Capitão Rodrigo Severo Cambará chega ao povoado de Santa Fé. “Um dia chegou a cavalo, vindo ninguém sabia de onde, com o chapéu de barbicacho puxado para a nuca, a bela cabeça de macho altivamente erguida, e aquele seu olhar de gavião que irritava e ao mesmo tempo fascinava as pessoas.” Era outubro de 1828, período a partir do qual se desenrolará toda a história.
Em meio aos olhares desconfiados da população
do povoado e tocando seu violão, que carregava a tiracolo, acaba se encantando
por Bibiana, filha de Pedro Terra e irmã de Juvenal. Ela “tinha um rosto redondo, olhos oblíquos e uma boca carnuda que o lábio
inferior era mais espesso que o superior. Havia em seus olhos, bem como na voz,
qualquer coisa de noturno e aveludado.” No entanto, numa cidade em que
Ricardo Amaral era tido como a representação do poder, Rodrigo não é o único a
encantar-se por Bibiana. O filho de Amaral, chamado Bento, é apaixonado por
ela, mesmo não tendo tal amor correspondido, o que seria de bom grado para
Pedro (o pai da moça).
Forma-se então um triângulo, ainda que,
inicialmente, Bibiana não se relacione com nenhum deles. Mas o fato de ambos
terem apreço pela moça, cria entre eles a rivalidade necessária para colocá-los
frente a frente num duelo. Notadamente, não nutrem a menor simpatia um pelo
outro, o que gera embate e combate deixando marcas físicas e na memória dos
personagens.
Bibiana representa as mulheres de seu tempo.
Lembrem-se que estamos posicionados numa história que se passa no século XIX. É
uma mulher que deve obediência ao pai, que o respeita, que segue tudo o que ele
diz, até que, após se casar, passa a ser devotada ao marido. Ainda que
aconteçam fatos que não deveriam ser tolerados (de acordo com a
contemporaneidade), ela aceita. Por fim, talvez para ela, seja melhor ter o
marido a seu lado, do que andando por aí, como fizera outrora. É uma mulher que
emana generosidade e sofrimento.
De pano de fundo e com ligação direta na
narrativa, temos a visão política da época. Caminhava-se, no período, para a Revolução
Farroupilha, que teve início em 1835, quando Bento Gonçalves tomava Porto
Alegre e depunha Fernandes Braga. Já no Pará, acontecia a revolta conhecida
como Cabanagem.
O livro tem início em 1828 – ano da chegada do
Capitão Rodrigo a Santa Fé – como foi mencionado anteriormente. A história faz
parte do episódio três do primeiro volume de O Continente, parte da trilogia O
Tempo e o Vento, do escritor Erico Verissimo. Tal trecho foi publicado
separadamente, pois não afeta o entendimento do leitor, nem entrega a
continuidade da série escrita pelo autor. É uma história completa, não afetando
em nada a compreensão de quem lê a trama.
Em Um Certo Capitão Rodrigo, publicado pela
Companhia das Letras em 2005 (3ª edição;
184 páginas) há a combinação entre fatos históricos (reais) e eventos
ficcionais. Por exemplo: quando Rodrigo Cambará chega no povoado, o Brasil e
Argentina reconheciam a independência do Paraguai. Em 1835, na Revolução
Farroupilha, Rodrigo se junta às tropas de Bento Gonçalves.
Vale dizer ainda que temos a presença da
igreja, representada pela figura do Padre Lara, que chega a dissertar com
Capitão Rodrigo sobre sua crença. Rodrigo não acredita em Deus, não segue
religião alguma. O padre faz esse contraponto, expondo sua visão católica de
uma época, incluindo-se a atuação da igreja na política (seja lá de que forma
for). E a política, bem como a separação pela classe econômica, é representada
pelas figuras de Ricardo Amaral e seu filho, que antagoniza com Capitão
Rodrigo. Os dois, que tem condição financeira mais privilegiada, buscam
defender a manutenção de seu poder. São homens que, no fundo, pensam que tudo
podem. Do outro lado, temos personagens que vivem em condições menos abastadas
que se encontram na venda de Nicolau ou no terreiro da casa de Joca Rodrigues.
Capitão Rodrigo tem ar de anti-herói. É um
homem corajoso, desbravador do mundo, aparentemente autossuficiente, atuante em
guerras, machista, impetuoso, mas que é capaz de se apaixonar, mesmo que seu
amor não seja eterno. Cede a vícios, é mulherengo, mas carrega uma relativa
conduta moral no seu modo de agir com os demais. Ele desperta nos outros
personagens um misto de irritação e fascínio, conforme trecho apontado no
início desta resenha (transcrito da publicação). Ao leitor esse misto de
sentimentos também pode ser despertado pela maneira como Rodrigo Cambará age.
O livro de Erico Verissimo tem uma trama
instigante, com personagens idem. Uma narrativa feita em terceira pessoa, e de
leitura fácil e clara, envolta em ares épicos, posto que o protagonista sente a
premente necessidade de estar em batalha, em guerra, rivalizando com alguém o
tempo todo. Obras como essa fazem com que o leitor consiga também entender um
pouco do período na qual se passam. Ainda que seja ficcional, apresenta a
contextualização histórica e comportamental de uma época.
Vale a pena ler.
Foto: Reprodução |
Sobre o
autor
Erico Verissimo nasceu em Cruz Alta – Rio
Grande do Sul, em 1905, e faleceu em Porto Alegre, em 1975. Foi bancário e
sócio de uma farmácia. Sua estreia literária foi na Revista da Globo, com o
conto “Ladrões de gado”. A partir de 1930 tornou-se redator da revista. Depois,
foi secretário do Departamento Editorial da Livraria da Globo e também
conselheiro editorial, até o fim da vida. Em 1947 começou a escrever a trilogia
O Tempo e o Vento, cuja publicação só terminou em 1962. Recebeu vários prêmios,
como o Jabuti e o Pen Club. Em plena ditadura, lançou Incidente em Antares
(1971), crítica ao regime militar. Em 1973 saiu o primeiro volume de Solo de
Clarineta, um livro de memórias. Quando morreu estava concluindo o segundo
volume, que foi publicado postumamente.
Ficha
Técnica
Título: Um Certo Capitão Rodrigo
Escritor: Erico Verissimo
Editora: Companhia das
Letras
Edição: 3ª
ISBN: 978-85-359-0598-4
Número
de Páginas:
184
Ano: 2005
Assunto: Romance brasileiro
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