“Então
havia alguma coisa que se podia aprender... o quê? Aos poucos saberia,
certamente.”
Uma Aprendizagem ou o Livro dos Prazeres, de
Clarice Lispector, foi publicado originalmente em 1969. A edição objeto da
resenha trata-se de publicação realizada pela Folha de São Paulo em 2016 (144
páginas).
Loreley, conhecida como Lóri, sai de sua
cidade (Campos) e vai morar e trabalhar como professora primária no Rio de
Janeiro. Ela é filha de uma família abastada e em tempos áureos podia viajar o
mundo todo. Após a morte de sua mãe a família perdeu parte do dinheiro, reduzindo
a fortuna para um terço do que tinham. Lóri é a única filha mulher e tem três
irmãos.
Nos acasos que a vida prega, Lóri está a
espera de um táxi quando um homem chamado Ulisses vê sua beleza e oferece uma carona. Ele, inclusive, a
convida para beber um copo de uísque. Daquele encontro casual, pelo qual
aparentemente apenas uma das partes envolvidas tinha algum outro interesse, nasce
a paixão. Ulisses é professor universitário, filósofo.
Entre eles a aproximação se desenvolve como
uma aprendizagem, posto que vão, aos poucos, maturando a relação até que seja o
momento adequado para fazer amor.
No decurso do tempo conhecemos os dois personagens
com mais profundidade. Suas inquietações, as indagações que fazem, o
aprendizado e a experiência que trocam por diálogo ou escrevendo, nos dão a
dimensão das duas figuras criadas por Clarice Lispector. Lóri terá de enfrentar
seus medos. Ela sente desejo pelo filósofo e quer por ele ser possuída, mas não
como foram os outros homens com os quais se relacionou. Ela quer uma ligação.
Ele, ao contrário do que se pode supor, a compreende, e aceita. Toca com ela o
aprendizado necessário para o amadurecimento da relação.
Lóri professa suas dificuldades e diz: “...tenho sido a maior dificuldade no meu
caminho. E com enorme esforço que consigo me sobrepor a mim mesma”. Reside
em Lóri a necessidade de descobrir-se, de tocar-se (não fisicamente falando),
mas de ser tocada por sua existência, pelo gosto da vida. Loreley precisa se
sentir viva e presente no mundo. Viver para ela “é tão fora do comum” que só vive porque nasceu. E na jornada de
aprendizagem ou no caminho do prazer, as indagações sobre as descobertas que
faz e sobre tudo que a ronda surgem. Da vida à morte, ela precisa de respostas
para sentir-se plena.
A personagem em reflexão questiona: “quem eu sou?” Pergunta difícil de ser
respondida, como diz o outro personagem, Ulisses. Talvez a pergunta mais
difícil para a humanidade. E como ele, inteligente e filósofo diz, nem ele
mesmo sabe quem é.
Ulisses é para Lóri um farol que a guia como
um navio no mar. Por ele e para ele os questionamentos que ela faz carecem de
respostas, que ela procura em si e no mundo. E o livro aborda justamente a
troca de experiências entre os dois personagens.
“”Não
entender” era tão vasto que ultrapassava qualquer entender – entender era
sempre limitado. Mas não entender não tinha fronteiras e levava ao infinito...”
Podemos dizer que a história do livro é até
bastante simples: uma mulher em busca de aprendizado sobre a vida e seu
relacionamento. Mas é nessa simplicidade que surge toda a complexidade do texto
de Clarice Lispector. A autora, com abordagens profundas que nos levam a
refletir com os personagens, parece lançar ao leitor toda sorte de provocação.
O casal faz um interessante contraponto. De
um lado temos Lóri que não se sente e não está pronta. Do outro, temos um homem
aparentemente ciente de si e que se sente pronto, mas prefere aguardar que sua
parceira também esteja preparada. Replico aqui a palavra preparada, pois é esse
o termo que ele utiliza. Embora pareça, inicialmente, que ela precisa apenas e
tão somente se preparar para uma relação amorosa, as questões que trata são
mais profundas. Ela precisa aprender a gostar de si, a gostar da vida, a sentir
prazer em viver, sem culpa. Mas não teria ele, o firme e preparado Ulisses,
também um aprendizado a percorrer por meio da caminhada de aprendizagem de Lóri?
O livro começa com uma vírgula, como se
demonstrasse que antes da história que será lida nas 142 páginas, existia uma
vida para aqueles personagens que vão ser apresentados ao leitor. Ou podemos
dizer que, como na vida real, participamos de certos acontecimentos que estão
em movimento. É preciso, pois, acompanhá-lo de onde estão, seguindo o andamento
a partir de um dado fato. O livro termina com dois pontos, expressando que para
fora das páginas a vida também tem uma continuidade, não cessa ali.
A narração é feita em terceira pessoa, com a
prosa poética de Clarice, para demonstrar ao leitor os pensamentos e os anseios
dos personagens. A história tem uma grande dose de existencialismo, posto que é
dos personagens que emana o pensamento filosófico, a sua percepção desorientada
e confusa diante do mundo que não tem sentido.
“A mais
premente necessidade de um ser humano era tornar-se um ser humano.”
Ainda não consigo dizer que um livro de
Clarice é razoável. Não pelo peso de sua representatividade e de seu nome forte
que circula no meio literário. Não consigo classificar como razoável o que
razoável não é. Uma Aprendizagem ou o
Livro dos Prazeres é mais um grande livro de uma grande escritora.
Foto: Reprodução |
Sobre a
autora
Clarice Lispector nasceu eu Tchetchelnik,
pequena cidade da Ucrânia, e chegou ao Brasil aos dois meses de idade,
naturalizando-se brasileira posteriormente. Criou-se em Maceió e Recife,
transferindo-se aos doze anos para o Rio de Janeiro, onde se formou em Direito,
trabalhou como jornalista e iniciou sua carreira literária. Viveu muitos anos
no exterior, em função do casamento com um diplomata brasileiro. Teve dois
filhos e faleceu em dezembro de 1977, no Rio de Janeiro.
Ficha
Técnica
Título: Uma Aprendizagem ou
o Livro dos Prazeres
Escritor: Clarice Lispector
Editora: Folha de São Paulo
Edição: 1ª
ISBN: 978-85-7949-274-7
Ano: 2017
Número
de Páginas:
144
Assunto: Ficção brasileira
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