“A
vingança é uma espécie de justiça selvagem”. Esta frase de Francis Bacon –
filósofo e ensaísta inglês – dá uma perspectiva do que se pode esperar no livro
objeto desta resenha. A vingança, esse ato controverso que toca o humano, é o
cerne do livro Um Martini com o Diabo, da escritora Cláudia Lemes, publicado pela
Editora Empíreo em 2016 (336 páginas).
O jovem Charlie Walsh começa a ter contato
com pessoas ligadas à máfia irlandesa e isso faz com que sua mãe, Loreen, conte
a ele algo sobre o passado. O rapaz fica sabendo, então, que seu pai violentara
sua mãe. Um choque para Walsh ao descobrir que “... como todos os seus amigos, ele tinha um pai filho da puta.”
Loreen, antes de contar sua história ao
filho, diz que ele tem opções, que pode escolher, pode fazer ou ser o que
quiser. Dado o fato que ele conhece, Charlie escolhe. O jovem é tomado por um
desejo desvelado de vingar-se de seu pai e, por isso, parte de Chicago para Las
Vegas. Nesta última cidade, cercado pelos prazeres que ela oferece, tais como
dinheiro, jogos, sexo e drogas ele busca encontrar Tony Conicci. É nesse
contexto, que podemos dizer que a vingança para Charlie é uma espécie de
justiça, uma justiça selvagem, posto que “reconhecera
naquela história a fonte de sentimentos que o atormentaram durante toda a sua
vida. Atrações, propensões, entusiasmos por uma escuridão que ele carregara na
alma desde pequeno”.
O pai de Charlie não é, por assim dizer, um
homem comum. Tony é o chefe da máfia italiana atuando nos Estados Unidos. O
plano de Charlie é infiltrar-se no seio da família Conicci e se aproximar de seu
líder. Pode parecer algo simples e bem calculado, mas o que Charlie vai
enfrentar é muito diferente do que o leitor pode supor.
O ambiente em que ele passa a viver oferece
muitas facilidades, um atrativo que pode tomar os homens pela mão e desviá-los
de sua jornada. Aos poucos, aquilo que cerca o protagonista, também vai
tomando-o, dominando-o, trazendo à tona a escuridão. As novas amizades, o acesso
às drogas, dinheiro em demasia, o prazer obtido com as mulheres, e a grande
sedução que ronda: o poder. Nota-se, pois que o ambiente no qual ele esta
inserido contribui para que uma ou outra característica de sua personalidade
seja intensificada.
Charlie é um personagem que vai se
construindo à medida que a história vai se desenrolando. Para que não reste
dúvida ao leitor, quando trato de construção, estou falando da formação de sua
trajetória e de sua personalidade que vai se perfazendo de acordo com os
acontecimentos. As transformações, inegavelmente, surpreendem o leitor. Nesse homem que passa por caminhos criminosos em
sua jornada de vingança, também há o despertar para a paixão. A mulher pela
qual ele se encanta poderia ser qualquer uma naquela Las Vegas, e nas casas de
prostituição pela qual ele circula, mas acaba nutrindo sentimentos que ganham
ar de proibição.
Cercado pela máfia que está em guerra e da
qual faz parte, e próximo de seu chefe que parece admirá-lo cada dia mais dando-lhe
espaço dentro da organização, o jovem Charlie vê-se diante de difíceis
decisões, mas elas precisam ser tomadas.
O que um bom romance policial precisa ter?
Personagens instigantes? Uma boa trama? Reviravoltas? Segredos que se revelam
ao longo da história? Sangue? Crimes diversos? Uma narrativa que se desenrola
com fluidez? Um Martini com o Diabo
tem tudo isso. É um livro daqueles que você começa a ler e não quer parar até
se deparar com a última palavra.
Cláudia Lemes tem uma narrativa fluída e um
texto coeso, e mostra bem todo o arco dramático que seus personagens seguem. Não
faltam “subtramas” que são bem construídas e contadas ao leitor, tal qual o
mote central, que é a vingança do filho contra o pai.
