O sistema carcerário brasileiro não é um
modelo a ser seguido. Há inúmeros
problemas que podem ser elencados e que vão desde a superlotação até as
condições estruturais (precárias). Drauzio Varella, em sua trilogia composta
por Estação Carandiru, Carcereiros e Prisioneiras, conta aos leitores a
história de pessoas que estiveram ou estão no sistema penitenciário. É por meio
dos três livros que Drauzio nos traz a visão de quem atuou por anos no sistema
carcerário como médico e foi testemunha ocular da situação e ouvinte assíduo de
inúmeras histórias.
“O
encarceramento atende ao desejo generalizado de retirar das ruas os que
oferecerem perigo aos cidadãos e à ordem social. Apesar de ser um procedimento
adotado desde a antiguidade, seus efeitos e consequências continuam mal
elucidados.”
Com o seu olhar aguçado sobre o ser humano e
uma narrativa clara, em Prisioneiras – o terceiro livro da trilogia – publicado
pela Companhia das Letras em 2017 (1ª edição, 277 páginas), o autor fala sobre
o presídio feminino. Depois que o Carandiru foi implodido, dando espaço ao que
hoje é o Parque da Juventude, Drauzio passou a prestar atendimento médico na
Penitenciária do Estado, que foi transformada na Penitenciária Feminina da
Capital, com mais de duas mil mulheres encarceradas.
“Seja
bem-vindo à casa das doidas, doutor.” Foi assim que Drauzio foi recebido no prédio
construído em 1920, pelo arquiteto Ramos de Azevedo.
Nas páginas de Prisioneiras o leitor terá
conhecimento de mulheres que estão no cárcere, os motivos que as levaram a
cometer os mais variados tipos de crimes, a estrutura hierárquica de facções,
as diferenças entre um presídio masculino e um feminino, como as pressas vivem
o seu cotidiano. Aborda ainda questões como sexualidade das presidiárias e seus
laços familiares dentro e fora das paredes e grades, comenta sobre o comando, a informalidade que
existe entre as presas, o uso e o tráfico de drogas e as histórias pessoais das
presidiárias.
Cada presa tem um passado para contar e são
histórias que passam por aquelas que sofreram abusos na infância, as que foram
para o crime levadas “pelo amor”, as que viveram na periferia em condições
degradantes e viram no crime a oportunidade de ascender financeiramente,
histórias de perdas e desestruturação familiar. São mães, filhas, netas, tias,
sobrinhas, casadas, solteiras, mulheres que tem passado e presente de crimes,
mas que contaram a sua história ao médico. A dinâmica das consultas não
restringe-se apenas ao diagnóstico médico. Possivelmente, pela confiança em que
depositam naquele que cuida de sua saúde, elas abrem o coração para contar
detalhes sobre suas vidas.
Prisioneiras pode ser definido como um livro
que fala sobre o que acontece num presídio feminino, mas o que ali está contido
vai além. É um livro capaz de nos levar a pensar sobre a estrutura do sistema
carcerário, sobre a criminalidade, sobre o descaso, sobre o ser humano em
amplos aspectos e sobre a estrutura da própria sociedade.
Numa linguagem leve, acessível e fluída o
autor tem a voz que alcança qualquer cidadão. Drauzio é objetivo e claro, sem
perder a profundidade que chama o leitor para a reflexão. Os relatos são impressionantes.
Ler sem julgamento prévio e de mente aberta para compreender o que está dado
tornará a leitura ainda mais agradável. E é preciso dizer que o autor sabe
narrar uma boa história.
Para quem gosta de criminologia e assuntos
relacionados, e que gosta de entender e ler relatos sobre crimes e a vida de criminosos,
para daí ter a sua própria visão, Prisioneiras é um bom livro. Fecha a série do
autor com a mesma qualidade dos outros dois publicados anteriormente.
Interessante observar que tem um relato verdadeiro, sem julgamentos, mas que
não deixa de lado os apontamentos e críticas em relação à sociedade.
No trecho referente ao trabalho das internas,
por exemplo, o autor aponta a complexidade do problema que, por vezes, é
tratado com soluções um tanto quanto simplórias e diz que “a mesma sociedade que se queixa da vida ociosa dos presidiários e dos
custos do sistema lhes nega acesso ao trabalho.”
O epílogo da publicação traz uma visão
abrangente e pessoal de Drauzio Varella, além de levantar questões. Conclui,
pois, de forma magistral o livro e a trilogia.
Foto: Reprodução |
Sobre o
autor
Drauzio Varella nasceu em São Paulo, em 1943.
Formado em medicina pela USP, trabalhou por vinte anos no Hospital do Câncer.
Foi voluntário da Casa de Detenção de São Paulo (Carandiru) por treze anos e
hoje atende na Penitenciária Feminina da Capital. Seu livro Estação Carandiru,
publicado em 1999 ganhou os prêmios Jabuti de Não Ficção e o Livro do Ano. Pela
Companhia das Letras publicou entre outros, Por um Fio (2004), A teoria das
janelas quebradas (2010), Carcereiros (2012) e Correr (2015). Também publicou
livros infantis como Nas ruas do Brás (2000), De braços para o alto (2002) e
Nas águas do Rio Negro (2017). Também é autor de Macacos (Publifolha, 2000) e
de Cabeça do cachorro (TerraBrasil, 2008). Desde 1995, dirige um projeto
prospectivo de plantas medicinais amazônicas.
Ficha
Técnica
Título: Prisioneiras
Escritor: Drauzio Varella
Editora: Companhia das
Letras
Edição: 1ª
ISBN: 978-85-359-2904-1
Número
de Páginas:
277
Ano: 2017
Assunto: Prisões
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