“... a partir de agora, dento dos limites que a memória me permite,
retrocedendo em alguns trechos, avançando em outros e, na medida do possível,
remetendo à minha atual situação, passo a contar a história de quando uma
cabeça surgiu em minha cama.”
Tomás trabalha como bancário. Atuante no mercado financeiro sua vida
estava cercada de números e metas. Sua postura diante dos clientes era a de
sempre conquistar a confiança para, a partir daí, alcançar os seus próprios
objetivos. Claramente, falta-lhe escrúpulo ou qualquer reflexão sobre
moralidade. Com o tempo e o desempenho, veio a promoção e a garantia de uma
vida mais abastada, atuando como gerente numa empresa de investimentos
financeiros.
Diante de tanta dedicação ao trabalho, faltava a esse homem um contato
mais próximo com a família – a esposa Elisa e os filhos Simão e Sarah. Eles
resolvem, portanto, fazer uma viagem. É aí que Tomás recebe uma notícia
inusitada, por meio de um telefonema feito pelo seu pai, que havia ficado
responsável pelo apartamento enquanto ele viajava. Há uma cabeça em sua cama.
O surgimento de uma parte humana sobre o seu leito, faz com que ele
queira voltar rapidamente para o imóvel para conferir o que está acontecendo. A
esposa demonstra preocupação em relação ao que os vizinhos vão falar. Eles
retornam.
O livro é narrado em primeira pessoa. Portanto, a história é apresentada
com a voz do personagem, transcrita por Alfredo – outro personagem que é a única pessoa que
atualmente faz companhia a Tomás, como ele relata no início da obra.
O episódio do surgimento da cabeça na cama, para além das questões
misteriosas que a cercam, serve de gatilho para memórias de Tomás. Sabemos
sobre seu casamento, a relação com os filhos, a vida pregressa de seu pai
(tomado pelo alcoolismo), as culpas que o protagonista carrega, bem como os
ressentimentos que existem nas relações familiares. Situações humanas, decerto.
Tomás, a partir do quarto em que se encontra, afastando a possibilidade
de qualquer traço de insanidade, conta-nos os acontecimentos que despertam nele
sentimentos controversos. Ele era uma ilha em meio ao mar de pessoas que o
rodeavam. Suas preocupações maiores são reforçadas nos aspetos mais
superficiais da vida: a aparência social, o olhar dos outros sobre suas ações,
a visão que as pessoas podem ter de sua família (incluindo como passarão a
enxerga-los a partir do inusitado e sombrio evento: o surgimento da cabeça na
cama).
O protagonista carrega um ar de individualismo e, porque não dizer,
arrogância. Demonstra-se demasiadamente humano com suas imperfeições. E a
cabeça, essa parte humana que aparece em sua cama, o perturba, ou melhor, faz
com que aflore sua consciência sobre si.
O encontro se dá. Tomás se vê frente à cabeça, que fala palavras
incompreensíveis e aparentemente desconexas, mas das quais ele consegue,
inicialmente, compreender “eu” e “odeio”.
Durante a leitura é inevitável que surja o questionamento sobre o
significado daquela cabeça. O que sua aparição tem a nos dizer? Como Tomás
lidará com essa coisa bizarra? Temos aqui uma situação kafkaniana, que desperta
a curiosidade do leitor. E para quem possa imaginar que a cabeça na cama
desperte o medo dos personagens vai se ver numa situação diferente, pois a
cabeça, desperta a curiosidade nas figuras secundárias da trama. Curiosidade
esta que também reflete-se no leitor.
A Cabeça na Cama, primeiro livro do escritor paraense Filipe Nassar
Larêdo, foi publicado pela Editora Empíreo em 2018 (140 páginas). O livro
apresenta uma história que vai do realismo a algo completamente fantasioso.
Flerta com o absurdo, mas também revela a condição humana. A narrativa de
Filipe é fluída e a trama prende a atenção.
O fato de termos um personagem-narrador, mostrando apenas uma visão sobre
os acontecimentos, pode nos suscitar inúmeras dúvidas, o que nos deixa ainda
mais atentos para as diversas interpretações que podemos ter ao longo da
história, e que justifica lacunas que ficam para serem preenchidas pelo nosso
imaginário. Outrossim, não podemos deixar de mencionar, que o fato de o
narrador ser uma pessoa de comportamento duvidoso, nos questionamos sobre a
veracidade do que nos conta e/ou que artifícios está utilizando para nos
ludibriar.
Possivelmente,
diante das várias vertentes que o leitor poderá concluir a partir dos fatos que
nos são apresentados, seria preciso adentar mais da psique desse personagem. É
nele que estão os detalhes que podem explicitar o significado da cabeça na
cama. Que são muitos.
Sabe aqueles livros que você não cansa até
chegar ao final? E que te traz uma infinidade de possibilidades que te levam a pensar
por horas sobre o assunto? Então, A Cabeça na Cama, é um desses livros. Leitura
recomendada.
Sobre o
autor:
Possui graduação em Direito pelo Centro
Universitário do Estado do Pará (2005) e em Produção Editoral em Multimeios
pela Universidade Anhembi Morumbi (2012). Atualmente é editor na Editora
Empíreo (www.editoraempireo.com.br). Já trabalhou em grandes editoras como
Globo Livros e Novo Século. É crítico literário no site Papo de Homem
(https://papodehomem.com.br/autores/filipe-laredo#artigos) e apresentador de
literatura na Rádio Geek (http://www.apaixonadospeloquefazem.com.br/). Desde
2014 organiza a Feira Literária do Pará (FliPa), anualmente. Em 2016 fundou a
Casa do Livro para coordenar cursos e paletras envolvendo o mercado editorial e
literário. Em 2017 iniciou seu Mestrado em Literatura e Crítica Literária na
PUC-SP. Em 2017 fundou a Casa do Saber Fantástico (Casafan).
Ficha
Técnica
Título: A Cabeça na Cama
Escritor: Filipe Nassar Larêdo
Editora: Empíreo
Edição: 1ª
ISBN: 978-85-67191-44-7
Número
de Páginas:
140
Ano: 2018
Assunto: Literatura
brasileira
Excelente resenha. Parabéns. Já tinha vontade de ler e agora, ao ler a resenha, ficou impossível não pegar esse livro que já tinha paquerando a capa.
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