Vale mencionar que os crimes relatados, a
violência demonstrada em certas cenas, não são gratuitos. Tem sentido, está
dentro do contexto, é necessário para elucidar o trabalho da máfia, faz parte
da constituição, da formação e da mudança pelas quais passam alguns dos
personagens. Se a vingança é uma justiça selvagem, não será a delicadeza que
vai rondá-la, não é mesmo?
Em certo diálogo lê-se: “Tenho uma teoria de que as pessoas gostam de dor. O ser humano
praticamente inventou todo o drama do qual reclama diariamente, só para poder
sentir alguma coisa. Somos tão dependentes da dor quanto do prazer.” É
possível vermos em tal trecho a expressão da trajetória de Charlie Walsh, um
caminho tortuoso e que o assola com dor. Ele demonstra claramente a necessidade
de ter algum sentimento pelo pai, nem que seja o desejo de vingança. Mas o
domínio dos sentimentos não é tão forte assim, posto que se tornam confusos com
a proximidade que tem com Tony, seu alvo. A lembrança do que o homem fez com
sua mãe, essa dor que fere e que instiga a vingança, torna-o dependente dela. Movido por outras circunstâncias, ele é levado
a percursos que, talvez, jamais imaginasse quando do intento de concretizar seu
plano.
No que refere-se a personagens secundários,
eles também imprimem sua marca na obra. Rocket, por exemplo, é uma mulher que
não passa imperceptível ao olhar do leitor. Sua história é impactante. É uma
figura que emerge do papel secundário para protagonizar ótimas cenas, contar a
sua história e causar impressões fortes no leitor.
A máfia é um tema que agrada e o livro de Mário Puzo, o clássico O
Poderoso Chefão, foi uma das inspirações da autora. Inspiração que Cláudia Lemes teve também em mestres do gênero noir: Dashiell Hammett, Elmore Leonard e
James Ellroy, como declara a orelha do livro.
Ainda que o leitor nunca tenha lido um
romance policial ou que esteja adentrando o universo do gênero, ou que nunca
tenha tido contato com um livro que aborda a máfia, não há com o que se
preocupar para entrar nesse universo. Cláudia Lemes dá uma verdadeira aula. No
livro, toda a ambientação, a forma com os personagens se expressam, a maneira
como atuam no submundo, está bem retratado. Autores competentes são assim,
sabem do que estão falando, transmitem que pesquisaram sobre o tema, tornam
críveis suas criações.
O livro tem a trama bem amarrada e o final pega
o leitor de jeito, sem deixar passar nada do que foi apresentado ao longo de
toda a história. Está tudo ali, tudo se encaixa. As características dos
personagens, demonstradas por seus atos ao longo do livro, nos conduz a um
encerramento forte, surpreendente. Um desfecho para fecharmos o livro e
exclamar: uau!
Um
Martini com o Diabo,
tornou-se um dos livros prediletos que li em 2017. E, sem dúvida, nota-se
claramente uma autora consistente, que escreve com maestria.
Foto: Reprodução |
Sobre a
autora
Cláudia Lemes escreve desde a adolescência,
mas só publicou seu primeiro romance em 2015, pela Editora Empíreo. A trama
policial Eu Vejo Kate: o despertar de um serial killer chamou a atenção de um
grupo enorme de leitores e blogueiros literários, transformando-se rapidamente
numa referência no assunto e recebendo elogios da escritora e criminóloga Ilana
Casoy. Depois do sucesso nas redes sociais e livrarias, a escritora, tradutora
e mãe de três filhos, natural de Santos – SP, mantém seu estilo cru, transgressor
e brutalmente honesto no romance noir, Um Martini com o Diabo. Cláudia Lemes é
também presidente da ABERST – Associação Brasileira de Escritores de Romance
Policial, Suspense e Terror.
Ficha
Técnica
Título: Um Martíni com o
Diabo
Escritor: Cláudia Lemes
Editora: Empíreo
Edição: 1ª
ISBN: 978-85-67191-28-7
Número
de Páginas:
336
Ano: 2016
Assunto: Literatura
brasileira
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