durma, livro de Michelle Harrison,
que foi publicado pela Bertrand Brasil em 2017 e que tem tradução de Michelle
MacCulloch. Tais questionamentos, caro leitor, valem a pena ser perseguidos ao
longo de toda a trama para que você tenha as respostas. Algumas perguntas: Quem
é Tess? O que ela deseja com Elliott? O que há de mistério na vida de Ophelia?
O que de fato acontece em Vidas Passadas é verdade ou uma fraude? Como Elliot
vai lidar com suas experiências sobrenaturais?
Importante observar a fronteira que a autora
usa entre o científico e o sobrenatural. Ela não faz a defesa desse ou daquele
ponto, trazendo para a trama as duas visões. Ora as explicações são pautadas na
ciência, ora são explicitadas pela crença de personagens. Uma coisa, no entanto,
é preciso ser dita: o livro não segue um caminho de terror, sugerido pela capa,
apesar de revelar a existência de mortos que assombram e eventos sobrenaturais
que transtornam Elliott. Portanto, se você é um leitor que foge de livros de
terror, pode ler esse tranquilamente.
“Se é real para você, então é real o
suficiente.”
Hodge, o chefe de Elliot, é notadamente o
antagonista da trama. É um tipo de personalidade questionável que tem ações
estranhas, tanto em relação a sua atuação em Vidas Passadas como na relação que
tem com Ophelia e com sua esposa Una. Hodge é um tanto quanto autoritário,
ciumento, truculento e de caráter duvidoso. Fica aqui outro questionamento
inquietante na mente do leitor: o que ele espera de Ophelia?
Logo no início do livro temos lançada uma série
de subtramas a serem desenvolvidas, no entanto, nem todas elas são bem
exploradas pela autora, revelando sua conclusão de forma mais ágil (apressada
mesmo) no final do livro. A trama central que é a história de Elliot, contada
pelo próprio, é bem desenvolvida. A pressa em se revelar os eventos secundários
de personagens igualmente secundários, deixa algumas lacunas. Isso não
prejudica a constituição da obra, mas fica ao leitor a impressão de uma
tentativa de deixar brechas para uma continuação. Será?
No que refere-se ao ritmo, o livro tem uma
narrativa fluída. No início a trama se desenrola de maneira mais lenta,
apresentando os elementos necessários para dar o problema a ser perseguido pelo
protagonista e trazendo indagações sobre os personagens secundários. Na segunda
parte do livro, caminhando para o desfecho, tudo fica mais frenético, daí
muitos fatos talvez terem escapado de um polimento maior por parte da autora.
Volto a repetir, a trama principal foi bem
desenvolvida, no entanto ficam lacunas nas outras camadas, que poderiam ter
sido eliminadas pela autora, ou terem sido mais exploradas para aumentar o
clima de tensão existente no livro.
Não durma é um bom livro.
Nota: Não Durma foi lido para o Clube de Leitura Devoradores de Livros - 3ª Edição. O encontro de leitores para debater a obra aconteceu no dia 07 de setembro de 2018 em São Paulo.
Sobre o
a autora:
Michelle Harrison nasceu em
1979 e começou a escrever aos 14 anos. Deixou a escola com a ambição de se
tornar autora e ilustradora. Escreveu os primeiros capítulos de Os Treze
Tesouros, seu romance de estreia, no primeiro ano na universidade e recebeu muitas
cartas de rejeição antes de tê-lo publicado em 18 países e, finalmente, vencer
o Waterstone’s Children’s Book Prize, em 2009. Vive em Essex com seu filho,
Jack, e dois gatos, Pepper e Marmite.
Ficha
Técnica
Título: Não Durma
Escritor: Michelle Harrison
Editora: Bertrand Brasil
Edição: 1ª
ISBN: 978-85-286-2073-3
Número
de Páginas:
376
Ano: 2017
Assunto: Ficção inglesa
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