Não Durma – Michelle Harrison - Tomo Literário

Não Durma – Michelle Harrison

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Um jovem de dezessete anos sofre um acidente que quase lhe tira a vida. Naquele acidente ele fica morto por dois minutos, sendo ressuscitado pelos médicos. A partir daquele evento, em  que se viu fora de seu corpo, ele passa a vivenciar alguns episódios inusitados.

“O que mais explicaria a experiência que eu tive após o impacto, quando estava fora do meu corpo, observando estranhos se debruçando sobre o meu corpo e vendo o culpado fugir? Os médicos tinham teorias sobre o que eu vira e sentira. Eles chamavam de “experiência de quase morte”. Muitas pessoas tinham sido consideradas mortas ou que chegaram perto da morte aparentemente passavam por isso. Algumas experiências eram parecidas com a minha, com a pessoa saindo do próprio corpo. Outras descreviam encontros com uma luz brilhante e sensações de paz. A minha não teve nada a ver com isso. Lembro-me do meu pânico e desespero.”

Elliott começa a ter paralisia do sono. Ora se vê meio adormecido e cercado de silhuetas, ora ele se vê fora do corpo vivenciando experiências intrigantes que revelam ocorrências de morte. Esses elementos trazem para a sua vida muitos incômodos e a inquietação de querer saber do que se trata a “mediunidade” que tem. O que se explicita, por exemplo, com o fato de que o espírito de uma mulher chamada Tess aparece para ele em sua casa. Ela teria morrido naquele local e tenta comunicação com o jovem.

Apesar da dúvida que paira sobre os acontecimentos de sua vida, para Elliott aquelas experiências se tornaram assustadoras. A experiência de quase morte é dita como normal pelos médicos, embora com diferenças em relação a quem por ela passou. Elliott, no entanto, está decidido a compreender mais sobre as ocorrências que tem vivenciado. Sente que seus contatos com os mortos estão se intensificando e busca uma explicação plausível para isso.

Ele decide se candidatar a uma vaga de emprego num museu chamado Vidas Passadas. Tal museu trabalha com atrações que levam os visitantes a terem experiências sobrenaturais. Circulam histórias de que lá houve muitas ocorrências do gênero, como a de um aluno que ficava de castigo num canto da sala e um jovem que fora enforcado numa árvore. Por curiosidade e também por necessidade, o jovem se candidata à vaga e consegue o emprego.

No Vidas Passadas ele conhece a jovem Ophelia, uma garota que atua como guia no local e a quem ele acaba protegendo num evento que acontece fora do ambiente de trabalho. Nesse ponto a história ganha também mistério em relação à vida de Ophelia e de outros personagens secundários que cruzam o caminho do protagonista. O que haveria acontecido com Ophelia? Por que ela era perseguida por um grupo de jovens? Que mistérios são guardados na vida dessa jovem?

O rapaz mora com o pai, sua mãe é falecida e ele tem um irmão que mora em outro local. O convívio familiar é uma parte da história que desperta a atenção de quem lê. O jovem tem uma boa relação com o irmão, mais do que com o pai. O progenitor de Elliott é um personagem que aparece meio apagado na trama. Embora seja aquele que tem a relação mais próxima com o garoto, até o surgimento de Ophelia. Ele (o pai) demonstra-se, de certo modo, distante. Nós, leitores, ficamos intrigados com a constituição desse personagem, que vai se demonstrando um pouco mais ao longo da trama.

“...Você não precisa ter medo do mundo dos espíritos. Deveria até considerar uma honra, um privilégio, o fato de um deles ter aparecido para você (...) Algumas pessoas passam a vida em busca de respostas e nunca têm nenhuma experiência assim.”


Elliott, que faz a narração de sua própria história, protagoniza o livro e é daqueles personagens que facilmente atraem a atenção do leitor. Ele é um tipo esquisito, vivencia suas referências sobrenaturais, lida com a perda da mãe, tem uma boa relação com o irmão, começa um romance com Ophelia, é oprimido pelo seu patrão Hodge, é uma pessoa que parece sofrer um certo preconceito dos grupos sociais no qual circula (ou pelo menos essa é a imagem que ele transmite), mas o jovem tem atitudes positivas diante das dificuldades que se colocam em sua trajetória de vida. É um personagem simpático, por assim dizer. Isso transparece ainda mais pelo fato de que a narrativa é feita pelo seu olhar.

O leitor perceberá que alguns questionamentos surgirão logo nas primeiras páginas de Não Durma, livro de Michelle Harrison, que foi publicado pela Bertrand Brasil em 2017 e que tem tradução de Michelle MacCulloch. Tais questionamentos, caro leitor, valem a pena ser perseguidos ao longo de toda a trama para que você tenha as respostas. Algumas perguntas: Quem é Tess? O que ela deseja com Elliott? O que há de mistério na vida de Ophelia? O que de fato acontece em Vidas Passadas é verdade ou uma fraude? Como Elliot vai lidar com suas experiências sobrenaturais?

Importante observar a fronteira que a autora usa entre o científico e o sobrenatural. Ela não faz a defesa desse ou daquele ponto, trazendo para a trama as duas visões. Ora as explicações são pautadas na ciência, ora são explicitadas pela crença de personagens. Uma coisa, no entanto, é preciso ser dita: o livro não segue um caminho de terror, sugerido pela capa, apesar de revelar a existência de mortos que assombram e eventos sobrenaturais que transtornam Elliott. Portanto, se você é um leitor que foge de livros de terror, pode ler esse tranquilamente.

“Se é real para você, então é real o suficiente.”

Hodge, o chefe de Elliot, é notadamente o antagonista da trama. É um tipo de personalidade questionável que tem ações estranhas, tanto em relação a sua atuação em Vidas Passadas como na relação que tem com Ophelia e com sua esposa Una. Hodge é um tanto quanto autoritário, ciumento, truculento e de caráter duvidoso. Fica aqui outro questionamento inquietante na mente do leitor: o que ele espera de Ophelia?

Logo no início do livro temos lançada uma série de subtramas a serem desenvolvidas, no entanto, nem todas elas são bem exploradas pela autora, revelando sua conclusão de forma mais ágil (apressada mesmo) no final do livro. A trama central que é a história de Elliot, contada pelo próprio, é bem desenvolvida. A pressa em se revelar os eventos secundários de personagens igualmente secundários, deixa algumas lacunas. Isso não prejudica a constituição da obra, mas fica ao leitor a impressão de uma tentativa de deixar brechas para uma continuação. Será?

No que refere-se ao ritmo, o livro tem uma narrativa fluída. No início a trama se desenrola de maneira mais lenta, apresentando os elementos necessários para dar o problema a ser perseguido pelo protagonista e trazendo indagações sobre os personagens secundários. Na segunda parte do livro, caminhando para o desfecho, tudo fica mais frenético, daí muitos fatos talvez terem escapado de um polimento maior por parte da autora.

Volto a repetir, a trama principal foi bem desenvolvida, no entanto ficam lacunas nas outras camadas, que poderiam ter sido eliminadas pela autora, ou terem sido mais exploradas para aumentar o clima de tensão existente no livro.

Não durma é um bom livro.

Nota: Não Durma foi lido para o Clube de Leitura Devoradores de Livros - 3ª Edição. O encontro de leitores para debater a obra aconteceu no dia 07 de setembro de 2018 em São Paulo.

Sobre o a autora:

Michelle Harrison nasceu em 1979 e começou a escrever aos 14 anos. Deixou a escola com a ambição de se tornar autora e ilustradora. Escreveu os primeiros capítulos de Os Treze Tesouros, seu romance de estreia, no primeiro ano na universidade e recebeu muitas cartas de rejeição antes de tê-lo publicado em 18 países e, finalmente, vencer o Waterstone’s Children’s Book Prize, em 2009. Vive em Essex com seu filho, Jack, e dois gatos, Pepper e Marmite.

Ficha Técnica

Título: Não Durma
Escritor: Michelle Harrison
Editora: Bertrand Brasil
Edição: 1ª
ISBN: 978-85-286-2073-3
Número de Páginas: 376
Ano: 2017
Assunto: Ficção inglesa

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